Ele não me disse o nome.
E talvez fosse melhor assim. Nomes criam laços. Palavras, explicações. Mas ali, naquela pista de dança onde tudo desaparecia ao redor, tudo que eu precisava era do toque dele. Do cheiro dele. Daquela energia bruta e silenciosa que fazia minha pele vibrar. — Mais uma taça? — ele perguntou, a mão roçando de leve na curva do meu quadril. — Mais duas. — respondi, sentindo o álcool esquentar a coragem que faltava. O tempo perdeu qualquer lógica. A batida da música, as luzes vermelhas e douradas dançando ao nosso redor, os dedos dele que encontravam sempre os lugares certos — como se meu corpo já fosse conhecido, mapeado, dele. Eu não bebo tanto. Mas naquela noite, eu não era eu. Era alguém livre. Desejada. Viva. Minhas mãos estavam no peito dele. Em seu pescoço. Seus dedos se entrelaçavam nos fios soltos do meu cabelo, enquanto ele dizia algo em meu ouvido que eu não consegui entender, mas senti na pele. E então, tudo aconteceu rápido. Um carro. O silêncio no banco de trás, preenchido apenas pela tensão entre nossos olhares. Meu corpo colado ao dele. As mãos dele deslizando pela minha coxa enquanto eu segurava a respiração. O hotel era de luxo, mas eu mal vi o saguão. O elevador parecia apertado demais para conter o que queríamos. O quarto. Luzes baixas. Lençóis brancos. Perfume amadeirado e desejo queimando nas veias. Ele me beijou como se o mundo fosse acabar naquela noite. Com fome, com fúria, com precisão. E eu deixei. Me entreguei. Deixei que as roupas caíssem no chão como armaduras vencidas. Deixei que suas mãos me explorassem como se eu fosse território desconhecido e precioso. E eu era. O calor. O toque. Os gemidos abafados. A respiração pesada. Cada movimento era tão intenso, tão certo, que por um segundo me perguntei se aquilo era real ou delírio alcoólico. O tempo se dissolveu em prazer. Em suor. Em pele contra pele. Eu já não lembrava da festa, do hospital, do meu nome. Só existia ele. E então, o silêncio. O tipo bom. O tipo que só vem depois de algo que te tira do corpo. Adormeci entre lençóis bagunçados e braços fortes. Ou achei que sim. A luz entrava pela janela como uma punhalada nos olhos. Pisquei, grogue, a cabeça latejando como se tivesse um tambor dentro. O quarto estava silencioso. Luxuoso. E vazio. O travesseiro ao meu lado ainda tinha o cheiro dele. Meu vestido estava jogado sobre uma poltrona, e ao lado da cama, sobre a mesinha, um envelope preto. Me sentei, cobrindo o corpo com o lençol. Dentro do envelope, uma nota: > “Não gosto de despedidas. Tudo já está pago. Obrigado pela noite. — L.” Engoli em seco. Meu estômago revirou — não só pela ressaca, mas por aquela sensação agridoce que queimava por dentro. A sensação de ter vivido um sonho... e acordado sozinha. Nada além de um nome incompleto. L. A água quente caía sobre mim como um alívio e um castigo. O vapor embaçava o espelho, mas nem se estivesse limpo eu conseguiria me encarar direito. Meus pensamentos estavam presos à noite passada. Ao corpo dele colado no meu. Aos beijos lentos que se transformavam em urgência. À forma como ele dizia meu nome mesmo sem nunca tê-lo ouvido. L. Nem um nome completo. Passei as mãos pelos cabelos encharcados, tentando lavar também o resto de desejo que ainda vibrava sob minha pele. Mas não adiantava. Ele ainda estava ali — nas marcas vermelhas na minha cintura, nos arrepios que surgiam só de lembrar sua voz rouca, seu cheiro, seus olhos cravados nos meus. Enrolei-me na toalha e pedi o café pelo telefone. A atendente, simpática demais para a minha ressaca, confirmou que tudo já estava pago. Claro que estava. Ele pensou em tudo... menos em ficar. Enquanto o café chegava, vesti o vestido da noite anterior, amarrotado, carregado de perfume e lembranças. Engoli dois goles de café, mastiguei um croissant sem vontade, e desci direto para chamar um carro. A cidade parecia cinza, mesmo sob o sol. Meu celular vibrou antes mesmo de eu chegar em casa. Catarina. Catarina: Mulher do céu 😳🔥 Catarina: Ele era UM DEUS. Um deus de terno. Me conta agora. Catarina: Você se deu bem demais. Quero detalhes. Suspirei. Me joguei no sofá ainda com a toalha na cabeça e digitei com dedos lentos: Estela: A gente dançou. Bebemos. Fomos pro hotel. Catarina: MEU DEUS. E??? Estela: Foi... surreal. Intenso. Inesquecível. Catarina: UAU. Quem era ele mesmo? Estela: Não sei. Só me deixou um bilhete assinado “L.” Catarina: Misterioso. Sexy. Perfeito. Estela: Exceto pelo detalhe de que ele SUMIU. Larguei o celular no peito e fechei os olhos. A sensação do corpo dele ainda grudado ao meu me invadiu de novo, como um calor doce, meio amargo. A memória de sua boca em minha clavícula, dos sussurros roucos dizendo coisas que me fizeram tremer, do cheiro dele misturado ao perfume dos lençóis... era tudo vívido demais. Eu devia esquecer. Mas tudo em mim parecia querer lembrar. *********** *POV:Lorenzo* Lorenzo Moretti caminhava pelo corredor de seu apartamento silencioso com um café amargo na mão e um peso estranho no peito. Ela era diferente. Não só pelo corpo — embora cada curva ainda estivesse viva em sua mente — mas pela forma como se movia, como o olhava. Como se não soubesse quem ele era. Como se ele fosse só um homem comum naquela noite. Gostou disso. E detestou. No mundo dele, mulheres se aproximavam com segundas intenções. Com medo. Ou com ambição. Mas Estela... ela parecia querer apenas a noite. Ele quase ficou...... Quase. Mas ele sabia que seu mundo não permitia "quases". Entrou no escritório com passos firmes, mas os olhos ainda distantes, quando a porta se abriu abruptamente. — A carga chegou. O caminhão passou por Verona sem problema — disse Ricco, seu braço direito, vestindo preto dos pés à cabeça, como sempre. — Mas temos a reunião com os de Marselha amanhã. Pode dar merda. Lorenzo assentiu, tomando um gole do café. — Eles vão tentar subir o preço. Querem território em troca. Não vão conseguir. Ricco sorriu de canto. — Vai ser bonito ver você esmagando esses filhos da puta com a calma de sempre. — E se não for bonito... — Lorenzo girou a xícara lentamente — ...será rápido. Ricco encostou-se no batente da porta e o encarou, curioso. — Mas agora me conta... Quem era a ruiva de vestido vermelho ontem? Você saiu da festa antes do segundo round. Nunca vi você sumir daquele jeito. Lorenzo desviou o olhar por um instante. Longo o suficiente para Ricco perceber. — Alguém... interessante. — Nome? — Estela. Foi tudo que eu soube. — A boca dele curvou-se com um sorriso quase imperceptível. — Ela não fazia ideia de quem eu era. Isso... foi novo. — Vai ver ela descobre. E aí? — Aí talvez seja tarde demais. O olhar dele se perdeu além da janela. Não era só o corpo dela que queimava na memória. Era a calma que ela trazia — mesmo sem saber que tinha entrado na tempestade. A noite caiu como um manto sobre Milão, vestindo a cidade com promessas e perigos. Lorenzo ajustava os punhos da camisa preta sob o terno perfeitamente alinhado. No espelho, o reflexo não mostrava nervosismo. Mostrava domínio. Frieza. Controle. No andar de baixo, Ricco o aguardava, já com o fone de ouvido ligado. — Tudo pronto — disse, sem rodeios. — Atiradores posicionados. Dois no telhado do restaurante. Dois no prédio em frente. Se alguém tossir fora do tom, vira lembrança. Lorenzo assentiu e ajustou o paletó. — Excelente. Nenhum erro esta noite. Desceram juntos até a garagem. Os carros saíram em comboio, pretos, blindados, com vidros escuros. O restaurante reservado para a reunião era discreto, mas conhecido entre os círculos certos. Uma fachada elegante para um campo minado. Lá dentro, o ambiente estava silencioso. O salão principal fora esvaziado, os garçons pagos para sumirem por uma noite. Homens de terno, todos armados, formavam um semicírculo ao redor da longa mesa central. O pai de Lorenzo, Don Enzo Moretti, se sentava ao seu lado. Um velho leão de olhar afiado e rugas marcadas por décadas de sangue e estratégia. Ricco, fiel como sempre, permanecia à esquerda, de pé, observando cada gesto. Os representantes de Marselha chegaram com dois minutos de atraso. Intencional. O chefe deles, Gaspard Lenoir, um homem gordo de cabelo lambido para trás e olhos de predador, foi o primeiro a falar: — Sabemos que a carga chegou sem problemas, Lorenzo. Mas vamos ser claros. Metade da mercadoria é nossa. E exigimos acesso à zona norte. A sala ficou silenciosa. Só se ouvia o tilintar do gelo na taça de Lorenzo enquanto ele girava o whisky lentamente. — Metade? — Sua voz saiu baixa, quase entediada. — Você quer metade da carga... e território? Por quê? Porque pediu com gentileza? Gaspard se inclinou. — Isso não é um pedido. Um clique ecoou. Ricco armara a pistola. Outros homens apontaram armas. A tensão cortava o ar como lâmina. Lorenzo ergueu a mão, e todos pararam. — Ninguém atira — disse com calma. Depois se virou para Gaspard. — Você atravessou a fronteira pedindo o que não é seu. Eu poderia acabar com tudo agora, e sair daqui sem sujar as mãos. Mas não gosto de fazer bagunça em lugares bonitos. Seu pai apenas observava, um leve sorriso nos lábios. Ricco também. — Você vai receber o que lhe foi prometido. Dez por cento da carga. E nenhum palmo a mais de território. Ou volta pra França com um caixão lacrado. Gaspard trincou os dentes. Bufou. Mas cedeu. — Feito. Mãos se apertaram, mas olhos continuaram frios. Ao saírem do restaurante, Ricco já tinha o celular na mão. — O que quer que eu faça? — Descubra tudo sobre a família Lenoir. Qualquer rastro sujo, qualquer podridão enterrada. Quero uma alavanca. Algo que os quebre. — Entendido. Lorenzo parou por um instante, olhando para o céu noturno. — E, Ricco... — murmurou. — Descubra quem é Estela. Quero saber tudo. Endereço. Histórico. Se ela tem alguém. — Achei que você não misturava prazer com negócios... — Não misturo. Mas ela... mexe com alguma coisa que eu não sei explicar. Ricco deu uma risadinha, já digitando. — Vai ser interessante ver você tentar explicar.