Sophia

Sophia narrando

A vida tem um jeito cruel de ensinar. Quando você acha que tem tudo sob controle, descobre que nunca teve nada. Meu nome é Sophia Torres, tenho vinte anos, e já carreguei nos ombros dores que não desejo a ninguém.

Muita gente olha pra mim e enxerga apenas a aparência. Morena iluminada, olhos verdes, corpo bonito, mas isso não mostra nada do que existe aqui dentro. O que ninguém vê é a bagagem que eu carrego, uma alma marcada, cicatrizes que não estão no meu rosto, mas que me acompanham todos os dias.

No ensino médio eu conheci Andrey. Ele era dois anos mais velho, e pra mim parecia perfeito. O sorriso fácil, o jeito carinhoso, aquela sensação de que eu era especial só por estar do lado dele. Eu me apaixonei perdidamente. Namoramos por três anos. Três anos em que eu acreditei que ele também me amava, que ele era o amor da minha vida, que meu futuro estava ali, ao lado dele.

Eu me entreguei. Corpo e alma. Fiz tudo acreditando nas promessas que ele me fazia. Que iríamos construir uma vida juntos, que eu seria mãe dos filhos dele, que nada no mundo nos separaria. Eu acreditava em cada palavra. Talvez porque, no fundo, eu queria acreditar.

Até que um dia descobri que estava grávida.

Eu não fiquei assustada. Estranho dizer isso, mas eu realmente achei que seria algo bom. Que teríamos nosso filho, que ele ficaria feliz, que meus pais me apoiariam. Eu era ingênua demais pra perceber que nada disso aconteceria.

Contei primeiro para minha mãe. Entrei na cozinha, respirei fundo e falei:

Sophia: Mãe, eu preciso te dizer uma coisa. Eu tô grávida.

Ela não disse nada. Só me empurrou com força pro quarto, trancou a porta e me deixou ali. Eu fiquei batendo, chorando, pedindo pra abrir, mas nada.

Quando meu pai chegou do trabalho, ouvi os passos pesados dele no corredor. A chave girou na fechadura e antes mesmo de eu entender, levei o primeiro tapa.

Pai: Vagabunda! É isso que você é! Uma vergonha pra essa família!

Sophia: Pai, por favor, eu só preciso de ajuda, eu…

Outro tapa. E outro. Até que eu caí no chão, zonza. Ele não ouviu nada do que eu disse. Minha mãe olhava com frieza, sem mover um dedo pra me defender. Aquela noite foi o começo do meu fim. Fui expulsa da minha própria casa por quem deveria me amar e proteger.

Eu não tinha pra onde ir. Não tinha dinheiro, não tinha nada. A única pessoa que me veio à mente foi Andrey. Ele precisava saber. Ele tinha que assumir.

Cheguei na casa dele de surpresa. Entrei sem bater, como sempre fazia, e encontrei o que eu jamais imaginaria. Ele estava com outra. Rindo, como se eu nunca tivesse existido.

Sophia: Andrey? Como você pôde? Eu tô grávida do seu filho!

Ele se levantou, irritado, e eu avancei nele, chorando, desesperada. Mas foi aí que tudo desmoronou.

Ele me bateu.

Não importava o quanto eu gritasse que estava grávida, não importava o quanto eu implorasse. Os socos e chutes continuaram até que minha visão escureceu. A última coisa que lembro foi minha própria voz rouca, implorando para ele parar, e depois, nada.

Acordei no hospital, conectada a aparelhos, dor em cada parte do meu corpo. E o pior: sem meu filho. O bebê que eu sonhava em proteger tinha sido arrancado de mim. Arrancado junto com o meu coração.

Quem cuidou de mim foi minha tia, Samira. Uma mulher forte, que sempre foi o oposto da minha mãe. Enquanto meus pais me rejeitaram, ela abriu as portas da casa dela sem hesitar.

Samira: Você não tá sozinha, Sophia. Eu tô aqui. Sempre vou estar.

Ela foi meu porto seguro. Me ajudou a me levantar, me curar fisicamente, porque emocionalmente, eu ainda estou em pedaços. É com ela que moro hoje. E, por mais que eu ainda carregue dor, sei que devo a ela o fato de estar viva.

Agora, estou tentando seguir em frente. Procurando emprego, querendo ajudar minha tia e, de alguma forma, reconstruir minha vida. Não é fácil. Cada vez que olho no espelho, vejo a mesma garota de vinte anos, mas por dentro eu me sinto muito mais velha. Como se cada golpe tivesse roubado um pedaço da minha juventude.

Hoje acordei cedo, vesti minha melhor roupa – que nem é grande coisa – e saí com a pasta de currículos debaixo do braço. Andei pela cidade entregando em cada lugar que poderia me aceitar. Sei que não tenho experiência sólida, só trabalhos temporários e um emprego antigo de recepcionista. Mas o que eu mais tenho é vontade. Vontade de recomeçar, vontade de mostrar que eu não sou apenas a menina que perdeu tudo.

Enquanto caminho pelas ruas, penso no que aconteceu. Ainda dói lembrar do bebê. Às vezes, fecho os olhos e imagino como teria sido ouvir o choro, segurar aquela vida nos braços, sentir que havia algo puro e verdadeiro só meu. Mas não tive essa chance. E por mais que eu lute, essa dor nunca vai sair de mim.

Respiro fundo e sigo. Não posso me permitir parar no meio do caminho. Não posso ceder à dor sempre que ela aperta. Preciso me manter firme. Se não por mim, por minha tia, que acreditou em mim quando ninguém mais acreditava.

Às vezes, à noite, converso com ela sobre isso.

Sophia: Tia, você acha que um dia eu vou conseguir esquecer?

Samira: Esquecer não. Mas você vai aprender a conviver. A dor muda de lugar, filha. Ela não some, mas um dia deixa de ser ferida aberta.

As palavras dela sempre me fazem refletir. Talvez seja isso que eu preciso: aprender a conviver com minha dor sem deixar que ela me defina.

Hoje, enquanto esperava em mais uma sala de entrevistas, percebi os olhares julgadores ao meu redor. Gente com roupas melhores, currículos mais bonitos, histórias menos complicadas. Mas eu fiquei ali, de cabeça erguida, segurando minha pasta como se fosse minha última chance. E, talvez, realmente fosse.

Não sei o que o futuro guarda pra mim. Só sei que não vou desistir. Porque, se eu cheguei até aqui, depois de tudo que vivi, não é agora que vou cair.

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