Sophia narrando
O sábado chegou com o mesmo peso da semana. Acordei cedo, como sempre, e passei a manhã fazendo pequenas tarefas pela casa, tentando ocupar a mente. O silêncio parecia mais pesado do que nunca, e cada minuto se arrastava. Quando ouvi o portão se abrir, corri até a janela e vi minha tia entrando com a bolsa pendurada no ombro e os olhos cansados. O jeito como ela caminhava denunciava o quanto estava exausta. Trabalhar longe sempre a deixava assim, drenada, como se cada viagem fosse um fardo que roubava um pedaço de sua energia. Corri até a porta para recebê-la, com um sorriso largo, tentando passar um pouco da alegria que sentia por vê-la em casa novamente. Sophia: Tia! Que bom que chegou. Tia: Minha menina, só quero tomar um banho e me jogar na cama. Essa semana foi puxada demais. Vi no olhar dela a fadiga acumulada, o corpo pedindo descanso, e entendi sem precisar ouvir mais nada. Preparei um café rápido, só para agradar, mas ela recusou com um gesto suave, dizendo que queria apenas descansar. Subiu para o quarto e se trancou. Respeitei seu silêncio, porque sabia que era a forma dela recarregar forças. O resto do dia seguiu calmo. Eu mesma fui inventando coisas para fazer: arrumei a cozinha, dobrei roupas, limpei a sala. Tentei manter a mente ocupada, mas por dentro eu só conseguia pensar que no dia seguinte tudo seria diferente. Era como se um portal fosse se abrir diante de mim — e eu não tinha ideia do que me esperava do outro lado. O domingo amanheceu com o sol atravessando as frestas da janela, riscando o quarto com linhas douradas. Acordei antes mesmo do despertador, tomada por uma ansiedade boa, daquela que aperta o peito, mas traz esperança. O coração parecia bater mais rápido só de imaginar como seria meu futuro a partir dali. Fui para a cozinha e encontrei minha tia já de pé, penteando o cabelo diante do espelho da sala, com um ar renovado. Tia: Hoje vamos passear. Você merece. Sorri de imediato. Fazia tanto tempo que não saíamos juntas para algo além das compras do mercado, só essa simples frase já fez meu domingo parecer especial. Escolhi um vestido simples, mas bonito, e me arrumei com cuidado. Enquanto me ajeitava, percebi como até os pequenos detalhes pareciam ganhar outro significado: a forma como o tecido caía, a sandália que calcei, o batom claro nos lábios. Minha tia usava um perfume suave que sempre me trazia lembranças da infância, e isso me deu uma estranha sensação de conforto. Pegamos o ônibus e seguimos para o centro. A cada esquina, eu observava as pessoas andando apressadas, famílias reunidas, vendedores chamando por fregueses. Era como se tudo estivesse em movimento, enquanto dentro de mim havia um turbilhão de emoções. Quando chegamos ao restaurante, senti meu coração quase parar. Era diferente de tudo que eu estava acostumada. As mesas cobertas por toalhas brancas impecáveis, as luzes amareladas criando um ambiente acolhedor, os garçons passando rápido de um lado para o outro. Por alguns segundos, senti-me deslocada, como se não pertencesse àquele lugar. Mas a mão firme da minha tia sobre a minha me devolveu coragem. Tia: Hoje é por minha conta. Você conseguiu o emprego, Sophia. Precisa comemorar. Olhei ao redor, absorvendo cada detalhe. Pedi um prato simples, sem ousar muito, com medo de parecer deslocada até no cardápio. Enquanto esperávamos, conversamos sobre o trabalho, sobre como eu tinha chegado até ali. Sophia: Eu ainda nem acredito, tia. Parece um sonho. Tia: Não é sonho, é esforço. Você merece cada conquista. As palavras dela me emocionaram mais do que qualquer coisa. Engoli o nó na garganta quando a comida chegou. O sabor era incrível, muito além do que eu preparava em casa. Cada garfada parecia carregar um gosto de vitória, de recompensa. Era como provar um pedaço de futuro, um lembrete de que eu podia, sim, sonhar mais alto. Passamos horas ali, rindo, lembrando de histórias antigas, relembrando erros e acertos, planejando o amanhã. O tempo voou, e quando nos demos conta já era fim de tarde. Voltamos para casa exaustas, mas com o coração leve, como se o domingo tivesse lavado um pouco do peso da vida. Minha tia foi direto descansar, mas eu ainda tinha energia de sobra, e uma vontade enorme de compartilhar a novidade com alguém especial. Bati na porta da vizinha e amiga, Irina. Ela abriu com um sorriso cansado, com olheiras fundas denunciando a rotina puxada de faculdade e trabalho. Irina: Finalmente, Sophia! Eu soube que você conseguiu. Me conta tudo. Sentamos na frente da casa, como sempre fazíamos aos domingos, observando o movimento da rua que ia diminuindo aos poucos. A noite caía devagar, trazendo consigo uma brisa suave Contei cada detalhe da entrevista, desde o nervosismo ao entrar na sala até o momento em que meu coração disparou com a ligação confirmando a vaga. Irina: Você merece demais. Trabalhar na Moretto Corp não é para qualquer um. Sophia: Estou ansiosa. Será que vou ver o senhor Moretto todos os dias? Ela riu alto, balançando a cabeça com malícia. Irina: Já sei onde isso vai dar. Corei imediatamente. Sophia: Não, não… eu vou para trabalhar, não para arrumar namorado. Só que… ele é lindo, sério, imponente. Nunca olharia para uma pobre coitada como eu. Irina: Você se engana, amiga. Às vezes o que a gente acha impossível pode estar bem na nossa frente. Conversamos até tarde, rindo, sonhando, dividindo medos e planos. Cada palavra trocada era como um alívio para minha ansiedade. Quando percebi, a noite já estava avançada. Despedi-me dela com um abraço apertado e voltei para casa. Antes de dormir, decidi me cuidar. Fui até o banheiro, liguei a luz fraca e sentei. Peguei o alicate e fiz as unhas Escolhi um esmalte claro, simples, mas elegante. Enquanto passava cada camada, pensava no quanto queria causar uma boa impressão. Não era apenas vaidade, era um jeito de me lembrar de que eu tinha valor. Depois, peguei uma lâmina nova e fui arrumando a sobrancelha, tirando os excessos devagar. O espelho refletia não só meu rosto, mas a mulher que eu estava me tornando. Pela primeira vez, não me enxerguei apenas como alguém lutando para sobreviver. Depois tomei um banho e cai na cama exausta.