O sol atravessa as cortinas da suíte como um invasor silencioso, derramando sua luz morna sobre o quarto que carrega, mais do que nunca, o peso da distância entre duas pessoas que antes dividiam tudo, os planos, promessas, toques e risos. Agora, dividem apenas o espaço e o silêncio. Jonathan desperta antes de Marta. Observa-a, imóvel, como se cada segundo de quietude ao lado dela fosse uma oportunidade de tentar entender o que perdeu e o por quê.Ela dorme de lado, de costas para ele. Seu corpo parece encolhido, como se se protegesse de algo. Há uma rigidez nos ombros, uma tensão latente, mesmo no sono. A muralha entre eles não é feita de lençóis ou travesseiros, mas de palavras engolidas, de ressentimentos acumulados, de um ciúme que se tornou uma sombra intransponível.Quando Marta acorda, não há troca de olhares, nem um bom dia. Ela levanta-se em silêncio, vai ao banheiro, lava o rosto com pressa, e começa a se arrumar como se estivesse sozinha. Jonathan se senta na cama, angustia
O fim do dia chega como um suspiro de alívio, mas também com o peso de tudo que foi vivido. Marta, Jonathan e Eduardo caminham pelos longos corredores do hotel, os passos arrastados, os corpos exaustos, os pensamentos transbordando. A tensão entre Marta e Jonathan ainda é palpável, mas há uma espécie de trégua silenciosa, como se ambos estivessem tentando conter um vulcão prestes a despertar novamente.— Acho que a gente deu conta do recado — diz Eduardo, abrindo um sorriso preguiçoso enquanto boceja. — Mas, por favor, amanhã não me acordem antes das dez. Sério. Meu cérebro já está desligando agora.— Vai sonhando — Marta responde, sem perder o tom prático. — Amanhã é o último dia da conferência. Sete horas na recepção.— Vocês são cruéis demais — ele dramatiza, apoiando-se na parede, de forma quase teatral. Seus olhos passeiam de Marta para Jonathan com um brilho malicioso. — Mas pelo menos, se vocês se matarem de novo, me avisem. Quero ver ao vivo.— Vai dormir, fofoqueiro — Marta r
O quarto do hotel está mergulhado em uma penumbra elegante, com a luz tênue do abajur filtrando sombras douradas pelas paredes de madeira clara e os lençóis amassados carregando o cheiro agridoce de desejo reprimido. Do lado de fora, a cidade vibra em silêncio, como se respeitasse o caos íntimo que se desenrola naquele pequeno universo suspenso entre o perdão e o castigo.Quando Marta retorna do banho, envolta apenas em uma toalha, Jonathan está deitado, imóvel, lutando contra todos os impulsos. Ela caminha até o closet, abre a porta, e em vez de vestir algo, solta a toalha no chão e se joga nua na cama como quem diz “estou à vontade... mas não é para você”. O coração dele dá um salto. O corpo responde na hora.— Castigo... — ele sussurra, com a voz falhada. — Isso é castigo. Castigo de verdade, meu Deus, pior que eu sei o motivo de está passando por isso...Ela se ajeita, deita de lado, depois vira de barriga para cima. As pernas se separam lentamente. Depois vira de lado de novo, co
Marta atravessa a rua com uma mão na barriga, protegendo as vidas que carrega. O suor escorre pela sua nuca, a vertigem ameaça dobrar os seus joelhos, mas ela inspira fundo. Falta pouco. Falta muito pouco.E então, tudo acontece.O som de pneus cantando invade o ar como um grito. Um carro desgovernado surge do nada, avançando na direção dela como um predador. O impacto é brutal. Marta é lançada para o asfalto, seu corpo se choca contra o asfalto quente, e a dor vem antes mesmo que a consciência se apague. Seu último pensamento é uma súplica silenciosa: "Por favor… meus bebês…"— Meu Deus! — exclama uma senhora de cabelos grisalhos, que assistiu a tudo da calçada. Sem hesitar, ela faz um gesto rápido para um homem ao seu lado. — Ajude-a! Ligue para a emergência agora!A mulher se ajoelha ao lado de Marta, segurando a sua mão fria, seus olhos percorrendo o rosto pálido da jovem e sua barriga grande.— Aguente firme, querida… — sussurra, apertando os lábios. — Você não pode desistir ag
Diante de todas as adversidades, Marta não desiste. A fome a acompanha como uma sombra cruel dos últimos meses. O frio corta sua pele, os pés latejam, mas a necessidade de seguir em frente é maior do que o desespero.O dia inteiro foi assim, batendo de porta em porta, insistindo até o limite. Quando o cheiro de café quente invade suas narinas, Marta percebe o quanto está fraca. Seus bolsos vazios são a prova de que o pouco que tinha se esvaiu em uma passagem de ônibus, comprada com a esperança de um trabalho, onde a promessa de uma vaga de atendente evaporou assim que ela cruzou a porta e ouviu o gerente dizer:— Desculpe, a vaga já foi preenchida.Agora, ela vaga por ruas desconhecidas, sentindo o peso da cidade grande esmagá-la a cada "não" que recebe.— Só mais uma… só mais uma tentativa. — murmura para si mesma, tentando ignorar a dor latejante nos pés e a sensação de que está cada vez mais distante da vida que sonhou.Marta aperta o casaco surrado contra o corpo, mas o tecido fin
O som do despertador ecoa pelo quarto como um lembrete de que mais um dia começou. Mas Jonathan já está desperto há muito tempo. O teto acima dele é apenas uma prova em meio às sombras que nunca o deixam. Luxo, poder, sucesso... Nada disso tem efeito sobre ele. Porque, no fim das contas, nenhum império construído com suor e estratégia consegue preencher o vazio deixado por uma perda irreparável.Jonathan fechou os olhos, e a lembrança de Aira o envolveu como um abraço invisível. Eles eram perfeitos juntos, duas metades que se encaixavam sem esforço. O riso fácil, as conversas que varavam a madrugada, o simples toque dela incendiando a sua pele.Ele já havia tido inúmeras mulheres, mas nenhuma como Aira. O amor deles era palpável, intenso, uma força arrebatadora. No sexo, encontravam um refúgio onde tudo desaparecia, só existiam eles, ofegantes, consumidos por um desejo insaciável. Nunca, em toda sua experiência, conheceu algo tão avassalador.Com ela, conheceu o auge da felicidade. E
A tempestade ruge como uma fera descontrolada, e a noite é uma cortina negra cortada apenas pelos relâmpagos que rasgam o céu. A água da chuva não cai, ela despenca, formando rios que correm selvagens pelas ruas de paralelepípedo. Marta, encharcada e exausta, luta contra a correnteza que se forma ao longo da calçada, cada passo um desafio brutal. Seus pés escorregam, suas pernas fraquejam, e o peso da água a empurra, impiedoso.Um bueiro à frente é uma boca aberta, um abismo negro onde a enxurrada parece querer engoli-la viva. Marta tenta se segurar em um poste, mas seus dedos escorregam. O pânico a atinge como uma lâmina afiada, a ideia de ser tragada por aquela corrente furiosa a paralisa por um segundo eterno.— Não... não... — sua voz sai num sussurro abafado pela fúria da chuva.Quando está prestes a perder o equilíbrio, uma mão firme agarra o seu braço. Depois outra. Dois homens, vestidos com uniformes encharcados dos bombeiros, se esforçam para puxá-la de volta à calçada.— Te
MartaO estranho está ali, observando-a. Alto, imponente, com um terno impecável que denuncia o seu poder e riqueza. Os sapatos caros brilham sob a luz fraca da igreja. Mas o que mais a assusta são seus olhos, negros como a noite, penetrantes, porém vazios, sem qualquer vestígio de emoção. Um homem lindo… mas que aparenta não ter alma.— Você quer uma chance, garota? — a voz dele soa firme, inesperada no silêncio da igreja.Um arrepio percorre a espinha de Marta. Sua mente grita para ter cautela, mas há algo naquele homem… Algo que a faz acreditar que talvez essa seja a resposta que tanto pediu.— Sim… — sua voz sai hesitante, mas verdadeira. — Eu só preciso de uma chance, senhor.O homem cruza os braços e a encara por um longo momento, como se avaliasse algo dentro dela. Então, ele solta um leve suspiro e diz:— Venha comigo. Vamos conversar.Jonathan a estuda por um longo momento, seu olhar cravado nela, como se tentasse decifrar o que há por trás daquela jovem despedaçada. Há algo