O cheiro de sangue e desinfetante ainda impregna o ar, misturando-se ao frio cortante que vaza pelas paredes da enfermaria do Grupo Schneider. Cada passo de Jonathan ressoa pelo corredor como o bater de um coração aflito, e o mundo ao seu redor parece em suspensão, como se a qualquer momento pudesse desmoronar.Ele empurra a porta da enfermaria com uma força contida que denuncia o turbilhão dentro dele. No instante em que seus olhos encontram Marta deitada sobre a maca, seu peito se contrai num espasmo invisível. A respiração falha. Ali, tão pequena e frágil sob os lençóis brancos, ela parece uma versão quebrada da mulher forte que ele ama. A médica, de semblante sereno e firme, se adianta com o prontuário nas mãos, interrompendo seus pensamentos.— Senhor Schneider — começa ela, a voz calma — ela está estável. Já foi medicada, os exames estão normais. Em cerca de uma hora, poderá ir para casa.Jonathan avança dois passos, incapaz de se manter imóvel.— Tem certeza que não seria melh
Os carros atravessam os portões da mansão Schneider em silêncio. As luzes externas se acendem automaticamente, revelando a fachada imponente sob a noite densa. Homens da segurança se movem discretamente pelas laterais da propriedade, atentos, armados e em formação.Jonathan desce primeiro, já abrindo a porta do carona. Marta ainda está frágil, mas seu olhar repousa com confiança no dele. Ele a ergue com delicadeza, como se carregar o próprio coração nos braços. Não diz uma palavra, não precisa. Sobe os degraus da entrada principal com passos firmes, cruzando a porta da frente enquanto a segurança volta a se espalhar em silêncio pelo perímetro.Lá dentro, a casa está vazia, silenciosa, como um templo esperando seus deuses. Sem empregados, sem passos extras, só eles, e a tensão que ainda paira no ar.As portas se fecham atrás deles com um suspiro mecânico, e a escuridão exterior fica trancada lá fora. Dentro da mansão Schneider, cada luz dos postes no jardim acende-se sem um ruído, como
Enquanto isso, no outro lado da cidade, Islanne cruza o tapete vermelho da sala de reuniões do Grupo Schneider como uma rainha que assume o seu trono. O crachá reluz preso à gola da camisa de alfaiataria, e cada passo de salto alto ecoa com autoridade. Dante Bittencourt a segue como uma sombra dedicada, as botas discretas tocando o piso com precisão de metrônomo.— Eu não pretendo fugir desta sala — Islanne dispara, o tom sério mas sem traços de ironia, enquanto espalha pastas e relatórios sobre a mesa de madeira escura. — Estou aqui para defender o nome do meu irmão e manter tudo sob controle.— Não é por isso — Dante responde, os olhos semi cerrados em vigilância. — É porque, se alguém ousar levantar a voz contra você, eu quebro o pescoço antes que percebam.Ela ergue uma sobrancelha e, em vez de resmungar, sorri de satisfação, mesmo sem querer admitir, se sente segura e em paz. Hoje, poucas piadas. Hoje, a gravidade revela que a ameaça é real: Marta foi atacada e o perigo ronda a
O silêncio da madrugada pesa como concreto sobre a mansão escurecida. Nenhum som de motor na rua, nenhum latido distante. Apenas o tique-taque preguiçoso de um relógio antigo ecoa pela cozinha vazia, onde Alan Moretti, de olhos injetados e rosto abatido, encara o copo meio cheio de uísque como se pudesse encontrar ali respostas que a sua mente já não é capaz de fornecer. As luzes estão apagadas, um pedido mudo para que o mundo lá fora esqueça que ele ainda existe. Mas a verdade é que Alan não consegue esquecer. Nem por um segundo.Ele costumava ser alguém. Um Moretti. Um nome que inspirava respeito ou medo. O Grupo Moretti já foi símbolo de tradição, um império construído sobre décadas de prestígio e estratégias ousadas no meio farmacêutico. Agora não passa de uma lembrança empoeirada. Um papel velho em alguma gaveta do jurídico do Grupo Schneider. Vendido. Comprado. Engolido vivo.O telefone vibra sobre a bancada de mármore frio. Três vezes. E ele deixa tocar, hesitante, porque há al
Não precisa verificar o relógio, a madrugada avança quando Alan Moretti sente o mundo ruir de vez. A garrafa de uísque na bancada já perdeu o gosto, tornando-se um líquido morno e amargo como o arrependimento que corrói o seu peito. A casa está mergulhada em um silêncio artificial, sufocante, como se até as paredes aguardassem para ouvir o que vem a seguir. No andar de cima, Vivian dorme, ou tenta. Há noites em que o peso da vida acorda mesmo os que fingem dormir.Mas Alan não dorme. Há semanas que não conhece o verdadeiro descanso. Só pesadelos. E um deles caminha agora em sua direção agora.Vivian acorda com o barulho, os olhos turvos pelo sono interrompido. Ela vê Alan no quarto, com a expressão de um homem prestes a ser enforcado.— O que foi agora?Ele não responde de imediato. Vai até o armário e começa a empurrar roupas na mochila com movimentos duros, quase violentos.— Precisamos ir. Agora. — A voz é firme, mas arrastada. Tensa. Embriagada.— O quê? Por quê?Alan a encara. E
Jonathan Schneider nunca imaginou que poderia sentir paz no meio do caos, mas ali está ele, largado no sofá da sala, cabelos penteados, camisa branca alinhada, com o notebook no colo e Marta dormindo em seu peito. O mundo gira, empresas se movimentam, decisões urgentes aguardam sua assinatura e, mesmo assim, ele se recusa a sair de casa. Porque, pela primeira vez em anos, o caos corporativo parece pequeno demais diante da calmaria que encontrou nos braços dela.Ele trabalha de casa, participando das reuniões em chamadas de vídeo com os acionistas e conselheiros. O cenário atrás dele é sempre o mesmo: a sala ampla, bem iluminada, Marta andando de um lado para o outro distraída, às vezes com uma xícara de chá na mão, às vezes descalça, com os cabelos soltos. Quem presta atenção o suficiente percebe o quanto ele sorri diferente agora. Mas poucos têm coragem de comentar.Islanne, por outro lado, não tem tempo para sutilezas. Assume as responsabilidades do irmão com firmeza, como quem já n
Marta atravessa a rua com uma mão na barriga, protegendo as vidas que carrega. O suor escorre pela sua nuca, a vertigem ameaça dobrar os seus joelhos, mas ela inspira fundo. Falta pouco. Falta muito pouco.E então, tudo acontece.O som de pneus cantando invade o ar como um grito. Um carro desgovernado surge do nada, avançando na direção dela como um predador. O impacto é brutal. Marta é lançada para o asfalto, seu corpo se choca contra o asfalto quente, e a dor vem antes mesmo que a consciência se apague. Seu último pensamento é uma súplica silenciosa: "Por favor… meus bebês…"— Meu Deus! — exclama uma senhora de cabelos grisalhos, que assistiu a tudo da calçada. Sem hesitar, ela faz um gesto rápido para um homem ao seu lado. — Ajude-a! Ligue para a emergência agora!A mulher se ajoelha ao lado de Marta, segurando a sua mão fria, seus olhos percorrendo o rosto pálido da jovem e sua barriga grande.— Aguente firme, querida… — sussurra, apertando os lábios. — Você não pode desistir ag
Diante de todas as adversidades, Marta não desiste. A fome a acompanha como uma sombra cruel dos últimos meses. O frio corta sua pele, os pés latejam, mas a necessidade de seguir em frente é maior do que o desespero.O dia inteiro foi assim, batendo de porta em porta, insistindo até o limite. Quando o cheiro de café quente invade suas narinas, Marta percebe o quanto está fraca. Seus bolsos vazios são a prova de que o pouco que tinha se esvaiu em uma passagem de ônibus, comprada com a esperança de um trabalho, onde a promessa de uma vaga de atendente evaporou assim que ela cruzou a porta e ouviu o gerente dizer:— Desculpe, a vaga já foi preenchida.Agora, ela vaga por ruas desconhecidas, sentindo o peso da cidade grande esmagá-la a cada "não" que recebe.— Só mais uma… só mais uma tentativa. — murmura para si mesma, tentando ignorar a dor latejante nos pés e a sensação de que está cada vez mais distante da vida que sonhou.Marta aperta o casaco surrado contra o corpo, mas o tecido fin