Meu nome é Miguel Satamini.
Tenho 35 anos, 1,88 metro de altura, olhos cinzentos que já testemunharam situações que muitos não suportariam. Tenho ombros largos, resultado de aprender desde cedo a carregar fardos além do meu peso. As rugas discretas nos cantos dos meus olhos são marcas de uma insônia implacável. Meu cabelo é sempre penteado para trás e a barba cuidadosamente aparada, acompanhada de um perfume sóbrio, que não pede permissão para se fazer notar. Sou frequentemente rotulado como arrogante, e sinceramente, não me preocupo com isso. Prefiro ser considerado arrogante a ser visto como fraco. No mercado, a hesitação não é tolerada, e eu também não a aceito. O custo de ser quem sou é a permanente dedicação. Enquanto outros descansam, eu reflito. Enquanto outros analisam, eu ajo. Enquanto outros cometem erros, eu busco soluções. Essa é a forma de se construir um império sólido: sem espaço para falhas. É verdade que nasci com um sobrenome de peso; Satamini sempre teve uma aura de respeito. Contudo, não herdei uma posição conquistei-a. Aos 28 anos, já era CEO. Aos 31, consegui dobrar o faturamento da empresa por meio da expansão internacional. Aos 33, realizei uma aquisição que o mercado considerava inviável. Agora, aos 35, sou uma referência não apenas no setor da construção, mas em qualquer contexto onde decisões sobre dinheiro e poder moldam o futuro. O que muitos não compreendem é a pressão que acompanha esse ritmo intenso. Acreditam que se trata de glamour ou luxo, acham que envolve champanhe em jatinhos. Mas, na realidade, é uma rotina de cobranças constantes, acionistas ligando durante a madrugada, conselhos que testam sua paciência, e uma mídia pronta para explorar qualquer deslize. É a solidão no topo. O ar é rarefeito lá em cima. Somente aqueles que se prepararam conseguem respirar. Contemplo meu reflexo na janela: um terno claro sob medida, camisa branca impecável e um relógio que não pode ser encontrado em lojas. Aprendi a ocupar espaço sem esforço, a intimidar sem elevar a voz. Não preciso gritar meu silêncio já impõe respeito. As secretárias representam meu ponto vulnerável. A última delas confundiu Tóquio com Toronto, resultando em uma reunião internacional comprometida por um erro crasso. Saiu chorando. Antes dela, outra vazou informações confidenciais para um jornalista desonesto. Custou caro silenciá-la, mas conseguiu-se o resultado. Pago para garantir silêncio quando necessário, mas prezo pela lealdade. Contudo, essa qualidade é rara. Neste trimestre, outra busca se inicia. A headhunter Beatriz Prado me apresentou um dossiê com uma lista reduzida. Prefiro listas curtas; não tenho tempo para desfiles de incompetência. No topo, um nome sublinhado por Helena Lobo uma mulher exigente, que não elogia nem mesmo em festas de aniversário: Clara Albuquerque. Com 27 anos, Clara trabalhou na Vértice Engenharia. Helena a descreveu como um “relógio suíço”: sem vaidade, foco na execução e raciocínio claro. Gente que resolvem problemas sem buscar holofotes. Isso é o que me interessa. Examinei as referências, escutei gravações de suas chamadas e analisei relatórios. O que percebi foi precisão; o que ouvi foi serenidade. Serenidade é valiosa. Serenidade é poder. Contudo, ainda assim, currículo é apenas papel. Palavras são parte de um teatro. Não contrato discursos, mas reações. Abro meu caderno de couro e anoto os testes que aplicarei. Teste 1 — Síntese. Duas perguntas: Quem é você? Que problema do meu dia você resolve melhor do que qualquer outra pessoa? Se sua resposta contiver clichês de LinkedIn, a elimino na hora. Teste 2 — Radar. Três conflitos invisíveis em um mesmo calendário. Quero observar se ela consegue perceber antes que tudo exploda. Quero avaliar sua habilidade de identificar quem priorizar, quem procrastinar e quem acalmar em último lugar. Teste 3 — Crise silenciosa. Um boato de acionista pelo W******p, em duas linhas. Ela terá quinze minutos para decidir: quem contatar, qual mensagem enviar e como se pronunciar no mercado. Sem rodeios ou poesia. Quero clareza. Teste 4 — Temperatura. O mais crucial. Eu provoquei. Eu silencio. Faço a tensão aumentar. Não se trata de sadismo; é um método. Quem não consegue lidar com meu silêncio não suportará o silêncio do mercado. Fecho o caderno, deixando sobre a mesa uma caneta, um copo d’água e um relógio de areia de quinze minutos. Gosto de acompanhar o tempo passar. O tempo se rende àqueles que não hesitam. Respiro fundo e reflito sobre as opiniões a meu respeito: arrogante, frio, intolerante. Que digam o que quiserem. Ninguém edifica uma torre com palavras brandas. E tenho também pensamentos que não são ditos: eu pago, eu protejo, eu assumo prejuízos quando a decisão é minha. Apenas não faço marketing disso. Aquele que precisa saber, sabe. O interfone soa. — Senhor Satamini, a candidata Clara Albuquerque chegou. Olho o relógio: 7h29. Pontualidade que se antecipa em um minuto é música para os meus ouvidos. — Traga-a às 7h30. Nem antes, nem depois. Desligo. O elevador se movimenta no corredor. Minha porta é pesada por intenção. Quero perceber a decisão de quem se atreve a empurrá-la. Entreabro as persianas. Prefiro uma iluminação discreta, o suficiente para enxergar os olhos. Alinho o terno com um toque leve, um gesto quase instintivo. Faço um movimento com os óculos, colocá-los no topo da cabeça, permitindo uma visão sem filtros. O relógio marca 7h30, e o relógio de areia começa a escorregar. A maçaneta gira. — Entre.