Mundo ficciónIniciar sesiónPov Clara
Meu coração batia tão forte que achei que um dos botões da camisa ia finalmente ceder e voar longe. É agora ou a rua, Clara.
Toquei o interfone.
— Pois não? — Uma voz masculina e metálica respondeu.
— Clara Menezes. Eu... a Dona Bete da faculdade... —gaguejei— ...tenho uma reunião com Eldora... para a vaga de babá.
O portão fez um estalo alto e começou a abrir lentamente, revelando um caminho de pedras brancas que levava a uma mansão imponente, com vidros espelhados e uma aura de frieza que me fez tremer.
Caminhei devagar, puxando a saia para baixo a cada dois passos, me sentindo uma impostora naquele mundo de luxo.
A porta principal foi aberta por uma mulher que parecia feita de pedra. Ela usava um uniforme preto impecável, cabelo grisalho preso num coque tão apertado que esticava seus olhos, e uma expressão de quem não sorria desde 1990.
— Atrasada três minutos — ela disse, olhando para um relógio de pulso. — Sou Eudora, a governanta. Entre. E limpe os pés.
Engoli em seco e obedeci. O hall de entrada era gigantesco, com um pé direito que parecia tocar o céu. O ar-condicionado estava tão forte que meus braços por baixo do blazer se arrepiaram na hora.
— A Sra. Bete recomendou você — Eudora começou, me analisando de cima a baixo com desaprovação evidente ao notar minha roupa justa. — Disse que você precisa do emprego. Espero que precise mesmo, porque as últimas três babás não duraram uma semana. O Sr. Cavallieri não tolera incompetência e as meninas... bem, as meninas são difíceis.
— Eu aprendo rápido, Dona Eudora. Eu preciso muito disso.
— Veremos. Me acompanhe. As crianças estão na ala leste.
Começamos a atravessar o saguão. De repente, o som de passos pesados e rápidos ecoou no andar de cima, descendo a escadaria de mármore.
Eudora parou bruscamente e baixou a cabeça.
— Silêncio. É o Sr. Cavallieri.
Olhei para a escada e senti o ar fugir dos meus pulmões.
Descendo os degraus, ajustando as abotoaduras de um terno preto sob medida que parecia custar mais do que a minha vida inteira, estava ele.
Isadora tinha me avisado. Ela tinha dito que ele era o diabo. Mas ninguém me avisou que o diabo seria tão... tentador.
Ele era alto. Muito alto. O tecido caro do terno abraçava ombros largos e uma postura de quem é dono do mundo. O cabelo escuro estava cortado curto, impecável, e a barba por fazer desenhava um maxilar quadrado e forte.
Ele atendeu o telefone, a boca se mexeu, mas eu olhando para ele parecia que ele estava desacelerado, ouvi só a parte final da conversa, a voz era grave e rouca reverberando pelas paredes de pedra.
— Não me interessa a desculpa, Marco. Eu quero os números na minha mesa até o meio-dia ou você está fora.
Ele chegou ao térreo e passou por nós como se fossemos mobília. Ele nem virou o rosto. Seus olhos, azuis e profundos, estavam fixos em algum ponto à frente, com uma intensidade assustadora. Era um olhar predador. Um olhar de demônio.
O Diabo está na minha frente, pensei, sentindo um arrepio subir pela minha espinha.
O cheiro dele me atingiu quando ele passou uma mistura de sândalo, uísque caro e perigo. Meu coração falhou uma batida. Ele exalava poder. E exalava uma frieza que congelou o ambiente ainda mais.
— Sr. Cavallieri — Eudora murmurou, respeitosa.
Ele não respondeu. Apenas continuou andando em direção à porta, exalando fúria contida, e saiu, batendo a madeira pesada atrás de si. O silêncio que restou foi ensurdecedor.
Soltei a respiração, minhas pernas tremendo levemente.
— Ele... ele nem olhou para a gente.
— O Sr. Cavallieri é um homem ocupado — Eudora disse, voltando a caminhar como se nada tivesse acontecido. — Ele paga para não ter que se preocupar com detalhes domésticos. E isso inclui você. Sua função é manter as crianças vivas, limpas e longe do escritório dele. Se ele tiver que notar a sua presença, significa que você falhou. Entendido?
Assenti e continuei a seguindo.
Olhei para a porta fechada, ainda sentindo o rastro daquele perfume. A indiferença dele doeu de uma forma estranha. Eu era invisível para ele. Apenas mais uma peça na engrenagem daquela casa enorme.
— Entendido — respondi, alisando meu blazer apertado. — Onde estão as meninas?
Eudora apontou para um corredor longo.
— Na sala de brinquedos. Boa sorte, Srta. Menezes. Você vai precisar.
O corredor parecia interminável. Meus saltos emprestados era um número menor doque os meus pés. E quando batiam no piso de madeira era como uma contagem regressiva para a tropeçar.
Eudora parou diante de uma porta dupla branca, decorada com adesivos de borboletas que pareciam ter sido colados à força, tentando deixar aquele museu de mármore com ar “infantil”.
— Escute bem — ela disse, a mão firme na maçaneta. — A última babá saiu chorando porque a Ângela cortou algumas mechinhas do cabelo dela enquanto ela dormia. A penúltima foi demitida porque a Geovana convenceu a mulher a deixá-las comer só sorvete por três dias. As duas passaram mal, obviamente.
Engoli em seco, puxando a barra da saia para baixo.
— Elas… são criativas. — respondi em um sussurro.
— Elas são carentes e inteligentes. Uma combinação explosiva. — Eudora abriu a porta. — Você tem até as dezessete horas. Se a casa ainda estiver de pé e ninguém estiver sangrando quando eu voltar, conversamos sobre o contrato.
Sem esperar minha resposta, ela me empurrou para dentro e fechou a porta. O clique da fechadura ecoou como um veredito.
Ótimo. Trancada na jaula dos leões.







