CAP. 5 - A Primeira Batalha da Babá

Pov Clara

Virei devagar. A sala de brinquedos era maior que todo o apartamento da Isadora. Tinha estantes abarrotadas de bonecas importadas, uma casa de bonecas vitoriana que provavelmente custava mais que um Corolla, e uma piscina de bolinhas tão funda que parecia uma trincheira infantil.

Mas o clima não era de diversão.

Era de guerra fria.

No centro de um tapete felpudo, sentadas de pernas cruzadas e com postura de advogadas mirins, estavam duas meninas de cerca de nove anos. Brancas, de olhos verdes acastanhados, me lembravam duas Maria Joaquina reencarnadas. “Torci para que as personalidades delas não fossem iguais.”

Eram gêmeas não idênticas, mas elas se pareciam. Ângela era um pouco maior, de cabelo liso. Geovana tinha cachos perfeitos mesma cor de pele e olhos. As duas me analisavam como se eu fosse um inseto desconhecido prestes a ser catalogado.

— Quem é você? — perguntou a da direita. Voz doce. Tom entediado. — Eu sou a Ângela.

Respirei fundo, tentando ignorar o quanto o botão da blusa parecia prestes a implodir.

— Oi. Eu sou a Clara.

— Você é bonita. Mas é meio gordinha — afirmou a outra, com a serenidade de quem comenta o clima. — Eu sou a Geovana.

Senti meu rosto ferver. A insegurança, que já estava berrando desde que coloquei a roupa da Isadora, agora fazia um show pirotécnico. Eu queria fugir, cavar um buraco, me esconder no fundo da piscina de bolinhas.

Lembrei das aulas de psicologia comportamental. Criança desafia para ver se o adulto aguenta o tranco.

Soltei o ar e decidi pegar o caminho improvável: concordar.

— É, a roupa está apertada mesmo — sorri torto. — É da minha amiga. Ela pesa uns trinta quilos. Eu tô praticamente à vácuo aqui dentro. A costura já pediu demissão.

As duas piscaram, surpresas. Sincronizadas. Assustador.

— Você não tem dinheiro para comprar roupa? — Ângela perguntou, sincera. — O papai tem muito dinheiro.

— O papai de vocês tem. Eu não, por isso preciso desse emprego. — Caminhei até o tapete, ignorando meus joelhos estalando, e me sentei no chão. — E eu vou ser a babá de vocês agora. Se comportem e tudo vai dar certo.

— Se você não for chata, a gente promete não fazer tanta... tanta... tanta bagunça — disse Geovana, se jogando de lado como uma atriz mexicana.

— O que vocês gostam de fazer? — perguntei. — Além de assustar babás, claro.

Ângela ergueu o queixo.

— A gente gosta de brincar de “A Chefe”.

— Ah, que interessante. Como j**a?

— Eu sou a chefe — ela se levantou, imponente. — E você faz tudo o que eu mandar. Se não fizer, está demitida.

Senti uma pontada no peito. Aquilo não era só brincadeira.

— Tudo bem — aceitei. — O que a chefe manda?

Ângela procurou algo humilhante. Achou a piscina de bolinhas.

— Quero todas as bolinhas azuis separadas das vermelhas. Agora.

Era tão inútil que doía. Mas era perfeito para quebrar alguém.

Em vez de reclamar, tirei o blazer apertado e joguei no sofá.

— Claro. Mas vou precisar de ajuda. A chefe trabalha ou só manda?

— Chefes só mandam — Ângela cruzou os braços.

— Que vida chata — comentei, jogando uma bolinha azul para o alto. — Meu chefe favorito é o que faz junto. Mas tudo bem, se você não sabe separar as cores…

O rosto das duas mudou.

— A gente sabe separar! — Geovana bufou. — A gente não é burra.

— Não disse isso. Só achei que, se vocês não querem ajudar, talvez não saibam.

Isca lançada.

Em dois minutos estávamos as três dentro da piscina de bolinhas, competindo para ver quem achava mais bolinhas azuis. Elas riam, brigavam, mergulhavam. A rigidez sumiu. Eram crianças outra vez.

Enquanto eu tentava impedir minha saia de subir até Deus ver minha alma, arrisquei:

— O papai de vocês brinca disso também?

As duas congelaram.

A alegria evaporou.

Geovana baixou a bolinha. A expressão dela envelheceu dez anos.

— O papai não brinca. Ele só trabalha.

— Ele viaja muito — completou Ângela. — Adelaide disse que ele está construindo um império.

— Um império, é? — forcei leveza, mas meu peito apertou. — E o que se faz com um império?

— Se mora nele sozinho — sussurrou Ângela. — Porque ninguém é bom o suficiente para entrar.

Meu coração quebrou um pouco mais.

— E a mãe de vocês? — perguntei, gentil.

— Não sabemos — Geovana respondeu. — Papai disse que ela foi “fazer o que faz de melhor”.

— “De melhor”? — franzi a testa.

— Não podemos falar palavras feias — ela cochichou, chegando no meu ouvido. — “Se foder”.

Pisquei. Não sabia se ria, chorava ou ligava para o Conselho Tutelar.

— Ok. A gente não fala disso. — Tapei a boca para não gargalhar abismada.

— Papai disse que vai construir um império para gente. Mas acho que nós vamos ficar sozinha, porque ninguém é bom suficiente — Ângela murmurou.

Toquei delicadamente o ombro dela.

— Às vezes, quem constrói impérios esquece de construir pontes. Não é que ninguém seja bom o suficiente. É que talvez ele tenha esquecido como abaixar a ponte.

Elas não entenderam completamente. Mas ouviram.

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