Mundo de ficçãoIniciar sessãoA primeira coisa que Patrícia sentiu ao acordar foi o enjoo.
Não o leve, quase tolerável, dos dias anteriores. Era intenso, insistente, acompanhado de uma tontura que a obrigou a permanecer deitada por alguns minutos, encarando o teto do quarto. O corpo começava a exigir atenção. Não havia mais espaço para fingir que nada estava acontecendo.
Ela se levantou devagar, apoiando a mão na parede ao caminhar até o banheiro. O reflexo no espelho mostrava uma mulher cansada, mas diferente. Havia algo novo no olhar. Uma mistura de medo e força que ela ainda estava aprendendo a reconhecer.
Depois de lavar o rosto, pegou o celular. Três mensagens não lidas.
Uma da mãe, perguntando quando ela iria visitá-la. Uma de Júlia, insistindo para almoçarem juntas. E uma terceira, sem nome salvo.
Número desconhecido.
O estômago de Patrícia se revirou antes mesmo de abrir.
“Você precisa ser mais cuidadosa. Veláris observa tudo.”
Ela sentiu um frio percorrer a espinha.
Bianca.
Não havia assinatura, mas não precisava. Patrícia apagou a mensagem com raiva, mas a sensação de estar sendo vigiada não desapareceu.
Naquele mesmo dia, ao chegar ao trabalho, foi chamada pelo setor de Recursos Humanos antes mesmo de ligar o computador. A coordenadora a recebeu com um sorriso tenso, indicando a cadeira à frente da mesa.
— Patrícia, recebemos uma denúncia anônima — começou, escolhendo as palavras. — Precisamos apurar.
— Que tipo de denúncia? — perguntou, já sentindo o coração acelerar.
A mulher deslizou um tablet sobre a mesa. Na tela, imagens borradas, prints de um perfil falso em uma rede social, com um nome parecido com o dela, oferecendo serviços de acompanhante de luxo.
Patrícia sentiu o chão desaparecer.
— Isso não é meu — disse, a voz firme apesar do choque. — Eu nunca fiz isso.
— Eu imagino — respondeu a coordenadora. — Mas a denúncia chegou à diretoria. Até esclarecermos tudo, você será afastada temporariamente.
— Afastada? — Patrícia repetiu, incrédula.
— Com salário — completou a mulher. — Mas precisamos investigar.
Ela saiu da sala sentindo-se suja. Exposta. Humilhada.
Bianca estava indo além das ameaças veladas.
Agora atacava sua reputação.
Patrícia não voltou direto para casa. Caminhou sem rumo por algumas quadras, sentindo o peso do mundo pressionar o peito. Parou em uma praça, sentou-se em um banco e levou as mãos ao rosto.
— Respira — sussurrou para si mesma. — Você não está sozinha.
Mas a verdade era cruel.
Ela estava.
Ou pelo menos achava que estava.
Do outro lado da cidade, Enzo Ravary encerrava uma reunião importante quando seu assistente entrou, cauteloso.
— Senhor, recebi informações sobre a mulher da galeria.
Enzo ergueu o olhar.
— Patrícia?
— Sim. Ela foi afastada do trabalho hoje. Denúncia anônima. Algo… estranho.
O maxilar de Enzo se contraiu.
— Estranho como?
— Ataque à reputação. Perfis falsos. Nada comprovado.
Enzo ficou em silêncio por alguns segundos.
— Isso não é coincidência — murmurou.
Ele já conhecia aquele método. Aquele tipo de destruição lenta, silenciosa, difícil de provar.
Conhecia bem demais.
— Quero tudo sobre isso — ordenou. — E discreto.
Mais tarde, Patrícia chegou em casa e encontrou um buquê de flores simples na portaria. Margaridas. Sem cartão.
Ela soube quem tinha enviado.
O telefone tocou minutos depois.
— Eu não quis te assustar — disse Enzo, do outro lado da linha. — Mas fiquei sabendo do que aconteceu. E… eu me preocupei.
O coração dela apertou.
— Como você soube?
— Eu presto atenção em você — respondeu, sincero. — E quando algo parece errado, eu não ignoro.
Ela fechou os olhos, encostando a testa na parede.
— Estão tentando me destruir, Enzo.
— Quem?
Ela hesitou. Não podia dizer. Ainda não.
— Alguém que quer me silenciar.
— Então essa pessoa escolheu o caminho errado — ele respondeu, com a voz mais dura do que ela já ouvira. — Porque ninguém encosta em quem está comigo.
A frase a assustou.
E aqueceu algo dentro dela.
— Enzo… — ela começou, insegura.
— Não — ele a interrompeu, mais suave agora. — Não me explica nada hoje. Só deixa eu estar por perto. Às vezes, isso já é suficiente.
Ela respirou fundo.
— Obrigada.
Depois que desligou, Patrícia sentou-se no sofá, as mãos pousadas sobre a barriga.
Ela estava se aproximando demais dele.
E a mentira começava a apertar.
Porque cada gesto de cuidado, cada demonstração de proteção, tornava mais difícil esconder a verdade.
E quanto mais ela demorasse…
Mais dolorosa seria a queda.







