Os olhos de Carmen estavam marejados, a dor das palavras de Sara era palpável.
Adina avançou, a fúria estampada no rosto.
Adina: Escuta aqui, sua insignificante vadiazinha! – Sua voz era carregada de veneno, cada passo em direção a Sara era uma ameaça. Instintivamente, me coloquei entre elas. Adina parou bruscamente, e um silêncio tenso se instalou no ar. Nossos olhares se encontraram, o meu e o dela, faiscando uma hostilidade pronta para explodir.
Adina: Sara... – Adina começou, os olhos fixos em mim por um instante, antes de se desviarem para a garota atrás de mim. – Você deveria lavar essa boca imunda antes de falar do que não sabe.
Guadalupe: Do que ela não sabe? – a indignação colorindo minha voz. – Que vocês ajudam esses vermes nojentos, isso já ficou claro para todas nós. Chegamos ontem e já vimos como você nos entrega. Disse que a Sara era virgem e só piorou as coisas para ela. Poderíamos ter resolvido isso lá embaixo, ela poderia ter escolhido com quem perderia a virgindade, ao menos em termos de aparência.
Adina soltou uma risada cortante.
Adina: Aqui não temos direito a escolha, sua idiota! – bradou, o desprezo escorrendo de cada palavra. – Vocês são novatas e, de um jeito ou de outro, esse plano ridículo de vocês não teria chance. A primeira noite será leiloada, quem der o maior lance leva. Você será a mais cara, apenas por isso. – Ela continuou encarando Sara. – Não deveria estar achando tão ruim, vai ganhar em uma noite o que nós não ganhamos em três dias.
Sara: Ah, nossa, devo me sentir feliz então? – Sara debochou, a ironia afiada como uma faca. – Devo agradecer a vocês por terem revelado isso a eles sem a minha permissão?
Carmen falou, a voz embargada por uma amargura profunda.
Carmen: Vai chegar uma hora em que você fará o que for preciso para ter o mínimo de respeito deles aqui dentro. Sua virgindade revelada não é nada comparado a tudo o que passamos.
Guadalupe: Uma dor não anula a outra. Posso imaginar que tudo o que vocês viveram aqui... – tento argumentar, mas fui interrompida pela veemência de Carmen.
Carmen: Não! – A palavra cortou o ar, firme e dolorosa. Carmen me encarou, seus olhos fixos nos meus como se pudessem me perfurar a alma. – Você não é capaz de sequer imaginar... – Sua voz agora era um sussurro trêmulo, carregado de choro contido. O silêncio se estendeu, pesado e opressor. Quando finalmente me preparei para dizer que, mesmo assim, o sofrimento não justificava a traição de entregar as novatas, ela retomou a palavra, a acusação clara em seu tom.
Ela se faz amiga quando chegamos, a que vai nos ajudar, faz diversas perguntas porque foi o que foi ensinada a fazer, já que eles sabem que se eles próprios perguntarem, mentiremos. Ela ganha nossa confiança nas primeiras três horas aqui, pergunta sobre tudo o que eles têm interesse em saber para depois nos dedurar a eles.
A porta se abriu, revelando um homem alto e moreno. Senti as meninas encolherem-se, um medo palpável emanando delas. Seu olhar era frio, calculista, quase perverso, mas havia uma inegável beleza nos seus traços, seguindo o padrão dos homens daqui do México: sobrancelhas densas e barba por fazer. No entanto, sua aura não era de bondade, carregava a marca dos cafetões que nos mantinham prisioneiras. Seus olhos azuis eram gélidos, sombrios. Vestia um terno preto impecável e uma gravata vermelha vibrante, exalando riqueza.
Alejandro: Ah, minhas lindas little angels... – Little angels? Que apelido ridículo! – Vejam só o que temos aqui. – Seus olhos nos percorreram, a mim e a Sara, de cima a baixo, como se fôssemos mercadorias em exposição. – Belas novatas. – Ele caminhou até nós, sem desviar o olhar. – Qual o seu nome? – Perguntou a Sara.
Sara: Sara. – Ela respondeu na defensiva, a voz hesitante.
Alejandro: Bonito! Talvez não precisaremos mudar. – Ah, ótimo, também querem mudar nossos nomes, talvez para algo que combine mais com... com o que somos forçadas a ser? Não gosto do meu nome, mas não quero trocá-lo por isso. – E o seu? – Agora ele se dirigiu a mim. Hesitei por um instante, sentindo o peso de sua presença, a aura de perigo que o envolvia. Ele parecia ser alguém importante nesse submundo do tráfico humano, talvez acima dos outros, talvez o chefe dos chefes. Era melhor não fazê-lo repetir a pergunta.
Guadalupe: Guadalupe. – Disse firme, encarando-o com um olhar desafiador. Não precisava fingir gostar dele; obedecê-los já era um fardo pesado demais.
Alejandro: Aaaah, temos aqui uma santa milagrosa. – Ele zombou, e Adina riu, um som seco e cruel. Lancei a ela um olhar fulminante, e seu risinho cessou, substituído por um sorriso debochado. – Esse teremos que mudar com certeza absoluta. As santas são sagradas para os mexicanos, talvez se ofendam por uma prostituta ter o nome de uma santa tão estimada por eles. – Não consegui disfarçar a raiva que me invadiu.
Guadalupe: O senhor me ofende! – Disse, forçando um sorriso cínico. – Já que aqui eu não sou uma prostituta, vocês me obrigam a ser uma.
Alejandro: Dá no mesmo. – Ele respondeu com um sorriso frio no canto da boca. Continuei sorrindo, mascarando com uma falsa amabilidade toda a minha repulsa por aquele homem. – Como quer ser chamada? Vamos, escolha. – Olhei para Sara, lembrando-me de como ela me chamava: Lupi. Eu havia gostado daquele apelido.
Guadalupe: Lupi. – Disse, a voz quase inaudível.
Alejandro: Ah, um pouco estranho... – Que sujeito insuportável! – Mas muito melhor, sem dúvidas. Os homens precisam de nomes assim, menores, para que consigam decorar mais fácil. – Ele analisou todas as meninas novamente. Seu olhar parou em Carmen, e senti uma estranha conexão entre eles, um significado oculto que me escapava. Carmen, no entanto, mantinha a cabeça baixa, os olhos fixos no chão, evitando qualquer contato visual.
Todas permanecemos em silêncio, enquanto eu apenas observava. Então, o olhar dele voltou para mim, examinando-me minuciosamente, detendo-se em cada detalhe.
Alejandro: De onde você veio? – Perguntou, o mesmo sorriso torto brincando em seus lábios.
Guadalupe: Catânia.
Alejandro: Aah, uma italiana?
Guadalupe: Muri, ti scarsu! – sou mesmo italiana ,mas falo muito bem o siciliano.
Alejandro: Aah , língua siciliana? Não entendo nada dessa língua ,mas acho muito romântica... – Que bom que ele não entende ,porque desejei que morresse. Seu olhar percorreu meu corpo, causando-me um profundo desconforto. – Ponha-se em pé. – Ele ordenou, a voz grave e autoritária. Engoli em seco, sentindo-me encolhida sob seu escrutínio. A quietude tensa das outras meninas tornava a situação ainda mais insuportável. Levantei-me lentamente, tentando manter uma postura altiva, embora meus olhos permanecessem fixos no chão. Ele começou a circular ao meu redor, avaliando-me dos pés à cabeça.
– Você não parece italiana. – Revirei os olhos discretamente. Odiava quando as pessoas faziam esse tipo de comentário, julgando minha aparência por um estereótipo. – Pode até ser magra, mas... Seu quadril é um pouco largo, seus seios... Nem seios você tem. – Senti a raiva me consumir. Era algo que, infelizmente, ele tinha razão e que sempre me incomodou. Meus seios eram pequenos, e eu não me encaixava no padrão de beleza italiano, com suas mulheres altas, magras, de seios fartos e pernas torneadas, com pele bronzeada e cabelos longos com mechas claras. Eu era o oposto: branca, loira e de olhos azuis, claramente puxando a família do meu pai.
Além desse filho da puta tocar em uma antiga insegurança minha, a piranha da Adina não parava de rir de suas piadas idiotas, enquanto eu me segurava ao máximo para não insultá-lo da mesma forma.
“Meus seios são pequenos sim, assim como o seu pau, seu viadinho de merda”, pensei. Ou será que falei?
: repita!! — ele ordena, e só então percebo que realmente falei em voz alta.Merda, merda, merda!Os olhos de Sara se arregalam em pavor. Carmen e as outras meninas enrijecem, a tensão palpável no ar. A piranha da Adina mantém um meio sorriso perverso dançando no canto da boca. O rosto do homem permanece sério, mas seus olhos também carregam uma malícia fria, e um sorriso vil paira em seus lábios. — Repita, Little Angel — ele pede agora, a voz surpreendentemente tranquila, quase um sussurro aveludado.Mas que droga! Minha garganta se fechou, as palavras se recusavam a sair. O pânico me paralisava.Ele esboça um sorriso torto, um brilho lascivo em seus olhos, e então me lança um olhar sujo, mordiscando os lábios inferiores de forma provocadora.— Mais tarde, quando seu horário de trabalho terminar, quero que visite meus aposentos — ele declara, a voz firme e objetiva, como se não me desse sequer a opção de protestar. Em seguida, começa a caminhar em direção à porta, pronto para partir
O interior do lugar engolia a luz, banhado em um all black opulento. Um vasto salão se descortinava, adornado por um bar elegante com um bartender solitário em um canto. A música, carregada de sensualidade latente, pairava no ar, envolvendo as mesas e cadeiras dispostas em antecipação. A ausência de outros naquele momento criava uma atmosfera de expectativa, como se o público estivesse a segundos de desaguar ali. Era inegavelmente um ambiente estiloso, com uma aura de forte personalidade, não fosse a sombria razão que nos havia trazido àquele antro.A escassez de luminosidade se somava ao peso visual da paleta monocromática, conferindo ao espaço uma opressão palpável. Enquanto meus olhos ainda percorriam os detalhes, um palco discreto chamou minha atenção. Fomos conduzidas para os bastidores daquela plataforma improvisada, onde um espelho amplo refletia nossas figuras tensas. Ao lado, itens de maquiagem repousavam inertes, e um banheiro acenava com uma promessa vã de privacidade. Vár
GuadalupeGinevra: Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."Não, meus caros. Longe disso.Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante,
: Menina novaaa! — o cara grita uns quatro segundos depois de entrar, e logo após, os dois homens que me trouxeram para cá empurram outra garota para dentro.Ela se debatia e xingava sem parar, até que a jogam de qualquer jeito no chão. O impacto ecoa no ambiente tenso.Guadalupe: Que tipo de brincadeira é essa? — pergunto, a voz saindo rouca entre dentes. Uma onda de descrença me atinge. Eu me recuso a aceitar que fui de fato traficada.No meu bairro, histórias de meninas desaparecendo eram sussurros constantes, sombras nos nossos pensamentos. Mas a gente nunca imagina que a escuridão pode nos engolir. E, de verdade, cada fibra do meu ser se rebela contra a ideia de estar aqui.Um silêncio pesado se instala. As outras meninas trocam olhares rápidos entre mim e os homens, um medo silencioso estampado em seus rostos, como se soubessem o prenúncio de algo terrível. Os três homens nos encaram com uma frieza cortante, impassíveis. De repente, uma risada rouca e cruel ecoa entre eles, enqu
Fui vestida para o meu batismo na boate. Descobri que estou na Cidade do México e hoje serei exibida, junto com Sara, como as novatas da casa.Dizem que os homens apreciam a inocência. A ideia de que esses predadores de casas noturnas sabem do nosso sequestro, da nossa total falta de escolha, e mesmo assim não se importam, ferve meu sangue. São cúmplices dos traficantes, nos oprimem, nos violentam como se o nosso cativeiro sexual fosse uma trivialidade. É doentio, abjeto, e jamais me resignarei a isso. Não faz parte da minha essência aceitar a desgraça de cabeça baixa. Sou uma lutadora, e enfrentarei essa tormenta com unhas e dentes.Mesmo que a fuga pareça uma miragem arriscada, se o preço da liberdade for a morte, que seja! Morrerei lutando.Em breve, começarei a urdir planos para escapar e farei com que o império desses vermes, desses traficantes desprezíveis, desmorone o mais rápido possível.Sara: Foi ela! —Sara sussurra, enquanto nos vestimos no banheiro exíguo do quarto que nos