capítulo 5

Leonardo

Passei o dia inteiro fora.

Era proposital.

A distância era meu único escudo. E mesmo esse, aos poucos, começava a falhar.

Na empresa, os números batiam com perfeição. Os contratos avançavam. As metas estavam todas dentro do previsto. No papel, minha vida seguia intocável.

Mas eu sabia que bastava cruzar a porta de casa para tudo ruir de novo.

Quando cheguei, o sol ainda desaparecia no horizonte. O céu tinha tons alaranjados e uma leve brisa noturna fazia as árvores balançarem no jardim. Estacionei o carro, respirei fundo antes de entrar. Não pelo cansaço, mas pela antecipação.

Sabia que ela estaria lá.

E, por mais que eu quisesse negar, isso mexia comigo.

Subi para o quarto, tirei a gravata, lavei o rosto. Ainda não havia sinal dela. Pela primeira vez, me vi desejando que ela aparecesse. Apenas por um instante.

Não demorou muito.

A voz da governanta me avisou que o jantar estava servido.

Desci com passos lentos, contei cada degrau, tentando me manter centrado. Entrei na sala de jantar… e ela já estava lá.

Sentada à mesa. Postura ereta, elegante sem esforço. Usava um vestido azul claro, simples, mas que marcava discretamente a cintura. O cabelo solto caía pelos ombros. Nenhuma maquiagem. Nenhum exagero.

Natural. Jovem.

Linda.

E eu odiei o que senti naquele instante.

— Boa noite — disse ela, com um sorriso educado.

— Boa noite.

Sentei à mesa e mantive os olhos no prato. Não porque quisesse. Mas porque precisava. Se eu olhasse para ela por mais de alguns segundos, cometeria um erro.

Durante o jantar, conversamos pouco.

Ela perguntou como foi meu dia. Respondi com frases curtas. Disse que estava cansado. Que havia muito trabalho.

Ela apenas assentia. Não insistia. E talvez isso fosse o pior.

O silêncio dela me permitia pensar demais.

E pensar em Isadora era tudo que eu não devia fazer.

— Gostou do livro que pegou ontem? — perguntei, tentando quebrar o clima.

— Sim. Gosto de arquitetura. Acho que, se não estivesse fazendo engenharia, talvez tentasse algo assim.

— É uma área sólida. Técnica. Prática.

— É. Mas às vezes sinto falta de algo mais… criativo.

— Emoção demais atrapalha a lógica.

Ela riu de leve.

— Com o senhor tudo é lógica, né?

— E com você?

Ela me olhou nos olhos.

— Comigo… é instinto.

Esse olhar. Essa frase. A naturalidade. A franqueza.

Fechei a mão discretamente sob a mesa. Um gesto involuntário, para conter a tensão.

Terminamos o jantar em silêncio.

E quando ela se levantou e agradeceu pela refeição, vi sua silhueta sumir pela escada. Um simples caminhar. Um corpo jovem. Leve. Inocente… mas para mim, cada passo ecoava como um pecado silencioso.

Fiquei ali mais um tempo, sozinho.

E pela primeira vez, percebi:

estava olhando demais.

Terminei o vinho sozinho na sala de jantar, olhando para o copo como se ele pudesse me dar as respostas que eu não conseguia arrancar de mim mesmo.

Ela está aqui. Dormindo no quarto de hóspedes. Andando pelos mesmos corredores que eu. Tocando as mesmas superfícies. E eu... desejando como um maldito adolescente.

Levantei-me e fui para o escritório. Fechei a porta e me tranquei com meus demônios.

Peguei um dos meus charutos cubanos. Acendi apenas para ter algo entre os dedos, algo para me distrair do fato de que minha mente continuava onde não devia estar.

Isadora.

Deveria ser simples.

Ela é jovem. Eu sou mais velho. Fim da história.

Mas não era assim. Nunca é.

Eu a observava todos os dias. Cada gesto dela era uma provocação sem intenção. E isso era o que mais me atormentava. O que ela despertava em mim não era só desejo físico. Era algo mais profundo. Mais perigoso. Um instinto de posse, de proteção, de domínio.

E isso me aterrorizava.

Porque eu não queria me apegar. Nunca quis.

Mas ela estava mudando isso. Pouco a pouco. Sem perceber. Apenas sendo ela.

Bebi um gole do uísque. Preciso me afastar. Preciso impor limites mais rígidos. Preciso deixar de olhar.

Na manhã seguinte, fui até o escritório cedo e me tranquei ali. Não desci para o café, não fui ver se ela estava bem. Queria — precisava — da distância.

No entanto, ela foi até mim.

Bateu duas vezes, suave. A porta se abriu devagar. E lá estava ela. Com um vestido leve, cabelo solto, segurando uma bandeja com café.

— Você não desceu. Achei que estivesse ocupado demais, então... — ela parou, como se medisse as palavras. — Trouxe seu café.

Tentei não encará-la por tempo demais.

— Não precisava.

— Eu sei. Mas achei que seria um gesto... educado.

— Deixe aí. Obrigado.

Ela caminhou até minha mesa, depositou a bandeja com cuidado. Eu podia sentir o perfume suave que vinha dela. Um cheiro limpo, fresco, quase imperceptível. E mesmo assim... marcante.

Ela se virou para sair. Mas antes, hesitou. Olhou para mim.

— Leonardo... eu incomodo?

Levantei os olhos lentamente.

— Por que pergunta isso?

— Porque desde que cheguei, o senhor parece desconfortável. Evita olhar para mim. Evita conversar. Dá ordens e desaparece. Às vezes tenho a impressão de que está me tolerando por obrigação.

Tomei o café, frio agora. Melhor assim.

— Você está enganada. Não é incômodo. É... rotina.

Ela arqueou uma sobrancelha, umedecendo os lábios antes de responder.

— Entendi. O senhor é bom em manter distância. Parabéns.

E saiu.

A porta se fechou atrás dela e me vi sozinho outra vez. Mas agora com a respiração alterada. Com raiva de mim mesmo. Raiva por não conseguir mentir melhor. Por não conseguir enganar aquela garota que mal me conhecia — e já estava lendo minhas expressões com precisão cirúrgica.

Ela achava que eu não sentia nada.

E talvez fosse melhor assim.

Naquele mesmo dia, cheguei em casa mais tarde de propósito. Não queria vê-la. Evitar era meu novo mecanismo de sobrevivência. Estacionei o carro e fui direto para o andar de cima, ignorando o jantar e qualquer interação.

Quando passei pelo corredor, vi a porta da sala de música entreaberta. Uma luz fraca escapava por ela.

O som me parou.

Piano.

Alguém estava tocando.

Me aproximei devagar. Ela estava lá dentro, sozinha, sentada à frente do velho piano de cauda da minha mãe. Os dedos deslizavam pelas teclas com leveza, como se conversassem com o instrumento. A melodia era melancólica, bela... viva.

Fiquei parado na porta, em silêncio.

Ela toca piano.

E toca bem.

Era um talento escondido. Um lado dela que eu ainda não conhecia. Mais um motivo para eu me afastar. Ela era cheia de camadas. Mais profunda do que qualquer outra pessoa que já entrou nesta casa.

Ela terminou a música, fechou os olhos por um segundo e suspirou.

Só então me viu.

— Está aí há muito tempo?

— O suficiente.

— Espero que não se incomode. A porta estava aberta.

— Ninguém toca esse piano desde que minha mãe morreu.

Ela baixou os olhos.

— Desculpe.

— Não. — Me interrompi. — Você pode tocar. Quando quiser.

— Obrigada.

Houve uma pausa.

— A música me ajuda a lidar com a saudade. — Ela olhou para mim. — Talvez o senhor devesse tentar também.

— Eu lido com a saudade da forma que sei.

Ela assentiu, levantou-se com calma e passou por mim no corredor. Dessa vez, os olhos dela não buscaram os meus.

Ela já havia desistido de entender o que se passava entre nós.

Ou pior: estava convencida de que não havia absolutamente nada.

E eu... deixei que ela pensasse isso.

Porque era mais seguro assim.

Mais seguro para ela.

Mais seguro para mim.

Mas quando ouvi os passos dela se afastando, soube que estava me enganando.

Nada era seguro. Não mais.

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