Nos braços do homem errado
Nos braços do homem errado
Por: Mat.rosa
capítulo 1

Leonardo

A manhã começou como qualquer outra: café forte, silêncio absoluto e os jornais sobre a mesa, organizados por ordem de importância. Eu odiava imprevistos. Era assim que me mantinha no controle — e o controle era tudo o que me restava.

— Senhor Ferraz… — a voz de Marcos, meu secretário, soou pela porta entreaberta. — Temos um problema.

Levantei os olhos, impaciente. Detestava quando começavam uma frase assim. Problemas só existiam para quem não sabia prever as consequências.

— Entre. E seja breve.

Ele entrou visivelmente tenso. Suava. Isso não era comum. Larguei o jornal, ajeitei os punhos da camisa e encarei-o diretamente. Só então percebi que algo estava realmente errado.

— É sobre João Alves… seu motorista.

— O que tem ele?

— Sofreu um acidente, senhor. Grave. Ele e a esposa não resistiram. O hospital ligou agora.

Um silêncio espesso caiu sobre a sala.

João. Meu motorista há mais de vinte anos. Leal, discreto. Nunca me pediu nada… exceto uma única vez. Lembrei do envelope que ele me entregou há uns meses.

— Há uma carta dele, senhor… — Marcos tirou o envelope do paletó. — Ele deixou isso. Com ordens específicas.

Peguei o papel com os dedos firmes, mas o estômago revirava.

“Se um dia algo me acontecer, peço que cuide da minha filha, Isadora. Não tenho mais ninguém. Confio apenas no senhor para dar a ela uma chance de seguir em frente. Ela não tem mais mãe. E o senhor é o único homem que eu vi agir com honra na vida.”

O papel tremia nas minhas mãos. Isadora. Uma menina que eu só vira poucas vezes, de longe. Filha única. Estudava fora. Tinha o olhar inquieto da mãe e a inteligência fria do pai.

— Quantos anos ela tem? — perguntei.

— Dezenove.

Respirei fundo. Era maior de idade. Poderia cuidar da própria vida. Mas o maldito documento estava registrado em cartório. João foi esperto. Me amarrou legalmente.

— Quando ela chega?

— Hoje à noite.

Me levantei. O mundo que eu construí, perfeito, solitário, silencioso, estava prestes a ser invadido por uma garota de dezenove anos… uma estranha. Mas havia algo naquele pedido que me prendeu. Talvez fosse a palavra “honra”.

Talvez… fosse o fato de que nunca alguém confiou tanto em mim. Nem minha mãe.

A casa parecia diferente naquela noite. Fria de um jeito incômodo. Esperei na entrada, de braços cruzados, observando o carro preto parar diante da escadaria. Marcos saiu e abriu a porta de trás.

Ela desceu.

E pela primeira vez em anos, senti um desconforto genuíno.

Isadora não era mais uma menina.

Era uma mulher. Magra, de postura firme, olhos baixos e ombros tensos. Trazia uma mochila surrada nas costas e um olhar vazio. Os cabelos estavam presos num coque frouxo. Usava uma camiseta larga e calça jeans escura. Nenhuma maquiagem. Nenhum sorriso.

— Sr. Ferraz… — ela disse, com a voz baixa. — Obrigada por me receber.

— Não me agradeça. Eu não tive muita escolha — respondi, sem pensar. Ela pareceu engolir seco, mas não retrucou.

Direta. Fria. De certo modo… parecida comigo.

— Espero que esteja ciente de que essa situação é temporária. Você está aqui até organizar sua vida.

— Entendo.

— Suas coisas já estão no quarto de hóspedes do segundo andar. Jantamos às oito. Seja pontual.

Ela assentiu. Não demonstrava emoção alguma. Subiu as escadas em silêncio, como um fantasma.

E foi ali, parado diante da porta, que senti pela primeira vez que algo havia mudado em mim. Não era piedade. Nem empatia. Era algo que eu ainda não conseguia nomear.

Mas era incômodo.

E perigoso.

O jantar foi silencioso.

Ela comia pouco. Olhava o prato como se ele fosse um campo minado. Eu observava. Sem saber por quê.

— Pretende voltar para a faculdade?

— Ainda não sei.

— Tem alguma fonte de renda?

— Não. Meu pai… era tudo.

— Você pode trabalhar, se quiser.

Ela ergueu os olhos pela primeira vez. Eram castanhos escuros. Intensos. Duros como os meus.

— O senhor vai me empregar?

Sorri de lado.

— Eu não misturo negócios com… obrigações pessoais.

Ela não respondeu. Terminou o prato e pediu licença.

Ficou em silêncio o resto da noite.

E eu… passei mais tempo do que gostaria pensando nela.

Pensando naquela postura. Na maneira como segurava a dor. Como não pedia nada. Como não se vitimizava.

Ela não era como as outras garotas. E isso me deixou desconfortável.

Na madrugada, desci para pegar um copo de vinho. O sono não vinha.

Passei pela sala e ouvi um som abafado.

Choro.

Me aproximei da escada e subi em silêncio. A porta do quarto dela estava entreaberta.

Ela estava encolhida na cama. Rosto escondido no travesseiro. Soluçava de forma contida, como quem tem vergonha da própria dor.

Fiquei ali. Observando.

E algo em mim… trincou.

Não era meu papel cuidar de ninguém. Não era meu papel me importar. Eu não queria aquilo. Não queria sentir nada.

Mas me importei.

Fechei a porta devagar, desci, e fui para o meu escritório.

Abri a garrafa mais cara da adega.

E bebi.

Como se o álcool pudesse apagar o que eu estava começando a sentir.

Mas era tarde demais.

Porque naquela noite, mesmo contra minha vontade… eu sonhei com ela.

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