Pov: Angelina Garcia
Meu ventre se contorcia.
Uma inquietação tomava conta de mim.
O calor aumentava, já sabia que era efeito da menopausa.
Meus batimentos estavam acelerados, e meu peito parecia temer a sua volta. Entrei apressadamente no escritório de Débora e, mal pus os pés dentro dele, virei-me para fechar a porta.
Tranquei.
Aquele garoto tem cabelos loiros lisos, pele clara, olhos azuis, barba no mesmo tom do cabelo. Era perfeito, tão perfeito quanto uma miragem.
Era como uma cópia do senhor Prado filho segundo. Porém mais jovem, mais bonito.
O que ele queria comigo? Brincar?
Eu conhecia bem o descaramento dos Prados.
Do avô, do pai e agora do neto.
Em quase vinte anos trabalhando para essa família, aprendi a me manter à margem. Quando entrei na empresa, o senhor Prado sabia que eu era casada. Algumas vezes o peguei olhando para minhas pernas, mas nunca demonstrei interesse em seus gestos. Ele adoeceu e a filha assumiu. Achei que as coisas ficariam mais fáceis.
Procurei uma blusa seca, sem sucesso. Comecei a secar as peças de roupa no secador de mãos do banheiro. Não era grande, mas ajudava. Peguei o secador da minha chefe e sequei os cabelos e o colarinho da blusa. Ajustei os fios como pude. Nada que parecesse uma escova, mas era o suficiente para o dia.
Olhei-me no espelho e notei como minha aparência estava longe do que se esperava de uma secretária da Prado Advocacia. Mas não importava.
Trabalho era trabalho.
Afinal o que importa é utilidade.
Meus olhos pousaram no batom rosa, quase nude, de Débora. Estendi a mão para pegá-lo, mas hesitei.
Desisti.
Por que aquele garoto me olhou daquele jeito?
Levei a mão à corrente dourada com a imagem da padroeira, buscando conforto para os pensamentos absurdos que me invadiam.
Ri de mim mesma. Eu só podia estar louca. Como um garoto de quê? Trinta anos? poderia parecer excitado para mim?
Os Prados abafavam os escândalos, e a origem de Saulo era pouco comentada. Mas todo mundo sabia que havia um filho ali, outro lá.
Mas somente os dos casamentos tinham acesso à mansão e aos negócios.
O toque do telefone me arrancou dos devaneios.
Fechei a porta do banheiro após guardar o secador, passei a mão pelos cabelos compridos antes de atender na mesa de Débora.
— Prado Advocacia e Assessoria Jurídica, bom dia.
— Lina, sou eu. Débora. Estou ligando para o seu celular, e você não atende.
— Oi, chefe. Vou olhar. Deve ter sido...
— Ele chegou? Está perto de você?
Olhei ao redor, sabendo muito bem de quem ela falava.
— Não. Saiu para um café.
Senti um alívio imediato.
— Atenda o celular. Não quero que ouçam a nossa conversa.
Débora desligou sem esperar resposta.
Fui até minha bolsa, sentindo o aparelho vibrar dentro dela.
O elevador apitou, anunciando a chegada de alguém. Peguei o celular e, ao olhar para a porta, vi Saulo Prado.
Ele me encarava com um sorriso fraco.
Um sorriso branco.
Dentes alinhados.
Uma aparência impecável.
E o típico cinismo dos Prados.
— Agora sim parece possível trabalhar por aqui — comentou, aproximando-se.
Atendi o telefone, desviando os olhos dele, que vestia calça preta e camisa social azul claro.
— Oi, alô.
— Lina, me escuta bem. Esse homem que chegou aí é meu sobrinho. Apesar de tê-lo colocado no meu lugar… — Olhei de relance para Saulo e desviei o olhar de novo. Uma onda de insegurança tomou conta de mim.
— … quero que você observe tudo que ele fizer, acompanhe todas as reuniões com clientes. Eu não confio nele. Nem o conheço, na verdade. Só está aí para que o escritório não pareça abandonado.
— Sim, senhora. Entendi.
Eu realmente não entendia. Mas não era a primeira vez que via algo assim acontecer na Prado Advocacia.
— Tenha cuidado. Me informe tudo que considerar suspeito. Não quero que ele roube clientes da gente, e nem tenha acesso a aqueles documentos, você já sabe, não é?
O senhor Saulo parecia aguardar um momento para falar. Ainda estava parado diante de mim.
— Está bem, Déb.
— Era só isso, querida. Tchau.
Débora desligou sem cerimônia. Coloquei o celular sobre a mesa. Quando ergui os olhos, os de Saulo estavam em mim.
— Era a Débora? — perguntou, apontando para o aparelho.
Assenti, sem saber como esconder meu desconforto.
— Ah, ótimo, Angelina… — Ele passou os dedos entre as sobrancelhas.
— Eu não quis ligar para ela. Você me entende. Está de repouso, bebês devem dar trabalho. Mas estou com algumas dificuldades...
Assenti de novo, sem saber o que responder.
Ele indicou a sala.
— Prontamente, senhor. Se eu puder ajudá-lo, estou à disposição.
Levantei-me e o acompanhei até a sala que seria temporariamente dele. Senti um calor inesperado quando sua mão pousou em minhas costas, firme e quente, como se me guiasse.
O escutei fechar a porta.
A insegurança crescia.
Ele era um completo desconhecido.
Quando me virei, Saulo estava à minha frente.
— Não sei o que posso ou devo mexer neste computador. Como você ouviu, sua chefe e, pelo visto, ninguém daquela família confia em mim. Aliás, nem eu sei por que realmente me querem aqui.
Senti o frio no estômago me invadir.
Débora ficaria furiosa se soubesse que ele ouviu tudo.
— Como você sabe que…
— Não sejamos tolos, Angelina — interrompeu, indicando a mesa.
— Apenas me diga o que fazer nesta empresa, já que não sou de confiança.
O ambiente ficou tenso.
Mesmo trabalhando há tantos anos para os Prados, eu não sabia apontar um único caso naquele computador que não fosse arriscado expor.
Inclinei-me sobre a mesa, pegando o mouse para procurar algo útil. Parte de mim sentia pena dele. Outra, entendia a desconfiança.
— Talvez eu possa ler os casos antigos — sugeriu ele, atrás de mim.
Virei-me para encará-lo, logo atrás.
O queixo quadrado era coberto por fios loiros cobre bem aparados. Seus olhos azuis estavam fixos em mim, de cima para baixo.
Eles me tiraram da minha zona de conforto.
— Ou talvez possamos conversar — disse ele, afastando-se e sentando-se na cadeira de visitantes.
Virei para a tela do computador.
— Deve haver um caso que o senhor possa…
— Você é casada há quanto tempo?
Meu coração disparou.
A pergunta me pegou de surpresa.
Eu deveria ligar para Débora? Perguntar?
— Só um momento, por favor. — Pedi, saindo da sala.
Caminhei até minha mesa, mas mal toquei no telefone antes de sentir sua mão segurando a minha.
— Apenas uma pergunta. Por que não me responde sobre você? — Pegou meu celular e o pôs no bolso.
— Senhor Prado, seu comportamento está sendo inadequado. Por favor, devolva meu aparelho. — Estendi a mão.
— Apenas uma pergunta. Não deveria agir dessa maneira. — Enfiou a mão no bolso, me devolveu o celular.
— Talvez sua chefe não fique contente se eu disser que não poderei ficar aqui enfeitando a cadeira dela, enquanto ela estiver ausente. Logo ela pode associar esta ligação à minha partida...
— Vinte e oito anos, doutor — Respondi, sentindo a ameaça velada.
O doutor Saulo silenciou, fez um bico e assobiou.
— Nossa, são muitos anos. Você não parece ter…
— Quarenta e seis anos. Pronto. Satisfeito? Por que quer saber da minha vida? O que ganha com isso?
Ele deu de ombros e colocou o celular de volta em minha mão.
— Nossa, que tensa! Achei que ficaria mais tranquila se conversássemos sobre você.
Peguei o aparelho em seguida, ignorando a minha frente. Em seguida, disquei para Débora. Ela autorizou o acesso dele a todos os casos, mas me alertou com aquela voz preocupada.
— Fique atenta. Ele não é fácil.
E eu já sabia disso.
Segui o Doutor Saulo até a sala, a poucos passos atrás, sentindo o peso calculado da sua presença. Ele se acomodou à frente do computador como se estivesse ali há anos, abrindo um caso sobre a refinaria investigada por trabalho escravo.
Observei a forma como seus olhos percorreram as páginas e, em seguida, o movimento lento de sua mandíbula, mastigando a saliva como quem processa não apenas informações, mas possibilidades.
Não disse uma palavra.
O silêncio entre nós parecia proposital, como se ele quisesse me testar.
Aproximei-me para ajustar a tela, mas ele não recuou.
Pelo contrário.
O cheiro amadeirado do perfume dele me atingiu quando seu braço roçou de leve no meu, um toque rápido, mas suficiente para me fazer perder por um instante a linha de raciocínio, um arrepio percorrer da minha espinha vertebral para todo o resto.— Curiosa? — ele perguntou, sem tirar os olhos da tela.
— Apenas atenta. — Minha voz soou mais baixa do que eu queria.
Foi então que ele virou a cabeça lentamente, encurtando a distância entre nossos rostos até que eu pudesse sentir seu hálito quente, senti as minhas bochechas queimarem.
Um sorriso enviesado surgiu no canto de sua boca.
— É bom que esteja. — a voz grave, quase um sussurro.
— Porque a partir de agora… tudo o que você fizer aqui vai passar por mim.