A noite chega, e eu mal consego dormir. A cada vez que fechava meus olhos, me lembrava da mágica noite do dia anterior — o salão iluminado, a dança inesperada, a mão firme de Gabriel cravada em minha cintura.
Quando o despertador toca no dia seguinte, eu logo me levanto já decidida a manter uma distância emocional. Coloco uma camisa social branca, uma calça preta impecável e faço um coque simples. O objetivo era claro: parecer profissional e intocável. Precisava me resguardar.
Chego na empresa para mais um dia de trabalho, o clima no 27º andar parecia normal. Marina, como sempre, estava impecável atrás da recepção.
— Marina… por favor. — Corei respondendo ela, e já prevendo as provocações.
— Não é todo dia que Gabriel Rodrigues leva alguém para dançar. — Marina piscou. — E, francamente, você arrasou.
— Foi só parte do trabalho. — Tento parecer o mais indiferente possível. — Ele precisava de alguém lá para auxiliá-lo.
Marina arqueou uma sobrancelha.
Eu suspirei e fui em direção a minha mesa, tentando ignorar o sorriso divertido da minha companheira de trabalho.
Não demorou muito para a porta do escritório de Gabriel se abrir. Ele saiu, com um terno cinza e uma gravata azul-marinho que fazia seus olhos castanhos parecerem ainda mais intensos.
— Anna. — Ele me chamou, usando apenas o meu primeiro nome, o que não era normal, e saiu totalmente natural.
Ergui meus olhos da tela do computador e respondi.
Por um instante, notei algo no olhar dele, algo que parecia quase… um agradecimento silencioso. Mas então ele voltou ao tom firme de sempre — prefiro mais o jeito meigo que me chamou.
— Ok, irei organizar tudo o mais rápido possível. — Respondi, já anotando tudo.
Ele ficou parado por um segundo, como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas apenas assentiu e fez o caminho de volta para o seu escritório.
Enquanto revisava os contratos, eu não pude deixar de notar alguns olhares curiosos dos outros funcionários do setor. Era impossível que ninguém tivesse percebido que eu havia acompanhado Gabriel ao evento.
No café da tarde, uma das funcionárias do setor de marketing comentou casualmente:
Quase engasguei com o café que estava bebendo.
— Ah sim, claro. — A mulher sorriu, como se não acreditasse.
Voltei para minha mesa com o coração acelerado, devo manter distância do meu chefe, pois já estão comentando sobre nós. Balancei a cabeça já sentada em minha mesa, precisava manter o foco no que era importante, e naquele momento eu havia vários documentos para revisar.
No meio da tarde, Marina apareceu com um envelope nas mãos.
— No terraço? — Perguntei, surpresa.
— Sim. — Marina sorriu. — Às vezes ele gosta de trabalhar lá em cima. Vai lá. — Ela me respondeu e achei estranho a atitude dele.
Peguei o envelope que ela me entregou e fui até o último andar. O terraço era amplo e tinha uma vista deslumbrante da cidade. Meu chefe estava encostado no parapeito de vidro, falando ao telefone.
Quando ele me viu, logo desligou a chamada.
— Sem problemas. — Entreguei à ele. — Marina disse que você gosta de trabalhar aqui? — Falei olhando em volta.
— Gosto do silêncio. — Ele respondeu, olhando em volta para toda a cidade. — Às vezes é fácil esquecer o mundo quando estamos sempre presos entre paredes e contratos.
Fiquei ali parada ao lado dele, também admirando a vista, que era maravilhosa, e comentei.
— Sim, realmente, é muito linda. — Ele concordou, porém estava olhando para mim, e não para a cidade.
Por alguns segundos, o silêncio foi diferente. Não era constrangedor, podia-se dizer que era quase… confortável.
— Você se saiu muito bem ontem. — Ele disse de repente, tomando o seu jeito sério novamente, mas gentil. — Nem todos aguentam a pressão de um evento como aquele.
Sorri timidamente.
— Você fez muito mais do que isso. — Ele respondeu, e havia algo no olhar dele que fez meu estômago se revirar.
Desviei os olhos, tentando me manter firme.
— Não precisa agradecer. — Gabriel disse, baixo apenas para que nós dois ouvíssemos. — Eu só disse a verdade.
Por um instante, eu achei que ele fosse dizer algo mais, mas então o telefone dele tocou e o momento se quebrou.
No final do expediente, eu estava exausta com tanto trabalho feito, mas uma parte minha não queria ir embora. Cada troca de olhar com Gabriel, cada palavra dele parecia ficar gravada em minha mente. Droga! Preciso focar apenas no trabalho, disse a mim mesma em pensamento.
Quando já estava de pé recolhendo minhas coisas para ir embora, ele passou por minha mesa.
— Sim? — Parei meus movimentos, já com a bolsa a tiracolo.
— Amanhã teremos uma reunião externa. Quero que venha comigo. Prepare a pasta com todos os contratos da empresa Vale & Co. — Ele me informou.
— Claro, amanhã assim que eu chegar, já faço isso. — Respondi quase que automático.
Gabriel fez uma pausa breve, os olhos fixos nos meus.
— Boa noite, Gabriel. — Saiu quase num sussurro.
No caminho para casa, percebi que o problema não era apenas a tensão entre nós. Era a forma como ele me fazia sentir que tinha valor, como se acreditasse mim mais do que eu mesma acreditava.
Já Gabriel, sozinho em seu apartamento, pensava o mesmo. Ele sempre manteve a distância entre vida pessoal e profissional. Mas eu estava quebrando barreiras que ele jurou manter.