Capítulo 2 - Mais um dia cheio...

Dias atuais

Donatella

Terminei de prender meu cabelo no topo da cabeça, em um coque perfeito, sem que nenhuma mecha fique de fora. As crianças ainda estavam dormindo então aproveitei e fiz um café forte, preparei o leite e acordei as duas ferinhas que adoram dormir e comer.

Eles são a minha herança, uma das poucas coisas boas que a vida me deu.

Francis e Elise são os amores da minha vida, a única coisa boa que o velho Lourenço conseguiu me deixar.

Eu sei que deveria sentir nojo dele, repulsa, mas não consigo. Ele era um velho biruta e falido, mas que mesmo assim gastou seus últimos tostões para comprar uma menina jovem que pudesse cuidar dele na sua velhice.

Na época ele pensava que viveria no máximo uns dois anos, mas no fim das contas viveu muito mais. O suficiente para que eu fizesse dezoito anos e acabasse de vez com a minha vida. Ao menos em meio a toda tormenta nasceram meus dois amores, que hoje estão com cinco e seis anos. Tive uma gestação em cima da outra. Quando Francis nasceu semanas depois engravidei de Elise. Eu não consegui sorrir com a notícia de que eu era uma ‘’menininha muito fértil’’, ainda mais saindo da boca quase desdentada do pobre Lourenço, e para o meu maior azar o pobre coitado nem conseguiu ver o nascimento de Elise pois faleceu logo no início da minha nova gestação. Lembro-me vagamente de ter chorado um pouco, não pela perda dele, mas sim por não saber como me virar sozinha.

Ele podia ter todos os defeitos do mundo, e mesmo tendo me pressionado para ter relação sexual com ele, ainda sim fazia de tudo para manter a casa enorme em que vivíamos.

O defeito dele era o mesmo do meu pai, jogos de azar e apostas que estavam na cara que eram armadas. Mas por incrível que pareça o velho era bom, bom até demais. Ele sempre ganhava, nunca saia perdendo e quando as contas batiam na porta ele simplesmente apostava alguma coisa e conseguia prover a casa novamente.

Às vezes eu até me obrigava a rir porque ele mal conseguia parar em pé. Não era um velho barrigudo e fedorento, Lourenço era alto e muito magro. Uma figura que até diria ser um pouco assustadora.

Depois que ele partiu tudo ficou uma bagunça, mas por pouco tempo.

Quando os papéis da herança finalmente foram liberados, vendi a casa e os três carros que o velho tinha. Peguei o dinheiro e comprei um apartamento pequeno no centro da cidade. Mobiliei com mobílias já usadas e até hoje, mesmo depois de mais de cinco anos, eu ainda tenho um pouco do dinheiro que ele me deixou.

Eu trabalho em um escritório, sou secretária e não ganho tão mal também, porém ultimamente meu pagamento tem atrasado e isso está me deixando cada dia mais assustada.

Eu pago a creche das crianças, mantenho nossos armários e geladeiras abastecidas e sempre que posso compro roupa para os meus amores. Como eu uso uniforme não me preocupo muito com roupas para mim.

Todos os dias depois do meu expediente eu pego os anjinhos na creche e os levo para a praça. Eles brincam e cansam mais ainda, me dando o prazer de ter um breve momento só meu quando eles dormem.

Gosto de ver filmes de romance, de tomar um banho demorado e de admirar a mim mesma no espelho enquanto fico refletindo sobre a vida.

Tem uma única coisa que a vida não me tirou, minha pouca vaidade.

Eu me gosto e mesmo após dois filhos ainda me acho uma mulher bonita. Meus filhos puxaram muito a minha aparência e a única coisa que herdaram de Lourenço, foram os olhos azuis cristalinos. É um azul que pouco vejo por aí e são lindos.

Tirei as crianças da cama, as arrumei para a escolinha e quando finalmente colocamos os pés na rua respirei fundo.

Sei que vai ser um dia conturbado no trabalho e terei que mais uma vez cobrar meu chefe sobre o pagamento do meu salário, que já estava a cinco dias atrasado. Odeio ter que cobrar as pessoas, me sinto desconfortável e tenho vontade de chorar enquanto meus dentes batem um nos outros por ansiedade. Sou dramática e me magoo com facilidade também. Considero isso sequela de tudo que passei. O velho Lourenço mal podia com as calças, mas a língua estava sempre pronta para me alfinetar e me magoar. Depois dele acabei me tornando carente e qualquer pessoa que converse comigo já me sinto feliz. Mais um motivo para gostar de sentar na praça à noite. Já fiz muitas amizades e conversei com muitas mulheres diferentes, de todas as iddades.

_ Mãe, hoje nós vamos brincar na praça? _ Perguntou Elise curiosa.

Elise e Francis são tão carentes quanto eu, e nunca perdem a oportunidade de conversar e brincar com outras crianças mesmo que passem o dia inteiro na creche e que brinquem o dia inteiro. Sinceramente, queria ter pelo menos a metade da energia desses dois, porque é muita coisa!

_ Se não estiver chovendo, sim.

Beijei meus dois tesouros, os larguei dentro da creche e saí praticamente correndo. Minha cabeça já começou a doer quando entrei no escritório. Todos os funcionários estavam descontentes e por algum motivo achavam que por eu ser a secretária do patrão, eu tinha algo a ver com o atraso salarial, sendo que eu mesma não estava recebendo.

Dei bom dia educadamente, sem esperar que qualquer um respondesse e todos se fizeram de surdos mais uma vez.

Seria mais um dia daqueles, mas tudo bem. O tempo inteiro tento mentalizar que tudo poderia ser pior.

Eu ainda poderia estar nas mãos daquele homem, ou até alguém muito pior, como a minha própria familia...

Observei minha mesa que está levemente bamba e sorri. Tento ao máximo ser grata pelas coisas, por mais ansiosa e chateada que eu fique com tudo que está acontecendo aqui.

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