Donatella

Com a cabeça cheia caminhei no automático até a creche das crianças. Por um lado me sinto sortuda em ter conseguido um emprego perto de casa, por outro me acho mais inteligente ainda por ter optado por um apartamento simples, quitado e que fica bem localizado.

Meus filhos merecem o melhor e sempre terão se depender de mim.

Infelizmente meu salário permanece atrasado e o pânico está insistindo em querer tomar conta do meu ser.

Peguei as crianças que quando me viram fizeram festa. É tão bom ver que estou desempenhando um papel bom de mãe, uma mãe que eu nunca tive. Estou me espelhando na bondade que há no meu interior, porque se eu tentasse me espelhar nas minhas experiências de vida certamente meus filhos estariam abandonados e sem amor. Tem algumas coisas que ainda me doem profundamente, algumas lembranças machucam, mas quando vejo os rostinhos felizes me chamando de mamãe tudo muda, meu mundo se ilumina e meu dia cansativo não passa de uma mera lembrança.

Eu nunca consegui entender porque minha família me vendeu daquela forma tão cruel, mas hoje em dia eu procuro nem pensar.

Nunca senti vontade de correr atrás, de vê-los. Nunca senti vontade porque sei que vou me decepcionar e não quero mais decepções. Quero focar nos meus bebês.

Nunca namorei, nunca amei nenhum homem e não quero, tenho medo do que um homem pode fazer com meu coração.

Sentei no mesmo lugar de sempre e observei meus filhos correndo pelo parque com outras crianças.

Por mais que eu tentasse não pensar ainda lembrava que estava sem salário, que o pouco dinheiro que ainda me restava do velho Lourenço estava com os dias contados e as contas estavam batendo na porta. Meu pânico só aumentava a cada minuto só em pensar que logo estaria sem dinheiro.

Meus filhos corriam pela praça despreocupados, alheios ao que estava acontecendo na nossa vida, e prefiro assim, eles tem que viver, tem que ser crianças antes de ter que se preocupar com o futuro.

A praça estava cheia e logo depois que cheguei não haviam mais lugares para sentar.

Um homem sentou ao meu lado no banco de quatro lugares mas nem olhei para ele. estava completamente perdida em pensamentos e observando meus filhos brincando com outro garotinho que aparentava ter a mesma idade de Francis.

_ Incrível como eles têm energia, né?_ Comentou o homem.

Eu não sabia se ele estava falando comigo então virei meu rosto em sua direção, e sim, ele estava falando comigo. um sério desconforto já me atingiu por ter alguém do sexo oposto tão próximo, principalmente porque ele aparenta ser todo tatuado. As roupas pretas, a bota coturno e o casaco de couro preto me deixou incrédula que ele estivesse cuidando do filho, provavelmente está com o irmão mais novo. A cara de mal não ajudou nem um pouco, principalmente quando uma carranca se formou em seu rosto ao me olhar. Meus pêlos ficaram arrepiados e um alerta vermelho brilhante surgiu na minha cabeça.

_ Ah.. s-sim, eles têm muita energia. _ Comentei ao virar o rosto para fugir de seu olhar.

Voltei a observar meus filhos que brincavam com a outra criança. O menino pegou na mão de Elise e a ajudou a subir no brinquedo. Confesso que achei a atitude fofa. Foi inevitável não sorrir.

_ Dário tem sangue de cavalheiro, acho que gostou da sua filha! _Voltei a encarar o homem que agora estava de braços cruzados observando as crianças.

_ Ah, seu irmãozinho parece bem educado. _Comentei.

O homem riu, uma risada estranha que me deixou ainda mais nervosa.

_ Dário é meu filho!

_ Oh.. d-desculpe, não achei que...

_ Não achou que um homem como eu pudesse ter um filho como Dário?

Definitivamente o garoto estava vestido com um estilo completamente diferente do homem ao meu lado, mais um motivo para achar que o garoto não era filho dele. Sei lá, são suposições que não fazem muito sentido, mas que acabam acontecendo.

_ Não foi isso que eu quis dizer. _ Falei com a voz firme.

Se ele acha que vai aparecer do nada e me acuar, está muito enganado.

Ele me olhou e levantou uma sobrancelha.

_ Dário puxou ao meu irmão. É mais calmo.

_ Aposto que sim. _ Murmurei descontente.

Voltei a olhar para as crianças que agora brincavam em um escorregador. Observei a hora, doida pra ir logo pra casa mas ainda estava cedo, as crianças me cobrariam se fossemos agora.

Passei minhas mãos pelo meu rosto, cansada e estressada demais. A semana estava quase terminando mas o estresse me acompanharia pelo final de semana inteiro.

_ Dia dificil? _ Perguntou o homem.

Por que ele está puxando assunto comigo? Meu Deus que cara estranho.

_ Um pouco. _ Murmurei.

_ Não parece só “pouco”.

_ É.._ Fiz silêncio novamente, cruzando os braços e olhando para as crianças.

O garoto que sempre derruba Elise estava próximo e fiquei preocupada. Sempre tento manter o bom senso, mas nunca deixei que destratassem meus filhos. O garoto vem com a babá que fica entretida com o celular ao invés de ficar de olho no menino, e ele maldoso, sempre se aproveita para maltratar as outras crianças. Sinto que ele tem problemas com pais separados e isso reflete muito nas crianças.

Meu corpo ficou tenso quando o garoto se aproximou do meu filho e do menino que se chama Dário. Levantei na mesma hora que ele pegou no braço de Elise, mas fiquei estática ao ver Dário protegendo minha filha. O garoto é relativamente maior que Francis, que nunca defendeu a irmã, não porque não gosta dela, mas porque é doce e inocente demais para conseguir se defender e defender a irmã.

Dário empurrou o menino que caiu no chão, mas não revidou porque ficou com medo do garoto.

Acabei rindo e me sentando novamente.

Olhei para o homem ao meu lado que estava visivelmente orgulhoso. Ele me encarou com um azul profundo, mas cristalino, muito parecido com o dos meus filhos. Por um segundo lembrei do velho Lourenço e desviei o olhar.

_ Meu filho puxou muito ao meu irmão, mas ainda sim tem uma pitada de estresse, assim como eu. _ Disse ele cheio de orgulho.

_ Dário parece ser uma criança muito legal. Parabéns pela criação, sua esposa deve ser uma ótima mãe também. _Comentei sem tirar os olhos das crianças.

_ Dário não tem mãe, é somente minha família._ Olhei para ele que falou sem um pingo de sentimento.

_ Oh, sinto muito..

_ Não faz diferença.

_ Tecnicamente faz.. quer dizer, crescer sem o amor de uma mãe é meio.. _ Parei de falar quando ele voltou sua atenção pra mim.

Voltei a olhar o relógio e o tempo não passava nunca.

Ficamos em silêncio durante muito tempo quando Elise veio até mim tomar água. Ela encarou o homem e sorriu. O estranho retribuiu o sorriso e ao contrário de mim, Elise não ficou com medo. Dário e Francis continuavam brincando como se não houvesse amanhã.

_ Só mais dez minutos, ok?

_ Ah mamãe..

Ela saiu resmungando e acabei rindo. Ver meus filhos bem me faz muito feliz.

_ Você parece ser uma boa mãe, Dário iria gostar de você. _ Disse o homem.

Olhei pra ele com uma cara que nem sei descrever, acho que incrédula.

Preferi não responder e continuei olhando as crianças.

Um tempo depois outro homem se aproximou de nós mas não dei bola. Meus pensamentos voltaram a viajar para os problemas que eu estava tendo e minha cabeça e meu corpo ficaram pesados.

O homem que conversava com o outro estranho ao meu lado decidiu ir brincar com as crianças. Fiquei de olhos bem abertos, hoje em dia não se pode dar bobeira. Ele estava de costas pra nós e embalava os três no balanço.

Quando ele virou em minha direção sorrindo fiquei em choque. Olhei umas três vezes entre ele e o outro do meu lado para ter certeza que não estava tendo uma alucinação. Até as tatuagens eram iguais.

A única coisa que mudava era a cara fechada do que estava do meu lado e o jeito brincalhão do outro que estava com as crianças.

Decidi ficar em silêncio, apenas observando os dois. Quando o outro, vestido completamente diferente do que estava ao meu lado se aproximou procurei não ficar encarando como uma maluca.

_ Aqueles dois anjinhos são seus filhos? _Perguntou o cara com jeito brincalhão.

_ Sim.

_ Dário gostou deles, parecem ser crianças legais._ Disse ele com um sorriso gentil.

Ao contrário do irmão dele, senti mais confiança em iniciar uma conversa.

_ Sim, Dário também é uma criança legal.

_ Podíamos combinar para que eles brincassem mais vezes aqui. Dário não é muito bom em fazer amizades, mas parece que os dois pequenos conquistaram meu filho.

Fiquei confusa na hora. Pensei que ele fosse o tio..

_ Eu sei o que está se perguntando, e para que não haja dúvidas Dário é filho de nós dois, fodemos a mesma mulher e nunca saberemos quem concebeu.

Meus olhos quase saíram das órbitas com a fala do mau humorado ao meu lado. O irmão sorridente pareceu não gostar muito.

_ Acho que está na hora de ir pra casa Mikael, seu dia foi bem chato e seu mau humor vai contagiar a bela dama ao nosso lado.

Então o nome do mal humorado é Mikael? Por Deus, que cara louco..