Capítulo 4

Eu estava atônita.

Ainda estava tentando processar as palavras que ele acabara de dizer.

Casamento.

Aquilo ecoava em minha mente como uma nota fora do tom. Uma proposta direta, quase crua, no meio da enfermaria, com o soro ainda no meu braço.

– Você quer se casar comigo? – repeti, minha voz oscilando entre o espanto e a desconfiança.

Ronaldo permaneceu de pé ao lado da poltrona onde eu estava recostada. Seus olhos estavam fixos nos meus, firmes como quem já tinha pensado em cada palavra antes de dizê-la.

– Estou tentando ajudar você, Margarida. – disse com a mesma calma com que alguém oferece abrigo durante uma tempestade. – Você precisa de proteção, estabilidade, uma forma de sair da sombra do João. Isso te dá isso. Um novo começo.

Franzi o cenho, sentindo a estranheza apertar meu peito.

– Mas... por quê? – minha voz saiu baixa. – Você nem me conhece direito. Por que faria isso por mim?

– Porque eu quero. Conheço o seu trabalho, Margarida, você é a melhor estilista do país, e também ouvi muito sobre seus pais, eles não iam querer que João se apoderasse de tudo que eles trabalharam duro para ter.

Isso me deixou completamente sem palavras, porque é verdade, tenho certeza de que se meus pais estivessem vivos, eles não gostariam de João. Assim como Anna, minha única amiga, não gosta.

A antipatia entre eles foi instantânea, Anna odiou João e disse que ele não era para mim assim que os dois se conheceram. Mas, eu nem sempre fui esperta, estava cega demais para entender a verdade bem debaixo dos meus olhos.

– É só isso? – murmurei. – Ou tem mais algum motivo?

Antes que ele respondesse, ouvi uma batidinha suave na porta. Ronaldo olhou na direção do som e, com um breve “só um instante”, saiu do quarto.

Ouvi seus passos se afastarem pelo corredor, depois um murmúrio abafado. Curiosa, tentei ouvir o que ele dizia, mas tudo que captei foi uma fala suave, seguida por um riso infantil.

Quando a porta se abriu de novo, Ronaldo entrou... de mãos dadas com uma menininha de cabelos castanho-claros presos em duas trancinhas frouxas. Seus olhos eram grandes e atentos, e assim que me viu, abriu um sorriso tímido.

– Margarida, essa é minha filha, Emma. – Ronaldo disse, com uma suavidade nova no tom. Colocou o braço em volta dela e se abaixou para ficar à sua altura. – Desculpe, ela é um furacão quando quer, o motorista a trouxe, pois ela tentou fugir e vir sozinha. – Ronaldo falou, balançando a cabeça, como se nem mesmo ele acreditasse no que a pequena havia feito.

Olhou para a filha, e ela correspondeu ao gesto com um brilho nos olhos. Então Emma se voltou para mim, com as bochechas coradas e aquele olhar puro que só as crianças são capazes de carregar.

– Olá, Margarida. – disse ela, com uma simplicidade que desmontou qualquer defesa que eu ainda tivesse.

Engoli em seco. Meu olhar foi do rosto dela para o de Ronaldo, e voltei a sentir o chão se mover sob meus pés – mas desta vez, por motivos completamente diferentes. Ele pigarreou e retomou o assunto de antes.

– É claro que há outros motivos, também. – ele continuou, levantando-se. – Você é uma estilista excepcional. Vi sua última coleção para a JS antes de João enterrar seu nome nos bastidores. Quero você na minha empresa. Quero você liderando uma nova linha. Podemos reconstruir sua carreira, da maneira certa.

Meu coração batia rápido, tentando acompanhar o turbilhão que se formava.

– Mas não é só isso, é? – sussurrei, sentindo que havia mais, algo que ele ainda não dizia.

Ronaldo sorriu de canto, um sorriso que carregava ironia e dor.

– Digamos que... roubar a esposa do meu maior inimigo tem seu apelo. – disse, dando de ombros como quem solta uma provocação. – Seria o tipo de coisa que faria João Silva quebrar a própria taça de vinho.

Tentei sorrir, mas algo dentro de mim se retorcia. Era tudo rápido demais, irreal demais. E ainda assim... tão tentador.

Emma caminhou até a beirada da minha cama e pegou minha mão. Seus dedinhos eram pequenos e frios.

– Você parece triste. – disse ela. – Se você quiser, pode morar com a gente. A gente tem chocolate.

Uma lágrima escapou do canto do meu olho. Era impossível manter qualquer barreira de pé diante daquela criança.

Ronaldo a observava, e por um segundo, um brilho diferente passou por seus olhos. Um silêncio se instalou entre nós três, carregado de algo que ele não estava pronto para dizer... e que eu não sabia se queria ouvir.

– Eu e Emma vivemos sozinhos. E ela... bem, ela precisa de uma mãe, gentil e carinhosa que cuide dela, da forma que eu, como pai, não sei cuidar. – ele puxou a garotinha para se sentar em seu colo.

Ronaldo parecia um ótimo pai, olhando assim, os dois pareciam muito unidos e amorosos um com o outro.

Exatamente como eu sempre imaginei e desejei.

Emma falava, sua voz infantil preenchendo o quarto, Ronaldo olhando a filha e sorrindo para suas perguntas.

Mas, naquele momento, percebi que talvez... só talvez... o que ele me oferecia fosse mais do que proteção.

Talvez fosse esperança.

E, pela primeira vez em muito tempo, eu considerei aceitá-la.

Fiquei um tempo olhando para aquela mãozinha segurando a minha, sem saber o que fazer. Era estranho… eu, ali, em uma cama de hospital, depois de tudo o que passei, com uma criança que mal conhecia me oferecendo chocolate e um cachorro para dormir ao lado.

E aquilo, de algum jeito, me quebrou mais do que qualquer golpe do João.

Talvez porque... fosse verdadeiro.

– Você gosta de histórias? – perguntei, com a voz embargada, tentando puxar assunto com Emma, que assentiu vigorosamente.

– O papai me conta algumas, mas ele sempre dorme antes de mim. – confessou, arrancando uma risada sincera de mim.

Ronaldo coçou a nuca, um pouco envergonhado, e se sentou ao meu lado.

– É verdade. Sou péssimo contador de histórias. Ela sempre me acorda quando o dragão está para atacar. – disse, divertido.

Emma riu e se sentou na poltrona próxima à minha cama, balançando os pés no ar como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Eu a observei por mais alguns segundos. Havia algo de mágico nela, algo que me lembrava... quem eu fui um dia.

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