Após uma eternidade, um médico saiu do corredor e veio em minha direção. Levantei-me num impulso, esperando ansioso por suas palavras.
— Ela está bem — disse ele, com um tom tranquilizador. — Os exames não apontaram nada grave. Ela apenas entrou em estado de choque, o que causou o desmaio. Soltei um suspiro longo, sentindo o peso do medo se dissipar um pouco. Passei as mãos pelo rosto, tentando organizar os pensamentos. Agradeci ao médico e fui até o quarto onde ela estava descansando. Ao abrir a porta, vi seu rosto pálido contra o travesseiro, os olhos piscando lentamente ao despertar. Ela parecia frágil, perdida. O quarto estava silencioso, e o som ritmado dos monitores cardíacos era a única coisa que preenchia o ambiente. Meu peito se apertou com uma mistura de alívio e preocupação. — Onde estou...? — Sua voz saiu fraca, mas carregada de confusão. Sentei-me ao seu lado, tentando não parecer invasivo. — No hospital — expliquei. — Você desmaiou na rua e eu te trouxe para cá. Ela piscou algumas vezes, processando minhas palavras. Seus olhos vagavam pelo quarto, tentando assimilar a situação. Então, suavemente, um sorriso cansado surgiu em seus lábios. — Obrigada… — disse, ainda parecendo exausta. — Quem é você? Hesitei por um instante antes de responder. — Meu nome é Ronaldo. Eu estava passando quando vi você cair. Ela suspirou e fechou os olhos novamente, parecendo aliviada. Mas antes que adormecesse, sua mão deslizou levemente sobre o lençol, como se buscasse algo. Um gesto involuntário que me prendeu ali, observando-a. Passei bastante tempo fascinado apenas... observando-a. Margarida dormia como quem precisava desesperadamente descansar da vida. Seu peito subia e descia em um ritmo lento, profundo, quase hipnótico. A chuva havia parado lá fora, mas dentro de mim, o caos ainda rugia. Estendi a mão, num impulso quase instintivo. Queria tocar seu rosto, afastar uma mecha de cabelo úmido, mas... parei no meio do gesto. Parecia invasivo demais para um momento tão frágil. Ela estava quebrada. E eu? Eu me sentia em pedaços por ela. Alfred se manteve na porta. Paguei para que me deixassem ficar com ela — sem perguntas, sem horário. Não sairia dali até ter certeza de que Margarida estava segura. Quase meia hora depois, seus cílios tremeram, e os olhos se abriram devagar. Estavam pesados, embaçados, mas... vivos. – Então... não foi um sonho... – murmurou, quase num sussurro. – Infelizmente, não. – respondi com suavidade. Ela se sobressaltou levemente, me encarando como se estivesse me vendo pela primeira vez. Seus olhos deslizaram de cima a baixo, surpresos. Envergonhada. – Eu... não sabia que ainda estava aqui. – disse, a voz baixa. – Estou. – garanti. – E vou ficar aqui até saber que você está bem. Ela não contestou. Apenas assentiu lentamente, voltando a deitar o corpo contra os travesseiros. Seus olhos vagaram pelo quarto, como se procurassem um porto seguro. Mas em vez disso, encontrei uma lágrima. Solitária. Descendo silenciosa pela lateral do rosto dela. Ela tentou disfarçar. Piscar. Limpar antes que eu visse. Mas eu vi. – O que aconteceu, Margarida? – perguntei, sem conseguir conter a inquietação na voz. Ela hesitou. Podia ver o conflito em seus olhos: calar ou desabar. A luta entre guardar tudo ou finalmente deixar alguém ver a dor. – Pode confiar em mim. – sussurrei, mais como um apelo do que uma promessa. Ela virou o rosto para o teto, respirou fundo. Um suspiro longo... tão pesado que parecia ter séculos de mágoa acumulada. – Sofri um aborto recentemente. – sua voz falhou já no início. – Achei que era culpa minha. Que trabalhei demais... que fui negligente. Engoli em seco. A dor dela era palpável. – Mas... essa noite... – fez uma pausa, e os olhos se encheram de novo. – Eu descobri que não foi culpa minha. – ela piscou, tentando se manter firme. – Meu marido me envenenou. Para que eu perdesse o bebê. O mundo pareceu parar de girar. – Ele... me drogou. E eu achei que estava me culpando porque... porque fui relapsa, quando na verdade... – a voz falhou de novo. – Ele e a amante estavam na nossa cama. Rindo. Celebrando. Ela deu de ombros, mas era um gesto falso. Um escudo frágil para conter um coração em ruínas. Eu não consegui responder. Não havia palavras. A única coisa que eu conseguia sentir era um ódio violento queimando por dentro. Ele tirou o filho dela. Planejou isso. Celebrava enquanto ela sangrava. Fechei os olhos, com a imagem de Margarida, ainda criança, surgindo na minha mente. Ela era minha única amiga na época em que todos zombavam de mim por ser pequeno, calado, e vir de uma família destruída. Ela me defendia. Enfrentava meninos maiores sem medo, dizia que “ninguém mexe com o Ronaldo”. Lembro do dia em que ela me mostrou o sinal no pescoço, em forma de círculo, como uma pequena lua minguante de nascença. Disse que era uma marca mágica. E que quem tivesse coragem de protegê-la, ganharia um pedaço do céu. Na época, eu disse que queria ser esse corajoso. E agora... Ali estava ela. Frágil. Ferida. Sozinha. Mas viva. E eu estava aqui. E dessa vez... eu seria o corajoso. – Margarida... – minha voz saiu baixa, carregada de tudo o que eu não conseguia dizer. – Você não está mais sozinha. Eu prometo. Ela me olhou como se não soubesse mais no que acreditar. Mas algo em seu olhar vacilou. Talvez... talvez, pela primeira vez em muito tempo, ela tenha acreditado um pouquinho. – João acha o contrário. – ela diz com um riso sem humor. – Ele insiste que eu não tenho nada. Que tudo está no nome dele. O irônico é que o grupo JS foi fundado pelos meus pais... e eu fui idiota o suficiente para deixar tudo no controle dele. Ela balança a cabeça, entre raiva e vergonha. – Espera... – minha expressão se fecha, a confusão dando lugar à surpresa e um incômodo mais fundo. – Você é casada com João Silva? Do grupo JS? Ela me encara, franzindo o cenho, sem entender a reação. – Sim. Você o conhece? – pergunta, tentando decifrar minha expressão. Dessa vez, sou eu quem ri — um riso seco, carregado de memórias que eu preferia manter enterradas. – Conhecer é pouco. – digo, cruzando os braços. – Eu sou Ronaldo Valvani. Seus olhos se arregalam. O nome, eu sei, tem peso. Principalmente para alguém que cresceu entre os tubarões de terno. – O Ronaldo Valvani? O rival do meu marido? – ela pergunta, incrédula. – Rival? – repito, amargo. – Essa é uma palavra educada. O que eu e João temos é uma guerra. Ela fica em silêncio por um momento, absorvendo o que acabou de ouvir. – Então você é o homem que ele sempre chamou de “o maldito bastardo que não sabe perder”. – sussurra, como se fosse uma piada interna. – Ele me chama assim? – arqueio uma sobrancelha, um meio sorriso surgindo. – Sempre. – ela confirma, rindo, mas é um riso machucado, como quem ri das próprias cicatrizes. Eu respiro fundo. O nome “João Silva” sempre me trouxe raiva, mas agora, esse nome vem atrelado a algo ainda mais nojento. Ele não é só o canalha que tentou destruir meus negócios no passado. Agora ele é o homem que destruiu a mulher que, um dia, me defendeu do mundo inteiro. – Ele mexeu com você. – minha voz sai baixa, tensa. – Isso muda tudo. Ela me olha, como se não tivesse certeza se entendeu o que ouviu. – O que quer dizer? – Quero dizer que antes, era pessoal. Agora... é mais do que isso. Tenho uma proposta, Margarida. Margarida engole em seco. Não sei se é medo, surpresa ou o peso da realidade finalmente se acomodando sobre ela. – Eu te ajudarei a divorciar-se de João, em seguida, nós nos casaremos, eu te ajudo a reaver tudo o que for seu e a se vingar dos dois, e você me ajuda a conseguir a parte dele no grupo JS. O que me diz?