Café da manhã e confições

Do meu quarto dava para sentir o cheiro de café fresco invadindo a cozinha de Paula. O sol atravessava a cortina fina e desenhava listras de luz sobre a mesa, que estava coberta de frutas, pães e sucos. Sentei-me tentando parecer normal, mas cada vez que fechava os olhos o corpo lembrava: mãos quentes deslizando pela minha pele, a boca dele colada à minha, o peso do seu corpo sobre o meu.

Meu coração ainda corria em ritmo descompassado, como se a noite tivesse acabado há minutos, não horas.

— Bom dia, Camila! — Letícia cantou, mordendo um pedaço de pão como se tivesse acabado de ganhar na loteria. — Nossa… olha essa cara. Dormiu mal ou sonhou com alguém?

Revirei os olhos e afundei a colher no pote de iogurte para disfarçar.

— Não sonhei com ninguém, obrigada.

Paula, claro, não deixaria barato. Ela me observava como quem enxerga muito além do que eu queria mostrar.

— Hum-hum… tá, senta lá, Camila. Você está vermelha, sua boca tem esse sorrisinho escondido e… — ela inclinou a cabeça, maliciosa — você está brilhando. Isso não é sono. Se não sonhou com alguém, você dormiu com alguém...

Suspirei. Era inútil. Minhas amigas me conheciam melhor do que eu gostaria.

— Ok… — comecei devagar, ainda pensando se deveria abrir a boca. — Aconteceu algo ontem, algo diferente.

As duas se endireitaram nas cadeiras ao mesmo tempo, como adolescentes prestes a ouvir fofoca proibida.

— Diferente como? — Letícia perguntou com a boca cheia, apoiando o cotovelo na mesa.

Senti o rosto pegar fogo. Apoiei as mãos no colo, tentando organizar as palavras.

— Eu conheci alguém — murmurei. — Foi só uma noite… mas, de algum jeito, eu queria que se repetisse.

Paula bateu palmas baixinho, como se fosse espectadora de uma peça.

— Ah, eu sabia! Eu sabia! Então foi uma daquelas noites que valem por todas as ruins, né?

Meu corpo respondeu antes de eu conseguir falar: arrepios discretos, um calor incômodo nas pernas só de lembrar da língua dele explorando minha pele. Tossi para ganhar tempo.

— Mais ou menos — sussurrei, encarando a xícara de café como se ela tivesse as respostas do universo. — Ele era mais velho, percebi,mesmoque a aparência dissesse o contrário, ele é seguro de si. Ele sabia exatamente como me tocar… e não estou falando só de sexo. Foi como se ele tivesse colocado as mãos direto dentro de mim, no lugar que eu mais escondo.

Letícia fez um assobio baixo, mordendo o lábio.

— Uau. Então o homem é graduado em saber o que faz.

As duas riram, mas eu não consegui acompanhá-las. Havia um peso doce no meu peito, uma saudade absurda de algo que eu mal conhecia. Queria encontrá-lo outra vez. Queria mais.

Foi nesse clima que Thiago apareceu, com a caneca de café e a cara de quem acorda sempre disposto a irritar o mundo. Ele olhou a cena - eu encolhida, Letícia comendo como se não houvesse amanhã, Paula com o sorriso de cúmplice, e não precisou de muito para sacar o que estava acontecendo.

— Bom dia, damas. — Ele apoiou o quadril na pia, sorvendo um gole devagar. — E aí? Alguém teve uma noite agitada… ou é impressão minha?

— Thiago! — Paula o repreendeu, mas já rindo. — Não seja tão direto!

Ele ergueu as sobrancelhas, debochado.

— Ué, não posso nem comentar? A Camila tá aí, com essa cara de quem viu Deus e voltou, e vocês querem que eu acredite que foi só o travesseiro?

— Não é isso — murmurei, apertando a colher com força. — Foi… diferente.

— Diferente quanto? — ele rebateu, cruzando os braços.

Levantei os olhos, sem conseguir esconder.

— Não foi só o corpo dele. Foi… tudo. Ele me tocou de um jeito que parecia que me conhecia. Eu não sei explicar, e eu pedi que ele não me dissesse seu nome e eu não disse o meu.

Thiago soltou um riso curto, inclinando-se sobre a mesa.

— Camila, Camila… essa é a mistura mais perigosa que existe: atração, mistério e desejo. — Ele apontou o dedo na minha direção. — E você parece já estar perdida.

Paula riu discretamente, Letícia cobriu a boca para não cuspir o suco, e eu queria afundar debaixo da mesa.

— Eu sei que foi só uma noite — confessei, quase num sussurro. — Mas eu não consigo parar de pensar nele, isso ta me matando, não posso aceitar sentir isso por um cara que vi e senti só uma vez.

Thiago caminhou até mim e apoiou a mão no encosto da minha cadeira, aproximando o rosto como se fosse me contar um segredo.

— Então aceita logo, Camila. Ou você descobre quem ele é, ou esse mistério vai te devorar.

Meu estômago se revirou. Era assustador como ele tinha razão.

— Mas cuidado… — completou, sério, pela primeira vez naquela manhã. — Esse tipo de desejo pode custar caro.

Mordi o lábio, sentindo o calor subir pelo meu corpo, lembrando dos olhos dele, da forma como me dominava sem esforço.

Letícia quebrou o silêncio, rindo:

— Tá decidido. Precisamos descobrir quem é esse príncipe misterioso da balada.

Suspirei fundo, tomando um gole de café para esconder o sorriso idiota que me escapava.

E no fundo, só uma frase ecoava dentro de mim:

Eu preciso encontrá-lo de novo.

Após o café fomos nos arrumar para seguir para a faculdade, por mais que eu ainda sentisse o toque de suas mãos, eu precisava focar na minha formação, meus pais esperavam muito de mim, não posso desaponta-los por conta de uma aventura passageira. Preciso te esquecer principe misterioso. Mas parece que cada vez que eu dizia que precisava esquece-lo, era como se eu ouvisse sua voz me chamando de minha pequena e sentia o cheiro do seu perfume amadeirado, o toque delicado, mais firmes de suas mãos, todas vez que eu pensava que era apenas uma aventura louca que me permiti viver, é comose eu sentisse um aperto no peito de quem estava perdendo algo de muita importancia.

Tratei de tira-lo da minha cabeça, sempre que me arrumo para as aulas na faculdade, tento ser a mais discreta possivel, cabelos sempre presos, roupas discretas e menos chamativas possível, queria passar e não ser notada, até porque estou ali para estudar e receber meu diploma de fisioterapeuta, mas hoje, justo hoje, não quis prender os cabelos, resolvi deixa-los soltos, como se eles revelassem a liberdade que esperava ter, mesmo com roupas discretas e comportadas, estava um pouco mais dispsta a me arrumar, e assim fiz, o que causou espanto da parte de meus amigos e Thiago não perdeu a chance de fazer piada.

- Uau, amiga, se eu gostasse a fruta, queria ser eu seu principe misterioso. Essa produção toda hoje tem motivo?

- Apenas decidi mudar.

- Mudar, ou esperança de encontrar o principe misterioso? - Letícia pergunta

- Quem é esse? - Falo fazendo todos rirem - Esqueçam ele, eu também vou esquecer, vamos em busca do nosso futuro que é bem melhor.

Saimos do apartamento e fomos sentido a faculdade, um novo semestre inicia e espero que também um novo rumo em minha vida.

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