Ver seu pai foi aliviador, por mais que a vida dele ainda estivesse em risco.
Malú passou alguns minutos dentro do CTI, pôde tocá-lo, beijá-lo e trocar algumas palavras de afeto, mesmo que soubesse que ele não estava ouvindo. Gil era imponente, um homem valente que, mesmo com dificuldades de demonstrar qualquer carinho, deu o seu melhor, com respeito, dedicação, e sempre a protegeu. Sua mãe havia lhes abandonado cedo, quando Malú ainda era uma criança. Pouco se lembrava da mãe. Um tempo depois, ele sofreu o ataque que o deixou paraplégico. Mesmo assim, não foi impedimento para lhe dar uma boa educação. Agora ela sentia que devia tudo a ele e faria o que fosse possível para que sobrevivesse e tivesse uma chance, ainda que para isso precisasse submeter a Dante. * Assim que saíram do hospital, notaram que a entrada principal estava tomada de repórteres e desta vez foi impossível não passar por eles. Malú se surpreendeu quando Dante a segurou pela mão em uma atitude quase que protetora para lhe desviar das câmeras. Pedro foi à frente, tentando expulsar aqueles que insistiam em fazer todo tipo de pergunta. "Você pretende seguir carreira política e um dia assumir o lugar de seu tio?" "Por qual motivo sequestraram o governador?" "Você já sabe quem assassinou o governador?" A última pergunta fez Malú estremecer, mas logo estavam dentro do carro, não era o mesmo veículo que haviam chegado. Desta vez, quem dirigia era Pedro no banco da frente e Malú seguiu atrás junto de Dante, que já havia lhe soltado como se deixasse bem claro que não quisesse nenhum contato físico. — Não entendo como esses imbecis nos acham tão rápido... — esbravejou Dante. — Certamente foi algum funcionário do hospital. — Pedro afirmou, olhando Dante pelo retrovisor do meio. Malú percebeu que havia algum tipo de interação entre ambos, talvez o tal Pedro fosse o único na face da terra que conseguisse isso. — Pedro, preciso que compre mais roupas para a Malú. Pelo visto, você acertou na medida. Ela notou que os olhos de Dante a percorreram de canto, mais especificadamente suas curvas, e o volume dos seus seios sobre o tecido da blusa, aquilo a deixou rubra, e Dante imediatamente desviou o olhar. — Sim, senhor. — Compre sapatos, lingerie e um modelo de luto. Vamos precisar para amanhã. Aquele diálogo estava sendo desconfortável para Malú. — Deseja que busque uma mala com suas coisas, senhor? — Sim, Pedro. Então, Malú não se conteve. — Para onde vamos? Eu posso saber? Dante olhou para a janela e ficou por um instante observando a vista como no modo automático, depois se virou para frente. — Vamos para Petrópolis. Malú ficou apavorada. — Não, eu não posso sair da cidade, não posso sair do lado do meu pai. — Seu pai vai ficar bem, tem os melhores médicos cuidando dele. A insensibilidade de Dante já estava lhe deixando louca. Malú não conseguiu conter o surto. — Você é um insensível! Então, o telefone de Pedro tocou. — Senhor, é um dos nossos homens — falou, olhando o retrovisor do meio. Dante assinalou com o olhar e imediatamente Pedro parou o carro e atendeu a ligação. — Que bom que finalmente a encontraram! Malú notou que aquela frase deixou Dante mexido de alguma forma, talvez aliviado. Ela não fazia ideia de quem fosse a mulher, no entanto, era visível que ele desejava encontrá-la. Ela olhou pela janela e viu que estavam próximos a um estacionamento, ali tinha um restaurante e estava bastante movimentado. Ansiosa, Malú teve uma ideia, estava farta daquilo tudo, de ter Dante lhe controlando, sem lhe dá respostas. Não confiava nele, poderia fazer mal ao seu pai e por isso precisava conseguir ajuda. Então, arquitetou naqueles segundos várias coisas: conseguir a atenção de alguém que lhe ajudasse, pedir que chamassem a polícia, iria contar tudo o que estava acontecendo, quem sabe acionariam a mídia, assim tudo se resolveria. Ouviu Dante dizer a Pedro, enquanto lentamente levava as mãos até a trava da porta para sua fuga: — Ordene que a levem para Petrópolis. Pedro obedeceu e fez o comando a quem quer que estivesse do outro lado. Então, sobre os saltos das batidas fortes de seu coração, Malú abriu a porta rapidamente e saiu. Dante bufou, irritado ao ver o que ela estava fazendo. Ele abriu a porta e a seguiu com os olhos tranquilamente, a viu correr em direção ao estacionamento. — Porra, Maria Lúcia! — Dante esbravejou. No entanto, ele não se moveu do lugar. Pedro desligou o telefone, guardou no bolso e olhou para Dante como se aguardasse alguma ordem. Talvez aquela fosse sim uma ideia louca, mas Malú precisava fazer algo. Sentia-se tão impotente diante daquela situação que chegava a ser sufocante. Conseguiu entrar no restaurante, estava com pouco movimento devido ao horário, rapidamente entrou no banheiro, ainda temerosa de não conseguir concretizar o seu plano. Olhou para trás várias vezes para se certificar de que teria tempo, e por algum motivo, Dante não estava lhe seguindo. Aquilo a deixou confusa, para ganhar tempo, ignorou o banheiro feminino, seria óbvio demais, por isso adentrou o masculino. Respirando com dificuldade, ela viu um homem secando as mãos. Mesmo morrendo de vergonha, se aproximou e implorou: — Por favor, eu preciso de ajuda! — ela ainda respirava com dificuldades. O homem de estatura alta, barba longa e tatuagens lhe avaliou da cabeça aos pés. — Em que eu posso te ajudar, gatinha. Então, ela notou o tom malicioso em sua voz. — Eu... só preciso do telefone... tenho que ligar para a polícia... Estou em perigo... Malú engoliu seco, se saísse, poderia ser pega por Dante, se ficasse, não sabia o que aquele homem à sua frente poderia lhe fazer, o nojento lhe analisava da cabeça aos pés como se ela estivesse nua. E, por algum motivo insano, se sentiu mais segura quando estava com Dante. Então, deu alguns passos ainda de costas para sair. — Muito obrigada... Mas eu entrei no banheiro errado... Porém, sentiu o homem lhe empurrar, seu corpo bateu contra o azulejo frio do banheiro. Ela ficou em pânico. — Eu tenho um telefone bem aqui. Malú estava trêmula ao sentir a mão dele lhe forçar a tocar o volume de suas calças, o maldito ainda estava ereto. Ela fechou os olhos, apavorada. Então, a porta se abriu com violência. — Oh, irmão, não percebeu que estamos ocupados? — O nojento falou sem ao menos olhar quem chegara. Malú tremia apavorada entre um choramingo. Então, fechou os olhos. Até que ouviu uma voz que, naquele instante, era sua salvação. — Tira suas mãos imundas dela! Era Dante, e ela abriu os olhos imediatamente. O mais estranho era que naquele momento sentiu alívio. Quando Dante percebeu o que estava acontecendo, empurrou o homem e manteve Malú sobre suas costas em atitude protetora. — Você está bem? — perguntou em tom preocupado. Ainda nervosa, apenas acenou com a cabeça que sim. O viu socar o canalha enquanto ainda tremia tensa. Após socos bem merecidos, Dante ordenou a Pedro que terminasse o serviço. Malú nem o havia notado ali. Ela estava angustiada entre o que tinha acabado de acontecer e os pensamentos sobre a consequência daquilo. No entanto, Dante se aproximou e a envolveu com um dos braços de forma acolhedora, a levando para fora até o carro. Ali, tão perto dele, sentiu um cheiro inebriante de colônia masculina, uma fragrância refrescante que a fez esquecer por um instante tudo aquilo que estava acontecendo. Seu rosto repousou sobre seus ombros e pode sentir o calor do seu corpo. Malú se sentiu estranha com tantos sentimentos novos, naquele instante ele parecia ser outra pessoa, em nada se parecia com o homem frio e ríspido que ela conheceu, nem tão pouco um assassino. Porém, quando enfim chegaram ao carro, o sentiu lhe soltar, e era nítido que Dante tinha pressa em se manter longe. Malú se apoiou no capô e abraçou o próprio corpo, sentindo um completo vazio. — Mas que inferno, era só você ter obedecido uma simples ordem! Eu teria matado aquele filho da puta, sabia? Estava agitada, ela tinha plena certeza de que ele seria capaz. Mais uma vez, fez a única coisa que conseguia, chorou copiosamente. Dante permaneceu implacável. — O que você pretendia, Malú? Ia pedir para ele chamar a polícia? Ia dizer que me viu matar o meu tio? Porra! — ele socou a porta do carro com força. Ela falou, agoniada: — Por que você está fazendo isso comigo... Por quê? Eu só quero respostas... Dante se aproximou, era visível uma veia dilatada em sua têmpora devido à raiva. Sua respiração também estava rápida demais. No entanto, ele olhou em seus olhos e novamente se perdeu neles, imaginou o que aquele homem no banheiro poderia ter feito e um sentimento homicida queimou em seu corpo. Ela era tão ingênua, uma mistura angelical e doce, quase que como de uma criança. Sem notar, Dante chegou seu rosto mais perto de Malú, seu corpo prensou o dela no carro, ela sentiu o toque de seu peito que subia e descia na medida em que respirava. Dante apoiou as mãos na lataria de forma que ela ficou presa em seus braços, a boca dele chegou tão perto quanto o resto do corpo, e ela pôde jurar por um instante que ele a beijaria. Os olhos dele se perdiam ora nos seus e ora em sua boca, praticamente hipnotizado, rígido, sério, lhe desejando como se estivesse a ponto de perder o juízo se não o fizesse. Porém, após um esforço descomunal, Dante respirou profundamente, se recompondo e apenas deixou as coisas bem claras: — Olha aqui, se você fizer outra besteira como essa, eu juro que mando desligar os aparelhos do seu pai, e você será a única responsável pela morte dele! Ela engoliu seco aquelas palavras numa confusão de sentimentos, eram como se uma faca lhe fosse enfiada no estômago. Pedro se aproximou tranquilamente, como se não estivesse acabado de espancar um cara. — Senhor, podemos partir. Malú nem se importou em saber o que Pedro teria feito com o patife do banheiro. Sentiu a mão rude de Dante lhe colocar para dentro do carro sem nenhuma delicadeza. Já acomodada, viu Dante dar a volta e se sentar na frente, ao lado de Pedro. O resto da viagem seguiu naquele completo silêncio a que ela já estava se acostumando.