02
Todos estavam na correria naquela manhã de sábado. O senhor Elói, o tal empresário, deixou um recado com a recepcionista autorizando nossa entrada em sua sala. No corredor, reparei em algumas malas encostadas junto à parede — sinal de que ele havia acabado de retornar de viagem.
A porta se abriu com um leve estalo.
Um homem alto, de postura impecável, surgiu diante de nós. Pele clara, barba recém-feita, olhos intensos e um sorriso que quase parou o meu mundo. Era Elói. Fiquei paralisada por um instante, abobalhada com tanta beleza concentrada em uma única pessoa.
— Pode entrar — disse ele com a voz firme, mas gentil.
Assenti, ainda um pouco atordoada. Papai ficou do lado de fora, preferindo me deixar conduzir aquela conversa.
Entrei na sala. O cheiro amadeirado do ambiente misturava-se ao leve perfume dele. Luxuosa, moderna e organizada, a sala tinha vista para a cidade através de uma enorme parede de vidro. Ele caminhou até sua mesa e apontou para uma das poltronas.
— Sente-se, por favor. Espero que o café da manhã tenha sido tranquilo — disse ele, pegando um copo de água.
— Foi, obrigada — respondi, tentando parecer confiante.
Ele me analisava com curiosidade, como quem tentava ler cada detalhe meu. Algo em seu olhar me deixava desconcertada, como se ele soubesse mais sobre mim do que eu mesma.
— Então... você é a filha do seu Henrique — comentou, cruzando os braços.
Assenti, sem saber se aquele tom era de admiração ou julgamento.
— Ele fala muito de você — completou, agora com um sorriso que parecia esconder segredos.
Antes que eu pudesse responder, ele caminhou até um dos armários e puxou um envelope.
— Isto aqui... é o motivo pelo qual pedi para conversarmos pessoalmente.
Colocou o envelope sobre a mesa, empurrando-o levemente em minha direção. Meu coração acelerou. Por que eu? O que havia ali dentro?
Com as mãos um pouco trêmulas, estendi os dedos até o envelope. Olhei para Elói, buscando algum indício em seu rosto que me preparasse para o que encontraria ali. Mas ele apenas manteve aquele sorriso indecifrável, como se estivesse testando minha reação.
Abri o envelope com cuidado. Dentro, havia uma proposta de trabalho — ou pelo menos parecia ser. Um contrato, uma carta de recomendação escrita por meu pai e um cartão com o símbolo da empresa de Elói em alto-relevo dourado.
— Eu... não entendi — murmurei, folheando as páginas.
— Seu pai comentou sobre seu talento, seu comprometimento e... sua coragem. Coisas raras de se encontrar hoje em dia — ele disse, andando lentamente ao redor da mesa, parando próximo demais. — E eu tenho um projeto que precisa exatamente disso.
Levantei os olhos para ele, tentando manter a compostura mesmo com a proximidade de sua presença.
— Que tipo de projeto? — perguntei, com a voz mais firme do que esperava.
— Um projeto de expansão internacional. Vamos abrir uma filial da empresa em Seul, e quero alguém jovem, com ideias novas e que não tenha medo de desafios. Alguém que não se intimide com ambientes dominados por tubarões. Alguém como... você.
— Mas por que eu? — questionei, ainda tentando entender onde eu me encaixava naquilo tudo.
Ele se inclinou um pouco, apoiando as mãos na mesa, e disse com uma calma que arrepiava:
— Porque você me intriga. E porque acredito que, no fundo, você sabe que nasceu para mais do que a zona de conforto onde vive.
Meu coração disparou. Não era apenas uma proposta de emprego. Era um convite para mergulhar em algo maior — perigoso, talvez, mas tentador.
E, no fundo, algo em mim queria dizer sim.
— E... quando eu teria que ir? — perguntei, quase num sussurro.
Elói sorriu. Um sorriso lento, confiante, que me deu arrepios.
— O avião parte em uma semana. E se você aceitar... vamos juntos.
Meu coração pareceu parar por um segundo. “Vamos juntos.” As palavras ecoaram na minha mente como um chamado perigoso e sedutor. Elói continuava me olhando com aquele ar calmo e decidido, como se já soubesse minha resposta. Mas eu não sabia. Eu estava dividida entre o impulso de aceitar e o medo de me perder.
— Uma semana? — repeti, tentando ganhar tempo. — Isso é muito rápido...
— O mundo não espera, senhorita — ele disse, pegando uma caneta e girando-a entre os dedos. — E, francamente, oportunidades assim também não.
Cruzei as pernas, endireitei a postura e olhei diretamente em seus olhos.
— Você sempre j**a tão direto assim?
Elói soltou uma risada baixa, quase inaudível. Aproximou-se ainda mais, agora sentado à minha frente.
— Só quando encontro alguém que vale a sinceridade. E, honestamente, estou curioso pra saber até onde você consegue ir... — Ele fez uma pausa e depois acrescentou: — Claro, se não tiver medo de se misturar com lobos.
— E se eu for um deles? — rebati, surpreendendo até a mim mesma.
Os olhos dele brilharam de forma diferente. Havia ali uma faísca de aprovação, talvez até de interesse além dos negócios.
— Então estamos falando a mesma língua — murmurou.
O ar entre nós ficou denso. Não sei se era a proposta, o olhar dele, ou o fato de eu estar ali, sozinha, prestes a aceitar uma reviravolta completa na minha vida.
O celular dele vibrou na mesa. Ele lançou um olhar rápido para a tela e suspirou.
— Preciso atender. Mas leve o contrato com você. Leia com calma, pense. E me dê sua resposta até segunda-feira. O tempo está correndo, e eu... — ele se levantou e andou até a porta — gosto de decisões firmes.
Já de pé, peguei o envelope, ainda sentindo seu olhar nas minhas costas. Quando virei para sair, ele acrescentou, em tom quase sussurrado:
— Ah... e prepare-se, senhorita . Se você disser sim, sua vida jamais será a mesma.
Saí da sala com o coração acelerado, as pernas trêmulas e uma certeza crescente de que havia acabado de abrir a porta para algo muito maior do que esperava.