Não sou mulher de ninguém
Às 19h, eu ainda encarava o espelho, dividida entre dois vestidos. O preto, clássico e direto. O vinho, firme e elegante. Escolhi o vinho — ele dizia o que Elói queria: “Eu comando minha própria história.”
Cabelo preso em um coque moderno, batom escuro, delineado preciso, salto alto. Tudo dizia: não sou acessório, sou presença.
Às 19h30, a buzina soou. Desci com o coração em brasa. Papai apareceu no corredor. Não disse nada. Apenas sorriu de lado. Lá fora, o carro preto me esperava. O vidro baixou devagar, revelando Elói — blazer escuro, olhar hipnótico.
— Está absolutamente no controle — disse ele.
— Sempre estive — respondi.
O trajeto foi silencioso, mas cheio de significado. Uma música instrumental preenchia o ar, e de tempos em tempos, ele me olhava com atenção. Elói era do tipo que lia pessoas. Eu, do tipo que se deixava decifrar apenas quando queria.
— Jantar em um rooftop privado. Vista da cidade. Boa comida. Uma ou duas propostas indecentes — disse ele, com um meio sorriso.
— Desde que saiba que não como na palma da mão de ninguém.
— Ainda bem. Prefiro quem vira o jogo.
O lugar era sofisticado, intimista. Luz baixa, música elegante, poucos presentes — todos com cheiro de poder. Entramos de braços dados. E quando atravessamos o salão, senti os olhares. Não porque eu era “a acompanhante”. Mas porque estávamos no mesmo nível.
O garçom serviu vinho. Elói ergueu a taça:
— Cabernet Sauvignon, 2014. Forte, encorpado, intenso. Como você.
— Já começou a me comparar com vinho?
— Apenas com os melhores.
Enquanto comíamos, Elói ia descrevendo os presentes. Nomes, posições, interesses. Até que comentou:
— Oliver Lopes vai sondar o projeto de Seul. Mas o que ele quer mesmo... é saber até onde eu vou com você.
— E até onde você vai?
Ele apenas sorriu. Antes que eu dissesse algo, uma voz nos interrompeu:
— Elói Riveira... sempre chegando com um furacão ao lado.
Virei o rosto. Um homem se aproximava. Alto, elegante, olhar afiado.
— Jonathan Katsu — Elói se levantou. — Não sabia que estava no Brasil.
— Cheguei ontem. Ouvi falar da sua nova aposta... — olhou para mim. — Sou Jonathan.
— Já ouvi seu nome — respondi. — Mas não contaram se era mito ou ameaça.
— Depende do jogo.
— Ela não está jogando — cortou Elói. — Está decidindo se assume o tabuleiro.
Jonathan sorriu.
— Nesse meio, nem todo rei protege sua dama. Às vezes, ele a sacrifica.
Senti um calafrio. Elói permaneceu sereno.
— Boa noite, Jonathan.
Quando ele se afastou, perguntei:
— Quem é ele, de verdade?
— Um velho amigo. Ou inimigo íntimo. Depende de como essa história evolui.
A tensão agora era outra. Já não era apenas charme. Era jogo. E eu estava dentro.
Na saída, recusei o paletó que Elói ofereceu. Queria continuar firme.
— Vai me dizer quem ele é?
— Jonathan? Já foi meu sócio. Jovens demais, gananciosos demais. Saí antes de tudo explodir. Ele nunca perdoou.
— E por que ele parece saber tanto sobre mim?
— Porque agora você é o centro do tabuleiro.
Quando o carro parou em frente ao meu prédio, ele falou:
— Se decidir ir para Seul comigo, não será só trabalho. Vai precisar confiar em mim.
— E cair num buraco?
Na cobertura.
O elevador subiu lento demais. O coração, rápido demais. Bati levemente à porta. A voz dele ecoou:
— Entre.
Elói estava junto à janela, camisa azul-marinho, mangas dobradas, luz do pôr do sol tocando seus ombros. Virou-se devagar.
— Vejo que levou a sério o salto alto.
— Disse que não era fácil lidar comigo. Achei justo vir armada.
— Gosto disso.
— Do quê?
— De mulheres que sabem a força que têm... e ainda assim não têm medo de arriscar.
Ele apontou para uma pasta.
— Precisamos revisar o contrato. Mas antes disso... está aqui por causa do projeto ou por mim?
Engoli em seco. A resposta estava presa entre o que eu devia dizer… e o que eu queria dizer.
Talvez fossem a mesma coisa.