O quarto estava escuro, mas meu corpo inteiro sabia que ele ainda estava acordado.
Dante não dormia fácil.Don nenhum dorme.
Talvez fosse o peso de carregar tantos nomes mortos nas costas.
Talvez o medo de se permitir fraquejar por um segundo — e acabar com uma bala na cabeça.
Naquela madrugada, virei no colchão, olhando para a sombra que era ele.
— Quem você acha que tentou me matar? — perguntei, num sussurro.
Silêncio.
— Dante?
— Eu já sei quem foi — ele respondeu, a voz mais grave do que o habitual.
— Como?
— Rastreadores, câmeras internas, padrões de movimentação… e desconfiança.
— Vai entregá-lo à justiça? — perguntei, amarga.
Ele se virou. Os olhos encontraram os meus.
— Eu sou a justiça, Serena.
No dia seguinte, a casa estava estranhamente silenciosa.
As criadas andavam com a cabeça baixa.
Os seguranças não cruzavam os olhos.
Algo estava acontecendo — e eu não fui convidada a saber.
Fingi que não percebi. Mas quando Lorenzo passou apressado pelo corredor, segui seus passos.
Eles desceram para o subsolo.Para além da sala de reuniões.
Um lugar onde, até então, eu não sabia que existia.
Me escondi atrás de uma pilastra. E ouvi.
— Você teve sua chance, Marco — disse Dante, calmo demais.
— Don, eu juro… não fui eu…
— Você forneceu os horários da casa. Os trajetos dela. E acessou o sistema de vigilância da torre norte.
— Eu… eu só obedeci ordens!
— De quem? — Dante perguntou, sem se mover.
— Eu não posso…
Um estalo seco.
O som de um soco direto.
Marco caiu no chão com um gemido.
Meu estômago revirou.
Não pelo sangue.
Mas pela frieza.
— Eu dei a você comida, abrigo e uma farda.
E você tentou matar minha esposa.
Isso é traição.
E traição… tem apenas uma punição.
— Dante, por favor…
Um tiro. Curto. Preciso. Silenciado.
O corpo de Marco caiu sem cerimônia.
Lorenzo puxou um lenço e limpou o sangue que respingou nos sapatos de Dante.
— Cuide disso — ele disse, já se virando para sair.
Eu recuei, coração acelerado, mente em choque.
Mas antes que eu escapasse, ele me viu.
— Serena.
A voz dele não era brava.
Era decepcionada.
— Está me seguindo?
— Não. Eu… eu só desci.
— E viu demais.
— Eu já sabia que você era um assassino.
— Não. Você imaginava. Agora você viu.
Silêncio.
— E então? Vai me odiar mais agora?
— Eu não sei — respondi, com a voz tremendo. — Mas talvez... agora eu finalmente acredite em tudo que dizem sobre você.
— E o que dizem?
— Que você não tem alma.
Ele se aproximou. Devagar.
Como se não quisesse assustar.
— Eu a perdi. No mesmo dia em que deixaram Giulia sangrando em um beco de Florença.
— Você a amava?
— Eu a mataria se ainda estivesse viva — respondeu, a boca dura. — Porque ela me traiu.
Mas sim. Eu a amei.— Então é isso o amor pra você? Uma corda em volta do pescoço?
Ele deu um passo ainda mais perto.
E me olhou com algo que parecia um furacão contido.
— O amor, Serena… é a única coisa capaz de quebrar um homem como eu.
Por isso eu fujo dele.
— E acha que pode fugir de mim?
— Não — ele sussurrou. — E é isso que me apavora.
Naquela noite, sentei na beira da cama com as mãos trêmulas.
Eu não sabia mais onde começava o ódio e terminava a... curiosidade.
Ele me atraía.
E me assustava.
Mas, mais do que tudo, ele sabia disso.
— Você vai se arrepender de me querer — disse ele, parado na porta do quarto.
— E você vai se perder se começar a me desejar — respondi, firme.
Ele caminhou até mim.
Devagar.
Cada passo, uma provocação.
Parou diante de mim, o olhar mergulhado em algo que parecia febre.
— Por que ainda não fugiu?
— Porque, de algum modo doentio… eu quero ver onde isso vai dar.
Ele se abaixou, ficou na minha altura.
— Sabe o que me mantém acordado à noite, Serena?
— O medo de amar?
Ele sorriu. Um meio sorriso perigoso.
— O pensamento de que, se eu te perder… talvez não sobre nada de mim.
E então, ele se inclinou.
Mas não me beijou.
Apenas encostou a testa na minha.
— Quando esse beijo acontecer — sussurrou —, vai ser no meio da ruína.
Porque eu vou te destruir.
E você… vai me amar mesmo assim.