A tarde seguia tranquila e cheia de afeto quando, de repente, ouvimos passos firmes no corredor. Não precisei nem levantar os olhos para saber quem era. Minha mãe entrou na sala com aquele ar determinado e acolhedor de sempre, carregando um pano de prato nos ombros e um sorriso no rosto.— Olha só quem apareceu por aqui! — exclamou, abrindo os braços ao ver Rafaela.Rafa se levantou do tapete, onde ajudava Nandinho a colorir, e correu para abraçá-la com carinho.— Tia Fátima! Que saudade!— Vem cá, menina linda! — disse minha mãe, apertando Rafaela com força. — Como você está?Rafa suspirou e se afastou um pouco, fazendo careta:— Ah, levando, né? A vida sentimental está um fiasco, pra variar.Dona Fátima riu alto e deu um tapinha no ombro dela.— Então junte-se ao time, minha filha! — apontou para Bea, Murilo e para mim. — Esses três têm doutorado em desastre amoroso!Meus amigos caíram na gargalhada, e eu acompanhei, sacudindo a cabeça.— Nós temos apenas pós-graduação, já a Analu t
Enzo AlbuquerqueO botão da camisa social me pareceu mais difícil de fechar do que o normal. Talvez fosse a falta de vontade. Ou talvez fosse só o fato de que eu realmente não queria estar indo a lugar nenhum hoje muito menos a um jantar beneficente com Bianca Ferraz pendurada no meu braço como uma bolsa de grife desnecessária.— Você precisa ir, Enzo. — disse minha mãe, minutos antes, com aquele olhar firme de quem estava acostumada a ser obedecida. — É importante para nós, e Bianca é filha de um dos nossos principais investidores, não porque você não está mais na empresa que não vai ajudar. Seja cordial, sorria e não fale sobre você sabe quem. Trinquei o maxilar.— Ótimo, então leva um boneco de cera no meu lugar.Ela suspirou, impaciente, e saiu do meu antigo quarto. No fundo, eu sabia que ela só queria o melhor para os negócios dela. Mas ultimamente, negócios eram a última coisa que eu queria pensar. A gravata estava torta. Soltei e joguei em cima da cama. Peguei outra. Azul e
Richard e eu trocávamos farpas como dois garotos birrentos competindo pelo mesmo brinquedo. A tensão entre nós era visível a metros de distância, e eu tinha certeza de que qualquer um que nos observasse perceberia. Ana Luiza, sentada ao lado de Richard, cruzou os braços e revirou os olhos pela terceira vez só naquela conversa insuportável.— A verdade é que ela tá bem melhor agora. Comigo. — Richard provocou, com um sorriso torto que me dava vontade de socá-lo.— Não duvido. Você é um especialista em aparência, afinal. Deve ser ótimo manter um relacionamento de fachada. — retruquei, bebendo o restante do champanhe da minha taça.— Pelo menos eu não a tratei como lixo quando ela mais precisava.Aquilo doeu. Mais do que eu gostaria de admitir.— Já chega! — Ana Luiza explodiu, levantando-se com força suficiente para que a cadeira arrastasse pelo chão, atraindo olhares curiosos ao redor. — Eu não preciso disso. Não vim aqui pra participar de um jardim de infância com dois homens que pare
Ana Luiza Martinelli Acordei com uma leve dor no corpo, reflexo da noite intensa que tive com Enzo. Estava em sua cama, enrolada nos lençóis brancos que ainda tinham o cheiro dele. Respirei fundo, sentindo uma pontada de culpa. Sim, eu era uma filha da puta. E não nego. Às vezes, o desejo fala mais alto, e a cabeça simplesmente para de funcionar. A verdade é que mulheres também têm seus impulsos, e naquela noite eu fui guiada por eles.Ouvi a porta do banheiro se abrir e vi Enzo sair, só de toalha, com o cabelo molhado. Um sorriso bobo se formou nos meus lábios. Ele era lindo, não posso negar.— Bom dia, dorminhoca — ele disse, animado. — Fiz café. Vem comer comigo.— Preciso ir — murmurei, me levantando e recolhendo minhas roupas que estavam espalhadas pelo chão.Ele se aproximou e segurou meu braço suavemente.— Pelo menos toma café. Eu te levo depois.Parei por um instante, encarando o rosto dele. Estava tão gentil, tão carinhoso… suspirei e concordei com a cabeça.— Tá bom… també
O quarto do hospital era pequeno, iluminado apenas por uma luz suave no teto. O sol ainda nem tinha se levantado por completo, e mesmo assim eu já estava desperta, sentada na poltrona ao lado da cama de Nando, observando cada movimento do seu peito subindo e descendo com dificuldade. O soro pingava lentamente no acesso em seu bracinho fino, e o oxigênio leve no nariz fazia um barulhinho constante. Era doloroso vê-lo assim, tão frágil, sem energia, sem aquele sorriso que sempre iluminava meu dia.Suspirei e peguei o celular. Eram duas e vinte da manhã. Sabia que precisava ligar para o Enzo, não podia simplesmente desaparecer do trabalho sem dar satisfação, ainda mais agora, com uma reunião importante marcada para hoje. Respirei fundo e disquei o número dele.— Ana? — a voz dele atendeu, ainda um pouco sonolenta. — Está tudo bem?— Enzo... eu sei que é muito cedo, me desculpa — falei, tentando manter a voz firme. — Preciso pedir dois dias fora do trabalho.Houve uma pausa.— Dois dias?
— Alô?— Mãe... — minha voz falhou de imediato.— Ana? Que voz é essa? O que aconteceu, filha?Fechei os olhos com força.— Mãe, por favor... vem pro hospital. Eu não consigo mais... Eu preciso de você.Houve uma breve pausa do outro lado da linha.— Estou indo. Agora mesmo.Algumas horas se passaram até que vi, pelo vidro da porta, minha mãe chegando acompanhada de Gabriel. Assim que ela entrou e me viu sentada em uma das cadeiras, com os olhos inchados e o rosto abatido, parou no meio do caminho.— Meu Deus... Ana...Ela veio até mim com os braços abertos, e eu não consegui dizer nada. Apenas me deixei abraçar. Gabriel se aproximou devagar, em silêncio.— O que aconteceu? O que o médico disse? — minha mãe perguntou, já chorando antes mesmo da resposta.— É câncer, mãe... — minha voz saiu fraca. — Um linfoma. Ele... ele vai precisar de tratamento. Quimioterapia e mais um monte de outras coisas.Ela levou as mãos à boca, os olhos marejados.— Não... meu netinho, não... — sussurrou. —
Enzo AlbuquerqueEstava em meu escritório pensando no que poderia ter acontecido com Ana Luiza para que ela precisasse se ausentar por dois dias. Na verdade, ela anda estranha ultimamente, sempre tentando me dizer que precisava me contar algo, mas que não podia naquele momento. Eu estava divagando, perdido nesses pensamentos, quando minha irmã entrou feito um furacão.— Oi, irmão mais lindo do mundo! — disse ela, rindo.— O que você quer, tampinha? Estou ocupado.— Quero almoçar com o maninho mais lindo que tenho.— Rafa, por que está me bajulando? O que você quer? — Rafaela estava feliz demais para o meu gosto.— Nada demais, apenas tive uma noite maravilhosa com um cara lindo, gostoso e gato.Encarei minha irmã por alguns segundos e balancei a cabeça.— Não quero saber da sua vida romântica. Se quiser almoçar comigo, sente-se ali e me espere um pouco. — Ela bateu palmas, animada, e se sentou.Voltei minha atenção para o meu trabalho. Depois, fomos almoçar. Após o almoço, Rafa me aco
Ana Luiza Martinelli Gabi já havia ido embora. Precisava trabalhar. Antes de sair, me deu um abraço apertado e disse:— Qualquer coisa, me liga. Estou a um telefonema de distância, Ana. Não hesite.Assenti, grata por ter um amigo como ele. Agora, o quarto estava silencioso, apenas com os sons dos aparelhos monitorando meu pequeno guerreiro. Minha mãe cochilava na poltrona ao lado da janela, e eu estava de pé ao lado da cama do meu filho, observando atentamente os movimentos do médico e da enfermeira.Ela colhia sangue do bracinho dele com todo o cuidado do mundo, enquanto meu filho apertava com força o boneco de pelúcia do Capitão América contra o peito. Seu olhar estava calmo, mas seus olhos cansados não passavam despercebidos por mim.— Pronto! Acabou. — disse a enfermeira com um sorriso reconfortante.— Eu fui um hominho, tia. Não ganho um pirulito? — perguntou ele com a voz fraca, mas esperançosa.A enfermeira riu, trocando um olhar cúmplice com o médico, que assentiu. Ela então