O clima começou a mudar. O vinho, as risadas, os olhares que demoravam mais do que deveriam. A tensão entre nós era quase palpável, eletrificando o ar. Um calor subiu pelo meu corpo, fazendo meu coração acelerar sem permissão.O jantar, que deveria ser apenas uma conversa amigável, estava ganhando contornos perigosamente sexy. E eu precisava puxar o freio antes que acabasee acordando na cama dele ou em algum quarto de motel. Respirei fundo, decidida. Apoiei a taça na mesa e o encarei com seriedade.— Enzo, tenho algo sério pra te contar — comecei, sentindo minhas mãos suarem.Antes que ele pudesse responder, uma voz fria e cortante atravessou o ambiente, cortando a nossa conexão como uma lâmina afiada.— Que decepção, Enzo.Virei o rosto em direção à voz. E lá estava ela. Heloíse.Parada à beira da nossa mesa como uma estátua de arrogância, impecavelmente vestida, olhando para mim como se eu fosse a sujeira embaixo do sapato dela.— Decepcionada por ver meu filho recusar um jantar co
O som das chaves girando na fechadura ecoou baixinho no corredor do meu apartamento. Entrei tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas o coração ainda batia descompassado no peito. Queria apenas um pouco de paz... uma trégua depois da noite catastrófica que tive.Assim que empurrei a porta, fui recebida por uma cena que aqueceu meu peito machucado: Nando, com os olhinhos semicerrados, quase dormindo no sofá, abraçado ao travesseiro pequeno que sempre levava para todos os lados. Quando me viu, os olhinhos brilharam e, num pulo desajeitado, ele correu até mim.— Mamãe! — gritou, sua vozinha carregada de saudade.Ajoelhei-me no chão, abrindo os braços para ele se jogar em mim. O abracei apertado, sentindo seu cheirinho de shampoo infantil e o calorzinho do seu corpinho pequeno contra o meu. — Estava com muita saudade de você, meu amor — murmurei contra seus cabelos macios.— Eu também, mamãe... — ele disse, com a voz embargada de sono, mas cheia de amor.O peguei no colo, sentindo
Enzo AlbuquerqueO som abafado do motor do carro parecia acompanhar o turbilhão dentro da minha cabeça. Minhas mãos apertavam o volante com força enquanto eu dirigia de volta ao restaurante, com o estômago revirando a cada quilômetro percorrido. Não consegui ficar em casa. Muito menos conseguiria dormir com toda a bagunça que havia acontecido naquela noite. Ana foi embora. E junto dela, se foi também a sensação de que ainda tínhamos alguma chance. Estacionei em frente ao restaurante. As luzes ainda estavam acesas, e era claro que minha mãe ainda estava lá, provavelmente regozijando-se pela vitória mesquinha que havia conquistado. Saí do carro, batendo a porta com força, e caminhei decidido até a entrada. O lugar estava vazio, o salão ecoava o som dos meus passos apressados. Encontrei minha mãe sentada em uma das mesas, mexendo no celular com a expressão de quem não tinha feito absolutamente nada de errado. — Espero que esteja satisfeita — falei, sem preâmbulos. Ela levantou
Ana Luiza MartinelliAs horas no trabalho pareciam se arrastar, mas eu não me permitia desviar do foco. Cada tarefa que surgia, cada e-mail pendente, cada documento para revisar, eu resolvia com a mesma dedicação de sempre talvez até mais. Mergulhar no trabalho era a minha fuga, o único jeito de manter minha mente longe da bagunça emocional que havia se instalado depois da última noite.Estava digitando uma planilha de orçamento quando o celular começou a vibrar sobre a mesa. Olhei de relance para o visor e vi o nome de Richard. Respirei fundo antes de atender.— Alô? — atendi, mantendo o tom neutro.— Ana! — a voz animada dele me alcançou do outro lado da linha, carregada daquele entusiasmo típico que sempre me fazia sorrir, mesmo quando eu não queria. — Tudo bem por aí?— Tudo — respondi, embora soubesse que aquela resposta era mais para mim mesma do que para ele.— Estou te ligando porque... — ele começou, e pelo tom percebi que vinha um pedido. — Eu sei que é meio em cima da hora,
Encarei aquela mulher, incrédula. Não acredito que ela está fazendo isso novamente.— Agradeço a oferta, mas não vou pedir demissão só porque você quer. — Ela me encarou de forma gélida.— Para o seu bem, acho melhor aceitar. Você sabe muito bem do que sou capaz.— Eu não sou mais aquela moça ingênua de anos atrás. Saiba que, se me atacar, receberá de volta.Quando ela estava prestes a abrir a boca, meu irmão apareceu. Assim que viu quem estava na minha sala, me encarou.— O que essa mulher está fazendo aqui, Lu? Você está bem?— Estou sim, Gabby. A Eloise já estava de saída.— Te darei uma semana para pensar. E, se quiser, aumento a oferta.Ela se levantou e pisou em algo. Logo vi que era um dos bonecos do Nando. Ela olhou para o brinquedo, e eu olhei para o meu irmão.— Dá pra parar de pisar no meu item de colecionador? — ele disse.— Ah, sim! Desculpe, não sabia que um homem como você brincava de bonecos.— O que eu faço não é da sua conta. Agora, se retire da casa da minha irmã.E
Fátima Maria Martinelli Ajeitei o colar no pescoço, conferindo o reflexo no espelho pela terceira vez. Um vestido vinho de tecido leve, cabelo preso num coque baixo e um batom discreto. Suspirei. Fazia tempo que não me arrumava com tanto cuidado, mas com Lorenzo… Ah, Lorenzo despertava em mim algo que há muito eu acreditava estar adormecido.O restaurante era lindo. Um típico italiano, com luzes amareladas penduradas como pequenas estrelas e uma música suave tocando ao fundo. Quando o vi à minha espera, de pé junto à mesa com um sorriso encantador, meu coração deu um pequeno salto.— Buona sera, bella donna — ele disse, com aquele sotaque levemente arrastado que fazia tudo soar mais poético.Sorri, sentindo um leve calor subir pelas minhas bochechas.— Boa noite, Lorenzo.Ele puxou a cadeira para mim, com toda a gentileza que parecia fazer parte do seu DNA, e assim que me sentei, ele se acomodou à minha frente.— Hoje você terá uma verdadeira experiência italiana. — Ele disse com os
Entrei em casa com o coração leve, os pés quase flutuando. Havia algo de mágico naquela noite — talvez o vinho, talvez o toque de Lorenzo, talvez o simples fato de me sentir desejada, viva. Fechei a porta com cuidado, tentando não fazer barulho. A casa estava em silêncio, e por um segundo pensei que Ana Luiza ainda estivesse dormindo. Mas bastou eu dar alguns passos até a cozinha para perceber que não.Ela estava ali, sentada à mesa, o olhar perdido em algum ponto além da janela. O vapor da chaleira preenchia o ambiente com um aroma suave de camomila, e, ainda assim, ela não parecia perceber. Estava alheia a tudo, mergulhada em pensamentos tão pesados que nem notou minha presença de imediato.— Ana? — chamei suavemente.Ela ergueu os olhos, e um pequeno sorriso cansado surgiu em seu rosto.— Oi, mãe. Já chegou?— Cheguei sim, minha filha — caminhei até ela e toquei seu ombro com carinho. — Está tudo bem?— Tá sim… — ela forçou outro sorriso. — E você, como foi a noite? Pelo jeito, foi
Enzo Albuquerque A luz do fim da tarde atravessava as persianas do meu escritório, criando listras douradas sobre a mesa de mogno. O som do relógio marcava cada segundo com precisão irritante, e meu foco se perdia em meio a contratos, relatórios e uma pilha de decisões que pareciam não ter fim. A verdade é que, por mais que o trabalho me mantivesse ocupado, minha mente andava longe. Desde que reencontrei Ana Luiza, tudo mudou. Eu estava dividido entre o passado e o presente, entre o que perdi e o que ainda poderia reconquistar.O interfone tocou, tirando-me do transe.— Senhor Albuquerque? — a voz da minha secretária soou calma. — O senhor tem uma visita.— Visita? Quem? Tem horário marcado?Antes que ela pudesse responder, a porta se abriu com um estalo e uma voz conhecida preencheu o ambiente.— Desde quando eu preciso marcar horário pra ver meu próprio filho?Sorri instantaneamente ao vê-lo. Meu pai estava vestido com seu blazer de linho claro, um lenço dobrado com perfeição no bo