Ana Luiza MartinelliEstava indo para a sala do Murilo quando a vi. Num blazer vinho, ela parecia dizer "sou poderosa e insuportável" ao mesmo tempo. A peça estava perfeitamente alinhada ao corpo magro e tenso. Seus saltos ecoavam pelo piso de mármore com a arrogância de quem acredita que cada passo molda o mundo.Ela me viu.Claro que viu. Heloíse nunca deixava de notar a presença de alguém principalmente se esse alguém era alguém que ela desprezava. E, por mais que fingisse estar acima disso, o desprezo dela por mim era tão presente quanto o perfume caro que usava.— Ana Luiza — disse, com um sorriso que não alcançava os olhos, mas transbordava sarcasmo —, que bom te ver... por aqui.Revirei os olhos automaticamente. Não respondi. Nem um "bom dia". Nem um "vai à merda". Porque, sinceramente, ela não merecia meu tempo nem minha energia. Segui em frente, mas não sem antes ouvir seu riso baixo, como quem vencia alguma guerra silenciosa.Bati à porta da sala do Murilo com mais força do
Havia algo reconfortante em estar rodeada de gente que te conhece nos seus piores dias e ainda assim escolhe te amar. Murilo era um desses para mim. E agora, com o vinho fluindo e a pizza quase no fim, eu sentia meu humor finalmente começando a se levantar das cinzas como uma fênix meio torta e com ressaca.Nando já estava no terceiro sono, depois de ter enchido a barriga de doce e me feito prometer que assistiríamos desenho pela manhã. Murilo e eu estávamos jogados no tapete da sala, a luz do abajur tornando tudo mais suave, e a comédia romântica que passava na televisão era de um gosto duvidoso, mas cumpria seu papel: nos fazia rir.Entre uma risada e outra, o celular de Murilo vibrou.— Mensagem da Bia — disse ele, pegando o celular e franzindo o cenho. — Ela teve uma noite horrível com um cara. Parece que foi um desastre de encontro.— Tadinha. Manda ela vir pra cá! Quanto mais, melhor. A gente forma o clã dos desiludidos e joga esse sofrimento no vinho.Murilo já estava digitando
No dia seguinte, acordamos no chão, com uma baita dor de cabeça. Assim que nós três levantamos, minha mãe entregou para nós xícaras.— Tomem isso, está bem forte e vai curar a ressaca. — Minha mãe sorriu para nós. — O que eu faço com vocês, minhas crianças na sarjeta?— Só nos abraça, tia. — Bea disse, e minha mãe nos deu um abraço coletivo.Meu irmão surgiu na minha casa, viu aquela cena e ficou nos encarando.— O que houve com esses três?— Estão sofrendo por amor... ou falta dele.— Então vou me juntar a vocês, pois a menina que pensei em pedir em namoro e apresentar à família me trocou por um cara com mais dinheiro. Ela disse que meus óculos e meu estilo são cafonas e que está cansada de me ver como nerd.Senti pena do meu irmão. Ele contava com ressentimento na voz.— Será que meus dois filhos estão fadados a sofrer? — Minha mãe disse, chamando Gabriel para um abraço.— Gabby, quem perdeu foi ela. Você é lindo, estudioso, tem um ótimo trabalho e ainda vai crescer muito na vida. E
(Anos Atrás)Ana Luiza Martinelli A chuva castigava a cidade naquela noite, mas nada poderia se comparar à tempestade dentro de mim. O barulho das gotas contra o vidro da sala ecoava, abafando o som dos meus próprios pensamentos, mas não era o suficiente para silenciar a dor que se espalhava pelo meu peito.Meus dedos tremiam enquanto seguravam o celular, meus olhos fixos na tela, como se, a qualquer momento, aquela imagem fosse desaparecer. Como se, de alguma forma, eu pudesse acordar desse pesadelo.Mas a foto continuava ali. Ele continuava ali.Enzo.O homem que eu amava. O homem em quem confiei sem hesitar. O homem que, agora, estava estampado na tela do meu celular... com outra mulher.Ela sorria para a câmera, uma expressão de pura satisfação, e ele estava ao lado dela. Perto o suficiente para que qualquer desculpa fosse inútil. Seus braços envolviam sua cintura de um jeito íntimo demais para ser um mal-entendido.Meu coração batia forte, não por amor, mas por raiva, por incred
(Seis Anos Depois)Os corredores de vidro refletiam minha imagem conforme eu avançava, os saltos ecoando em um ritmo preciso, como um lembrete do caminho que trilhei até ali. O passado já não pesava mais sobre meus ombros, e a menina insegura, que uma vez trabalhou como auxiliar de serviços gerais para ajudar a família, agora não existia mais. No lugar dela, havia uma mulher confiante, determinada e, acima de tudo, implacável. Os funcionários desviavam o olhar quando eu passava, alguns cumprimentavam com um aceno respeitoso, outros cochichavam entre si, admirados ou intimidados. Eu sabia o que diziam,sabia o que pensavam. Ana Luíza Martinelli não era apenas a nova diretora-executiva, mas também a mulher que nunca aceitava um "não" como resposta. Meu nome já não estava vinculado à humildade do passado, mas à força que conquistei no presente. Ao entrar na sala de reunião, senti os olhares recaindo sobre mim. Alguns eram de respeito, outros, de inveja. Os diretores masculinos foram r
Cheguei à minha sala e me joguei na cadeira, irritada. Não acredito que o passado voltou. Só espero que ele não tenha reaparecido para me atormentar. Ouvi batidas na porta e dei permissão para entrar. — Oi, chefinha! Vai sair para comer ou quer que eu peça comida do seu restaurante preferido? — perguntou Camile. Antes que eu pudesse responder, meu celular apitou e vi o nome de Richard piscando na tela. "Oi, princesa! Ontem você saiu correndo do meu apê, quer almoçar comigo?"Não sentia nenhum sentimento por Richard, mas estar com ele era divertido. Ele era bom no sexo, mas era só isso. "Vou sim, me passa o endereço do restaurante que irei te encontrar."Ele me passou o endereço, e então me virei para Camile, que ainda aguardava minha resposta. — Ca, não se preocupe. Vou almoçar com um amigo. — Ok, chefinha. Bom almoço para você. Ela se retirou, e eu comecei a trabalhar para compensar o tempo perdido naquela reunião idiota. Meu telefone tocou, e Camile me avisou que o n
Na hora do almoço, cheguei ao restaurante indicado por Richard. Assim que entrei, vi que ele já estava à minha espera.— Você está muito linda — elogiou, sorrindo antes de beijar meus lábios.— Obrigada por notar. Você já pediu?Ele negou.— Estava esperando você, linda.Richard levantou a mão e chamou o garçom, que se aproximou rapidamente. Fizemos nossos pedidos e, assim que o garçom se afastou, ele se virou para mim.— E então, como está sendo o trabalho?— Cheio de surpresas. E o seu?— Surpresas? Espero que sejam boas.Hesitei, ponderando se deveria contar, mas preferi mudar de assunto.— Vamos deixar os assuntos de trabalho para depois.Ele concordou, e almoçamos em um clima leve e descontraído. Quando terminamos de comer, pedimos café. Richard começou a acariciar minhas mãos de maneira sensual, e eu sorri. Assim que os cafés chegaram, seguimos conversando animadamente.— Quando poderemos sair novamente? — perguntou ele.— Estou cheia de coisas para fazer. Minha mãe virá me visi
Enzo AlbuquerqueDepois de anos fora do país, finalmente estou de volta. Não que eu sentisse falta daqui, mas agora tenho um novo propósito: a minha própria empresa. Pela primeira vez, algo que construí sem precisar da influência da minha família, sem que meu sobrenome fosse a única coisa que me definisse. Isso significava muito para mim. Finalmente, Enzo Albuquerque seria mais do que apenas o herdeiro de uma dinastia de empresários bem-sucedidos.Minha volta ao Brasil foi estratégica. Passei anos na Europa, absorvendo conhecimento, fazendo contatos, aprendendo sobre o mercado. E agora, com a aquisição da SoftTech, eu tinha algo só meu. Uma empresa promissora, com potencial de crescimento e inovação. E o melhor: sem nenhuma interferência da minha família. Não que eu não os respeitasse, mas estar sempre sob as asas da minha mãe era sufocante. Eu queria construir algo por mérito próprio, provar que era capaz sem precisar da aprovação deles.Entrei no prédio da SoftTech no início da manh