A floresta sussurrava o nome dela como se tivesse medo de esquecê-lo.
Ou medo de lembrá-lo.
Selena Vólkhavaar andava descalça sobre folhas molhadas, as solas dos pés calejadas pela terra crua e pelas decisões erradas. O vento puxava seus cabelos negros como se quisesse esconder o rosto dela do mundo — ou protegê-lo. Mas era tarde demais para proteção. E cedo demais para perdão.
O exílio não a quebrou.
Fez pior: a fortaleceu.
No alto da colina onde os relâmpagos evitavam cair e os pássaros não pousavam, Selena desenhou um novo círculo de poder. Os antigos símbolos queimaram na pedra com o calor do próprio sangue, e quando ela falou a primeira palavra em Étir, a língua do submundo, o mundo tremeu sutilmente sob seus pés.
Feitiços proibidos.
Magia de carne e alma.
Poder conquistado pelo prazer, não pela submissão.
— Que os Deuses se engasguem com sua moral — sussurrou, enquanto riscava a última linha com a lâmina curta presa à coxa. O corte era limpo. Ela não tremia mais. Não desde que fora banida por "corromper os dons da lua".
Era ironia.
A mesma lua que regia as bruxas… também regia as feras.
E a conexão entre ambas era mais antiga que qualquer juramento humano.
Ela se levantou devagar, o corpo coberto por cicatrizes finas e tatuagens mágicas. Cada marca contava uma história. Nenhuma delas tinha final feliz.
Selena não acreditava em finais felizes.
Ela acreditava em poder.
E o poder viria. Com suor, sangue e luxúria.
O calafrio veio sem aviso. Um arrepio que subiu pela espinha como língua quente.
Ela congelou.
Alguém a observava.
— Covarde… — murmurou para o vazio.
A floresta calou.
Ela sorriu. Sabia que tinha tempo. O destino era um animal teimoso.
E ela já podia sentir seus dentes se preparando para morder.
Selena recolheu o punhal, limpando a lâmina na própria coxa. O sangue escorria lento, como se obedecesse. Havia aprendido a comandar o próprio corpo antes de tentar controlar o mundo. Foi a primeira lição. E a mais cruel.
O fogo no círculo se apagou, deixando apenas brasas azuis crepitando no chão.
Silêncio.
A floresta parecia conter o fôlego quando ela estava ali.
Os animais sumiam. O vento ficava denso.
Até a própria noite parecia hesitar ao seu redor.
Ela atravessou o limite do círculo sem olhar para trás. Nunca olhava.
Não por arrogância — por cálculo.
Magia respondia à vontade. Se vacilasse, ela feria. E Selena já tinha se cortado demais.
Caminhou até sua cabana, uma construção retorcida, mais raiz do que madeira. Crescida da terra, moldada pela força da intenção. A porta não tinha tranca. Quem ousaria entrar?
Dentro, o cheiro era de ervas, cera derretida e algo mais denso.
Prazer aprisionado.
Em um dos frascos, uma essência feita do gozo de um homem que implorou por mais antes de morrer.
Em outro, o suor de uma virgem.
Selena não usava ingredientes comuns.
Usava lembranças. Usava alma.
Ela se despiu sem pressa, jogando as roupas sujas no canto. O corpo nu refletia a luz da vela em linhas suaves, mas havia dureza ali. Força.
No espelho negro pendurado no teto — um artefato ancestral roubado do clã — ela viu o reflexo se contorcer. Não seu corpo. A imagem atrás dele.
Algo movia-se no mundo espiritual. Uma sombra alongada. Algo que a encarava.
Não com olhos. Com presença.
Ela estreitou os olhos.
— Quem é você…?
O reflexo se dissipou antes que pudesse ler mais.
Mas ficou.
Não o vulto.
A sensação.
Densa. Quente.
Como uma respiração no cangote.
Ela não estava sozinha.
Não ali.
Não mais.
Selena tocou o colar de ossos pequenos pendurado entre os seios. Era um amuleto antigo, que tremia apenas diante de uma coisa: vínculo de sangue e destino.
E ele tremia agora.
Pela primeira vez.
Ela não sorriu. Não praguejou.
Apenas fechou os olhos, ouvindo os batimentos do próprio coração.
Um. Dois. Três.
A contagem da guerra começara.
A vela se apagou sozinha.
Selena não se moveu.
No escuro, sentia melhor.
Ouviu o estalar da madeira da cabana como se a construção tivesse espasmos. O mundo reagia. A estrutura mágica ao redor dela — a barreira que mantinha espíritos afastados — vibrava como se algo estivesse tentando atravessar.
— Não — sussurrou. — Não hoje.
Fez um gesto com os dedos, e o chão brilhou em linhas vermelhas, traçadas com sangue seco e cinza de ossos. A barreira se estabilizou. O ataque cessou. Mas o aviso ficou.
Estavam sentindo.
O Conselho.
As Anciãs.
A matilha, talvez.
Quem quer que fosse o dono daquele reflexo no espelho.
Selena se jogou sobre a rede de peles costuradas, o corpo ainda nu, a lâmina repousando sobre o peito. Seus olhos encararam o teto, onde marcas arcanas pulsavam como constelações.
Ela estava ficando inquieta. E isso era raro.
Não medo. Nunca medo.
Mas antecipação.
Se o que sentira no espelho era o que parecia ser…
Um vínculo, um chamado instintivo, algo mais fundo que magia —
Estava fodida.
Porque vínculos eram para cadelas submissas e machos territoriais.
E ela não era nem uma coisa nem outra.
Virou-se de lado, enfiando a lâmina sob o travesseiro.
Dormiu com os olhos meio abertos.
Sonhou com floresta.
Com dentes.
E com um par de olhos cor de prata, fitando-a como se já a possuíssem.