A semana passou rápido. Rápido demais.Quando se passa a maior parte dos dias transando, é difícil manter a noção de tempo. Os minutos se misturam, as noites parecem durar horas a mais e os dias se dissolvem no calor da pele, nos suspiros abafados, nos lençóis bagunçados.Minhas marcas, que antes queimavam com uma força incontrolável, agora são apenas um sussurro do que já foram. Um sussurro quente, constante, que me lembra a cada instante que ele é meu. Que nós somos um.Termino de virar a panqueca com cuidado, deixando a massa dourar na frigideira. O cheiro do melaço se espalha pela cozinha da cabana, doce e envolvente. O tipo de aroma que se mistura com o calor da madeira, com a brisa suave da floresta, e com a sensação de que, por um breve momento, tudo está em paz.Sinto as mãos de Alex envolverem minha cintura por trás, fortes e quentes. Ele me abraça com aquele jeito apertado, possessivo e ao mesmo tempo terno. Seu peito nu encosta nas minhas costas, a pele úmida do banho recém
— Deixa comigo. Vai se transformar.— Sério? Vai lavar a louça como despedida?— Como prova de amor — ele pisca, e eu rio.— Poético.— Realista. Vai logo, minha lobinha. Tá na hora de voltarmos.Saio da cabana com um sorriso no rosto. A brisa da manhã bate suave na minha pele, ainda quente do banho. O céu está limpo, algumas nuvens se esticam como fios de algodão no azul pálido. O cheiro da floresta é fresco, úmido, familiar. A madeira da cabana atrás de mim ainda exala o calor das nossas últimas noites. Tudo está calmo. Calmo demais.Fecho os olhos por um instante, puxando o ar para dentro dos pulmões como se pudesse guardar essa paz por mais um tempo.E então, deixo que meu corpo se transforme.A mudança é rápida. Um segundo de calor subindo pela espinha, de energia vibrando sob a pele, e estou em minha forma lupina. Pelos brancos como neve, patas firmes no solo úmido, sentidos alertas. A floresta ganha novas camadas de som, cheiro e textura. Tudo é mais vivo aqui.Atrás de mim, ou
Sou recebido em casa pelo cheiro de bolo.Que saudade disso.O aroma é doce, envolvente, carrega lembranças que eu nem sabia que tinha. Madeira morna, mel, massa assando no forno. É o cheiro de casa. O cheiro de acolhimento.Zoe passa por mim em um movimento ágil, se transformando em segundos. A luz da manhã ainda toca sua pele por um breve momento antes que os pelos brancos surjam, suaves como neve ao vento. Seu corpo muda com facilidade, naturalidade. Ela já domina essa parte de si com leveza. Isso é bom. Muito bom.Significa que minha lobinha está cada vez mais preparada. Treinada. E que sua loba já se tornou parte dela. Um com ela. Assim como meu lobo e eu somos um só.Ela avança até a porta com aquele jeito leve e determinado, e antes que eu possa me aproximar, já a ouço girar a maçaneta.A porta se abre e, imediatamente, gritos felizes invadem o ar.— Minha filha! — a mãe dela diz, com a voz embargada de emoção.— Você voltou! — Gabi completa, correndo para abraçá-la.As três se
Sento-me novamente, aceitando a xícara de chá que a mãe de Zoe me oferece. A mesa está coberta com rosca, bolo, geleias caseiras e pão de mel ainda morno. O cheiro é acolhedor, e o calor do ambiente só não é maior do que o das risadas que já ecoam pela sala.Zoe se acomoda ao meu lado, e Gabi já está a mil, falando como se tivesse guardado a semana inteira dentro da garganta.— Vocês não têm noção do que foi isso aqui! — ela começa, toda animada. — Uma das cabras fugiu do cercado e foi parar no telhado da casa da Dona Cida. Juro. No telhado.— No telhado? — Zoe arregala os olhos. — Como isso é possível?— Eu também queria entender! Mas acho que aquele bode de olhar cínico ajudou. Conspiração pura. Dona Cida achou que era sinal da Deusa e tentou amarrar um lenço na cabeça da cabra.— Não acredito — Zoe leva a mão à boca, rindo.— E quando fui ajudar, ela tentou me expulsar com um ramo de alecrim — completa Lord, com a expressão mais séria do mundo, como se fosse rotina.— Isso acontece
— Algo que eu precise saber enquanto estive fora?Minha voz quebra o silêncio do escritório, preenchido apenas pelo som do vento lá fora batendo contra as janelas e do estalar da madeira nas paredes. A luz do fim da tarde invade o cômodo de forma suave, deixando tudo dourado e calmo — uma calmaria que parece temporária. Ao meu lado, Lord mantém a postura firme, os olhos fixos nos papéis à sua frente. Mas sei que ele está só esperando o momento certo para dizer o que realmente quer.— A aldeia se manteve tranquila — responde, finalmente. — Nos limites da cidade também. Ninguém cruzou os territórios e nenhuma movimentação suspeita foi notada.Assinto em silêncio. Já era o esperado. Com tantos olhos atentos e uma tensão rondando cada centímetro do nosso território, seria quase impossível que algo passasse despercebido. Ainda assim, fico aliviado em ouvir da boca dele.— As pessoas estão ansiosas para o Fisp — completa, cruzando os braços e me lançando um olhar de lado. — Alguns já começa
— Você está certo em protegê-la, Lord. A dor de perdê-la ou vê-la sofrer de novo seria muito maior do que a culpa de deixá-la fora dessa missão.Ele respira fundo, o maxilar tensionado.— Eu só quero que ela fique segura. Que ela se recupere. Que tenha tempo de descobrir a força que tem. Sem mais cortes, sem mais cicatrizes. Mesmo que isso seja irreal, sei que nunca vai parar de doer nela e em mim.Assinto, compreendendo mais do que palavras podem explicar.— Eu também tentei convencer a Zoe a não ir — confesso. — Ela precisa disso. Precisa encarar o pai, se o encontrarmos. Olhar nos olhos dele e entender tudo o que foi escondido por tanto tempo. É o tipo de coisa que define quem a gente vai ser daqui pra frente.— Ela vai liderar a alcateia ao seu lado — diz ele, com firmeza.— Sim. E por isso precisa estar preparada.O silêncio se instala entre nós por alguns instantes. Não um silêncio desconfortável, mas daqueles carregados de entendimento. Ambos sabemos o peso do que estamos prest
Encontro Alex na porta de casa. Vamos até a aldeia para conversar sobre o Fisp antes de partirmos. O clima está leve, mas o dia carrega aquela antecipação silenciosa — como o momento exato antes da primeira nota de uma música.Lívia está logo à frente, conversando animadamente com Gabi. Ela tem aquele brilho nos olhos que me lembrou da primeira vez em que a vi. Radiante. Forte. Serena de um jeito que transmite confiança. Tenho certeza de que ela e Gabi vão se tornar grandes amigas — se é que já não se tornaram.— Tudo bem? — a voz de Alex surge ao meu lado, baixa e preocupada. Suas mãos pousam com firmeza na minha cintura, me ancorando.Tomei o tônico que Gabi preparou para mim há pouco. Era necessário, e eu sabia disso. Mas o efeito colateral me pegou de surpresa. Um leve enjoo, uma tontura repentina. Por sorte, minha mãe estava ao meu lado no momento em que minhas pernas falharam, e me ajudou a sentar antes que eu desabasse ali mesmo.Graças à Deusa, já me sinto melhor.— Tudo. — re
A loja de artefatos fica numa das vielas mais antigas da aldeia, um lugar encantador com paredes cobertas de musgo e sinos de vento pendurados na entrada. Quando a porta se abre, um som suave de sino ecoa, e o cheiro de ervas secas e madeira queimada preenche o ar.— Essa loja é um paraíso — Lívia diz, já se adiantando até a prateleira com vidros coloridos.— Cuidado pra não acabar levando coisa demais — Gabi ri, pegando uma pequena estatueta de lobo. — Ainda temos flores pra escolher depois.— Eu só estou… olhando. — Lívia segura uma caixinha dourada com o símbolo da deusa gravado na tampa. — Olha isso, Gabi! Isso seria perfeito pro altar.As duas seguem para o fundo da loja, comentando sobre cores, arranjos, quais flores durariam mais tempo sem murchar e se poderiam usar folhas de lua prateada para o corredor central da celebração. Gabi, claro, já tinha feito uma lista mental de tudo. A bruxinha e Livia está se tornando uma dupla infalível. O que me faz sorrir.Enquanto isso, eu me