Alex e Lord já estavam à nossa espera quando Gabi e eu chegamos com o tônico.— Demoraram — Alex comentou, encostado na parede com os braços cruzados. Seus olhos dourados passaram rapidamente de mim para o pequeno frasco de vidro âmbar nas minhas mãos.— Estávamos caprichando — Gabi respondeu, piscando para ele. — Fazer um tônico da verdade de respeito leva tempo.— Ele está acordado? — perguntei, tentando espiar pela pequena janela da porta de madeira maciça.— Está — respondeu Lord, com um sorriso que mostrava todos os dentes. — E de mau humor. Melhor ainda.Alex abriu a porta com um ranger pesado, e o cheiro de mofo, suor e feno velho escapou para fora. Lá dentro, o “prisioneiro” — o alfa, meu pai — estava sentado no chão, encostado na parede da cela, de olhos semicerrados, como se estivesse esperando algo muito pior do que uma visita amigável.— Olá, pai — falei, sem muita emoção.Ele ergueu a cabeça e nos olhou com desdém preguiçoso, o tipo de expressão que fazia minha mão coçar
— Ela nasceu para isso — Gabi respondeu, orgulhosa. — Se depender dela, o FISP deste ano vai ser lembrado por gerações.As barracas de tecido colorido já estavam sendo montadas ao redor da clareira principal. Cordões de flores pendiam entre as árvores, trançados com folhas e pequenos cristais que captavam a luz, lançando reflexos dançantes pelo chão. Um pequeno palco de madeira estava sendo construído no centro da clareira, onde os rituais e as bênçãos aconteceriam.Lord, que vinha logo atrás de nós, passou o braço pelos ombros de Gabi.— E pensar que há poucos dias a gente estava enfiado em uma aldeia mofada — ele disse, bufando, enquanto chutava uma pedrinha do caminho.— E agora estamos de volta em casa, onde o festival mais importante da nossa história vai acontecer amanhã — Gabi sorriu, ajeitando o cabelo que o vento insistia em bagunçar.— E onde a gente tem um prisioneiro dopado debaixo do chão da floresta — acrescentei, com uma risada meio seca.Eles riram, e eu também, porque
O cheiro forte do tônico ainda pairava no ar enquanto descíamos até o subterrâneo. A pequena sala, escavada sob as raízes da floresta, parecia mais escura do que de costume, como se soubesse o que ia acontecer ali.O prisioneiro, meu pai, estava amarrado na cadeira, o corpo ainda se mexendo levemente conforme o efeito do tônico se espalhava. Gabi se aproximou primeiro, observando a pele dele suar e as pupilas dilatarem. Era sinal de que a mistura começava a fazer efeito.Eu fiquei a poucos passos de distância, observando. Alex e Lord preferiram se encostar nas paredes, mas eu sabia que, se fosse necessário, eles atravessariam a sala em segundos.— Vai começar — Gabi murmurou para mim, com um meio sorriso que não escondia a tensão.Ela se ajoelhou à frente dele e falou num tom neutro:— Me diga… por que você usou a adaga?O homem estremeceu. Suas pálpebras tremularam antes de se abrir completamente. Por um segundo, vi confusão, depois uma entrega forçada, como se seu corpo estivesse tr
Vi Liz, minha mãe, perto do altar, ajeitando pequenos vasos de flores com uma paciência que me trouxe uma dor aguda no peito. Cada gesto dela era sereno, como se estivesse montando um pedaço de esperança em forma de decoração.Ela não sabia — ainda não — tudo o que tínhamos descoberto naquela noite.E talvez… talvez nem precisasse saber.Talvez fosse melhor assim.Senti Alex se aproximar mais, seu calor confortável me ancorando ali.Lord nos alcançou logo depois, passos pesados de propósito, como se não quisesse surpreender ninguém naquele espaço sagrado.Ele parou ao nosso lado, cruzando os braços diante do peito e olhando tudo ao redor com uma expressão satisfeita.— Nunca vi um FISP tão bonito — comentou, o tom cheio de respeito genuíno. — Nem mesmo antes da guerra.As palavras dele pairaram no ar como uma bênção, e por um instante, até o peso do mundo em nossos ombros pareceu mais leve.— Lívia nasceu pra isso — Gabi respondeu, orgulhosa, jogando um olhar em direção à amiga que, n
Desde que me entendo por gente, há tinta preta espalhada pelo meu corpo. Os anciãos dizem que estou destinada ao mais poderoso dos alfas, pois jamais viram marcas tão extensas quanto as minhas.Quando uma fêmea nasce destinada a um alfa, ela carrega uma marca — quase como uma tatuagem. Quanto maior a marca, mais forte o lobo que a reivindicará. As minhas se espalham por toda parte, cobrindo minha pele como um mapa do destino. Apenas meu rosto ficou imaculado, mas o resto... cada centímetro carrega o sinal da minha sina.Eles podem nos sentir assim que completamos vinte anos. Seguem nosso rastro, atravessam matas e montanhas para nos levar para sua alcateia. Hoje é minha vigésima volta ao sol. O dia em que encontrarei meu lobo.O dia em que finalmente aprenderei a me transmutar.O dia em que verei minha outra forma pela primeira vez.Mal posso esperar pela lua. Sinto a impaciência pulsar em meu peito. Quero que ela suba depressa no céu, que banhe a terra com seu brilho prateado e traga
O cheiro dela.Forte. Viciante.Está me deixando louco. Transtornado.Na forma humana, ainda consigo conter meus instintos. Agora? É impossível. Meu lobo ruge dentro de mim, exigindo que eu me aproxime, que tome o que é meu. Mas não posso. Preciso lembrar por que não podemos tê-la, por que devemos protegê-la até de nós mesmos. Mas de nada adianta. Minha fera já decidiu. Ela nos pertence. E vamos tomá-la.O aroma dela se espalha pela floresta densa e escura, infiltrando-se em cada fibra do meu ser. O ar da noite está carregado, pesado, e a lua cheia brilha entre as copas das árvores, testemunha silenciosa do que está prestes a acontecer. Meu corpo se tenciona.Rosno. Ciúmes. Ódio.Não sou o único alfa aqui. Não sou o único que sente esse perfume intoxicante. Outros o percebem. Outros o desejam. Mas ela é minha. Sempre foi. Sempre será.O instinto me guia. Meus pés se movem antes mesmo que eu perceba. Avanço sem hesitar, rompendo galhos e folhas secas pelo caminho, até encontrá-la.Ela
Acordo quando o pelo quente e macio onde estou deitada se transforma em algo firme. Um peitoral duro. Muito duro. Meu corpo se ajusta automaticamente ao calor dele, e, por um instante, quase me rendo novamente ao sono. Mas meus olhos, ainda pesados, piscam algumas vezes antes de se abrirem completamente.A claridade suave invade meus sentidos. O cheiro amadeirado do quarto me envolve, misturado ao aroma fresco da natureza que vem da janela aberta. Estou na aldeia dele. Minha aldeia agora. Uma nova casa. Um novo começo.Meu estômago ronca em protesto, e o som quebra o silêncio confortável ao nosso redor. Minha última refeição foi o bolo que minha mãe fez para minha despedida, e a fome já se torna impossível de ignorar. Alex percebe. Seus olhos verdes pousam em mim com intensidade, analisando cada pequeno movimento meu, e então ele se levanta sem pressa. Um momento depois, retorna com uma tigela cheia de frutas maduras.— Coma. — Sua voz é uma ordem, mas há algo mais nela. Um tom rouco,
Alex tem cuidado de mim desde que cheguei. Todas as noites, ele me aquece com seu corpo em forma de lobo, envolvendo-me em sua pelagem espessa e quente. Seu cheiro me cerca, e o calor dele penetra minha pele, me embalando no sono. No começo, era estranho. Mas agora, é um conforto silencioso, um lembrete constante de que ele está aqui, de que sou sua.Mas algo mudou nos últimos dias.Sinto que ele está mais distante. Não fisicamente. Ainda está ao meu lado, ainda me protege, mas há um espaço invisível entre nós. Algo na maneira como me olha… Como se lutasse contra si mesmo. Como se quisesse se aproximar e, ao mesmo tempo, estivesse determinado a se manter longe.Minhas marcas estão apenas mornas agora. Sua proximidade constante impede que queimem como antes, mas o inverno e o cio ainda não chegaram. E se, quando chegarem, ele continuar assim?A inquietação me acompanha enquanto caminho pela aldeia. Minha aldeia. Os membros da alcateia foram acolhedores, me aceitaram como se eu sempre t