— Você está certo em protegê-la, Lord. A dor de perdê-la ou vê-la sofrer de novo seria muito maior do que a culpa de deixá-la fora dessa missão.Ele respira fundo, o maxilar tensionado.— Eu só quero que ela fique segura. Que ela se recupere. Que tenha tempo de descobrir a força que tem. Sem mais cortes, sem mais cicatrizes. Mesmo que isso seja irreal, sei que nunca vai parar de doer nela e em mim.Assinto, compreendendo mais do que palavras podem explicar.— Eu também tentei convencer a Zoe a não ir — confesso. — Ela precisa disso. Precisa encarar o pai, se o encontrarmos. Olhar nos olhos dele e entender tudo o que foi escondido por tanto tempo. É o tipo de coisa que define quem a gente vai ser daqui pra frente.— Ela vai liderar a alcateia ao seu lado — diz ele, com firmeza.— Sim. E por isso precisa estar preparada.O silêncio se instala entre nós por alguns instantes. Não um silêncio desconfortável, mas daqueles carregados de entendimento. Ambos sabemos o peso do que estamos prest
Encontro Alex na porta de casa. Vamos até a aldeia para conversar sobre o Fisp antes de partirmos. O clima está leve, mas o dia carrega aquela antecipação silenciosa — como o momento exato antes da primeira nota de uma música.Lívia está logo à frente, conversando animadamente com Gabi. Ela tem aquele brilho nos olhos que me lembrou da primeira vez em que a vi. Radiante. Forte. Serena de um jeito que transmite confiança. Tenho certeza de que ela e Gabi vão se tornar grandes amigas — se é que já não se tornaram.— Tudo bem? — a voz de Alex surge ao meu lado, baixa e preocupada. Suas mãos pousam com firmeza na minha cintura, me ancorando.Tomei o tônico que Gabi preparou para mim há pouco. Era necessário, e eu sabia disso. Mas o efeito colateral me pegou de surpresa. Um leve enjoo, uma tontura repentina. Por sorte, minha mãe estava ao meu lado no momento em que minhas pernas falharam, e me ajudou a sentar antes que eu desabasse ali mesmo.Graças à Deusa, já me sinto melhor.— Tudo. — re
A loja de artefatos fica numa das vielas mais antigas da aldeia, um lugar encantador com paredes cobertas de musgo e sinos de vento pendurados na entrada. Quando a porta se abre, um som suave de sino ecoa, e o cheiro de ervas secas e madeira queimada preenche o ar.— Essa loja é um paraíso — Lívia diz, já se adiantando até a prateleira com vidros coloridos.— Cuidado pra não acabar levando coisa demais — Gabi ri, pegando uma pequena estatueta de lobo. — Ainda temos flores pra escolher depois.— Eu só estou… olhando. — Lívia segura uma caixinha dourada com o símbolo da deusa gravado na tampa. — Olha isso, Gabi! Isso seria perfeito pro altar.As duas seguem para o fundo da loja, comentando sobre cores, arranjos, quais flores durariam mais tempo sem murchar e se poderiam usar folhas de lua prateada para o corredor central da celebração. Gabi, claro, já tinha feito uma lista mental de tudo. A bruxinha e Livia está se tornando uma dupla infalível. O que me faz sorrir.Enquanto isso, eu me
Saímos antes do dia clarear por completo. O ar ainda estava úmido da noite, e uma névoa baixa pairava sobre a trilha. Gabi seguia ao meu lado em forma humana, o capuz cobrindo parte do rosto e o passo constante. Ela não pode se transformar, então seguimos no ritmo dela. Mas mesmo assim, estávamos indo bem.Alex e Lord nos cercavam, em suas formas lupinas. Alex liderava o grupo, imponente e atento, enquanto Lord vigiava atrás, garantindo que nenhuma ameaça se aproximasse. A presença dos dois era um alívio. Um lembrete de que, mesmo com o estômago apertado e a mente cheia de dúvidas, eu não estava sozinha.Ontem conseguimos adiantar muita coisa do Fisp, e isso me deixou um pouco mais tranquila. Mas mesmo assim, a sensação de estar voltando à minha antiga casa é como um peso constante nos ombros. Minha mãe me entregou a chave da casa antiga antes de partirmos, e desde então, sinto como se ela queimasse no fundo da mochila.Eu não sinto saudades dessa terra.Na verdade, cada passo é como
— Ele me parece bemambicioso — Lord responde, olhando fixamente para a vegetação à frente. — E orgulhoso. Não acredito que tenha enterrado uma arma como essa só por medo. Ele queria alguma coisa.— Talvez controle — murmuro. — Ou talvez… ele queria libertar o que está preso nela.Um silêncio desconfortável se instala por alguns segundos.— De qualquer forma — Gabi diz, mudando levemente de assunto —, vocês perceberam como as árvores parecem diferentes por aqui?— Mais densas — Alex concorda. — Como se a floresta estivesse tentando esconder alguma coisa.— Ou protegendo — acrescento, observando os galhos tortos e a luz filtrando em feixes tênues entre as folhas.— Eu odiava brincar aqui quando era criança — confesso. — Sempre achei que algo me observava. Mas ninguém acreditava em mim.— Talvez você estivesse certa — Gabi diz, séria.Depois de um tempo, levantamos e seguimos novamente.Meus passos são mais lentos agora. A cada metro que percorremos, a aldeia de Talos se aproxima — e com
Tudo exatamente como me lembro.Em algum lugar da minha mente, reviro os olhos por já ter pensado que um dia eu me encaixaria aqui. Jamais. Não depois de saber o que me esperava. O que me espera.Minha alcateia é meu lar. Do lado do meu alfa. Do lado dos meus. A Deusa realmente sabe o que faz.O cheiro da aldeia é o mesmo — madeira antiga, fumaça, terra molhada. As construções, quase todas de pedra envelhecida e telhado baixo, se apertam umas contra as outras como se o tempo tivesse congelado aquele lugar. A única coisa que parece se mover são os olhares que nos seguem com desconfiança. Os sussurros abafados nas esquinas. O cheiro de estranhamento no ar.— Nem um pouco chamativos — Lord murmura ao meu lado.— Eu diria que somos neutros — respondo, tentando não rir. — Nos misturamos à paisagem.Gabi revira os olhos, mesmo sob o capuz. Sei que está tensa. Todos nós estamos. Nossas roupas são simples, longas o suficiente pra cobrir o rosto e esconder detalhes. As ervas que ela mesma prep
O homem nos encara com olhos semicerrados, como se tentasse reconhecer o passado estampado nos nossos rostos. Ou talvez como se já soubesse exatamente quem éramos, e só não soubesse o que fazer com essa informação.— Eu me lembro de você — ele diz, lentamente. — Você… era só uma filhote quando foi embora com sua mãe.— E agora voltei — respondo, erguendo o queixo. — Não por saudade. Mas por necessidade.Ele balança a cabeça, como se tentasse processar tudo de uma vez só.— Por que agora? — pergunta. — Depois de tanto tempo? Sua mãe quase foi morta e imagino que ainda seja banida!— Porque agora eu posso — digo. — Porque não dá mais pra fugir do que ficou pra trás.O homem desvia o olhar por um instante. A tensão entre nós é densa, como se o ar carregasse tudo o que foi enterrado aqui. Memórias. Mágoas. Verdades demais.— Não esperava vê-la de novo — ele confessa. — Muito menos assim.— Eu também não esperava voltar — admito.— E o que está procurando aqui?— Meu pai.O silêncio que se
O caminho para casa é tortuoso, para dizer o mínimo. E não apenas pelas trilhas sinuosas ou pelo cansaço acumulado, mas principalmente porque tivemos que ir arrastando um estorvo. Realmente um estorvo. Quando ameacei esse maldito alfa, não sabia que ele era o pai da Zoe. Caso contrário, teria matado. Que desgraça. Ele anda com um ar presunçoso irritante, como se tudo fosse uma grande piada particular. E talvez, na cabeça dele, seja mesmo. — Se eu pudesse, arrancava o pescoço dele — mando mentalmente para o Lord. — Arrancar o pescoço? Isso é pouco para o que quero fazer com ele — ele responde, com aquele tom calmo que sempre precede ideias absurdamente violentas. — Talvez desmembrar e moer os restos, porém o manter vivo o suficiente para ele comer. É nessas horas que lembro o quanto meu amigo pode ser criativo quando está com raiva. Mas não o julgo. Pelo contrário. — Ainda vai ser pouco pelo que ele fez com a minha parceira — completa. E é esse o ponto. Tudo o que esse m