Mundo de ficçãoIniciar sessãoYaskara prendeu os cabelos em um rabo de cavalo alto, deixando o pescoço exposto à brisa fria do ar-condicionado. Desabotoou o primeiro botão da camisa social branca, o gesto simples, mas preciso — como quem calculava até a maneira de respirar.
Parecia mais à vontade.
— Vocês aqui no Brasil têm muitos problemas com ecos catastróficos — mais do que qualquer outro país. — disse calmamente, o tom quase profissional.
— E os últimos acontecimentos com Amaruq ativaram um sinal vermelho na minha Organização.
Ela apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos, descansando o queixo sobre as mãos.
Os olhos azuis o fitaram sem pressa.
— Eu acho que acabaria por aqui — oficial ou não.
Voss observava cada movimento dela — o modo como prendeu o cabelo, o desabotoar discreto do colarinho, a calma que contrastava com o peso das palavras.
O ar frio do ar-condicionado soprava entre eles; pela primeira vez desde o caos em Liberdade, o silêncio parecia quase reconfortante.
— Hm… — murmurou, apoiando o queixo na mão, o olhar semicerrado de quem analisa e se diverte ao mesmo tempo. — Então o “sinal vermelho” te trouxe até nós. — disse num tom leve, mas com aquele brilho astuto nos olhos. — Isso quer dizer que ainda tem alguém lá fora acreditando que o mundo pode ser salvo antes de virar pó. Impressionante.
O café chegou, e ele o pegou, girando o canudo entre os dedos enquanto falava — o olhar ainda fixo nela.
— “Oficialmente ou não”, hein? — repetiu, dando um gole e fazendo uma breve careta ao sentir o doce exagerado — exatamente como pediu.
Deu um meio sorriso. — Soa como alguém que já decidiu se meter onde não devia, mas faz parecer coincidência.
Ele se inclinou um pouco à frente, os antebraços apoiados na mesa. O tom baixou — não ameaçador, apenas curioso.
— Então me diz, Yaskara Borh… quando você viu o Amaruq — não o garoto que ele possuía, mas o Soberano das Distorções — o que sentiu?
Uma pausa, o olhar dele se estreitou, atento.
— Medo? Raiva? — o sorriso voltou, enviesado. — Ou aquele impulso irresistível de testar o que acontece quando o tempo enfrenta o que diz ser eterno?
Eiran deixou escapar uma risada curta, cínica e encantada ao mesmo tempo.
— Aposto que foi a terceira opção.
Yaskara mexeu o café com o canudo, o som leve do gelo tilintando no copo.
Deu um gole e suspirou discretamente, grata pelo frescor.
— Eu vi algo que eu podia fazer — e fiz. — respondeu com calma, sem se justificar.
— Já enfrentei uma entidade parecida com Amaruq. — pousou o copo na mesa, o olhar voltado para ele. — Chamava-se Mago Negro. Um feiticeiro do século X, na Europa.
Ela fez uma breve pausa, o tom permanecendo sereno, mas firme.
— Foi naquela luta que aprendi que não existe nada nesse mundo que mereça o conceito de “eterno”. — girou o canudo entre os dedos, observando a reação dele.
— Porque tudo começou em algum ponto do tempo. Até o que acredita estar fora dele.
Voss ergueu uma sobrancelha, um leve sorriso surgindo nos lábios.
— O Mago Negro, hein? — repetiu, recostando-se na cadeira. — Então você lida com desastres do eco que sobreviveram séculos… interessante.
Por um instante, o tom brincalhão se dissipou. O olhar azul cristalino ganhou profundidade.
— Você fala do tempo como se ele fosse uma ferramenta, não uma prisão. — comentou, os dedos tamborilando de leve na mesa. — E talvez seja mesmo, pra alguém como você.
O sorriso voltou, mas agora com aquele toque provocador característico.
— Ainda assim… se tudo teve um começo, isso significa que até o seu poder tem um fim. — inclinou a cabeça levemente para o lado, curioso. — Ou estou errado, senhorita controladora do tempo?
Yaskara tomou um gole do café gelado, sem pressa.
O silêncio entre eles se prolongou o bastante para que o som do gelo tilintando no copo se tornasse a única resposta por alguns segundos.
Depois, ela pousou o copo e sorriu, o olhar tranquilo e indecifrável.
— Quem sabe… — disse por fim, a voz suave, quase brincalhona, mas impossível de ler.
Inclinou-se levemente para frente, apoiando o queixo nas mãos.
— Também não sei muito sobre os seus poderes, senhor Honrado.
O tom dela era calmo, mas a ironia estava ali, sutil — suficiente para fazer o jogo continuar, sem dar nada de graça.
Voss soltou uma risada baixa, recostando-se novamente na cadeira, o canudo ainda entre os dedos.
— “Senhor Honrado”? — repetiu, o tom carregado de ironia divertida. — Faz parecer que eu sou algum tipo de velho sábio… o que, convenhamos, eu não sou.
Inclinou levemente a cabeça, os olhos azuis faiscando com curiosidade genuína.
— E quanto aos meus poderes… bom — o sorriso curvou-se — dizem que é melhor ver do que ouvir falar.
— Mas tenho a impressão de que você já sabe disso.
Deu um pequeno gole no café, o sabor doce demais arrancando um breve franzir de sobrancelhas.
Quando voltou a encará-la, o sorriso ganhou um ar enigmático, quase desafiador.
— Afinal, alguém que brinca com o tempo deve ter percebido o que acontece quando se aproxima demais de mim.
Yaskara manteve o olhar por um instante, como quem pondera se deve responder à provocação.
— Tenho uma leve noção do que se trata seus poderes. — disse enfim, com a calma habitual.
O celular vibrou sobre a mesa.
Ela desviou o olhar, pegando o aparelho com discrição.
— Com licença, um segundo. — murmurou com educação, a atenção voltando-se à tela.
Enquanto lia, a expressão dela se alterava de forma quase imperceptível — primeiro surpresa, depois inquietude, até se fixar em algo mais sombrio.
O brilho tranquilo dos olhos azuis pareceu vacilar por um momento.
— Não pode ser… — murmurou, mais para si do que para ele.
Voss observou a mudança súbita na expressão dela.
O sorriso desapareceu devagar, substituído por um olhar curioso — e, pela primeira vez, um pouco mais sério.
Ele se inclinou para frente, apoiando os antebraços na mesa, os dedos entrelaçados.
— Huh… — murmurou, num tom quase pensativo. — Parece que até o tempo pode ser pego de surpresa, hein?
O olhar azul se encontrou com o dela; a postura, antes relaxada, agora carregava uma atenção genuína.
— Se for algo importante… posso esperar. — disse, a voz baixa e tranquila. — Ou, se quiser dividir, talvez eu consiga dar uma olhada sem precisar acelerar nem retroceder nada.
Yaskara ergueu os olhos, surpresa com a simplicidade do tom. Não era uma provocação nem um desafio — apenas presença. Ele falava como alguém que sabia existir dentro do tempo, não contra ele.
Um pequeno sorriso de canto surgiu nos lábios dele — ainda curioso, mas mais suave.
— Quer saber? Isso só me deixa mais interessado. — inclinou um pouco a cabeça, estudando-a. — Quem ou o que conseguiu te tirar do controle por um instante, senhorita Borh?
Yaskara respirou fundo, deixando o ar escapar em um suspiro cansado.
— Recebi uma nova ordem… — disse, sem esconder o desânimo. — Acho que serei professora na Academia Arcana de Estudos Etéricos de São Paulo…”Começo imediato”, alertaram.
Levantou uma das mãos e cobriu parte do rosto, completamente descrente.
— Aih… eu tinha planos pra esse fim de ano. — murmurou, num tom que misturava indignação e resignação. — Por que estão fazendo isso comigo?
Seguiu resmungando baixinho, frases curtas e quase inaudíveis, o tipo de desabafo de quem raramente se permite reclamar — o que, para Voss, só tornava a cena ainda mais interessante.
Ele arqueou uma sobrancelha, o sorriso torto voltando ao rosto — uma mistura de diversão e incredulidade.
— Professora na minha escola? — repetiu, balançando a cabeça devagar, o olhar azul faiscando com interesse. — Ah… então é isso que te tirou do ritmo? Que injustiça! — riu baixo, mexendo no café gelado.
— Você passa o ano inteiro salvando pessoas de distorções que deveriam nem existir, e agora vão te colocar… — fez aspas com os dedos — pra lidar com adolescentes instáveis, dever de casa e reuniões intermináveis?
Deu um gole no café e se recostou na cadeira, os braços cruzados, o sorriso ainda provocador.
— Sabe, acho que isso vai ser interessante… — olhou para ela com um toque de ironia. — Porque eu conheço aquele lugar melhor do que a palma da minha mão.
— E se alguém consegue dobrar o Éter como você dobra, provavelmente vai fazer até as aulas parecerem divertidas.
Com um sorriso de canto, os olhos azuis brilharam com curiosidade e malícia.
— Quer uma dica, professora recém-chegada? Sobrevivência entre adolescentes e anomalias de meia-idade: seja imprevisível… e nunca deixe ninguém descobrir o que você realmente pode fazer.
Yaskara suspirou fundo e bebeu o restante do café de uma vez.
— A Academia Arcana de Estudos Etéricos é do tipo internato, certo? — perguntou, já mais calma. — Os dormitórios são decentes? Professores têm alojamentos próprios, não é?
Enquanto falava, o tom dela oscilava entre resignação e ponderação — o olhar perdido em algum ponto da mesa, medindo o que a esperava nos próximos meses.
Voss deu um leve sorriso, inclinando-se para trás na cadeira, o cotovelo apoiado enquanto girava o copo de café entre os dedos.
— Ah… então você está preocupada com conforto, hein? — comentou, o tom provocador e divertido de sempre. — Sim, internato é mais ou menos isso. Dormitórios decentes, comida aceitável… e uma rotina que vai te fazer esquecer o significado de “descanso”.
Ele riu baixinho, balançando a cabeça.
— O problema não é o lugar — continuou, o olhar azul faiscando com humor. — É o tipo de gente que vive nele.
Cruzou os braços sobre a mesa, o sorriso de canto misturando malícia e sinceridade.
— Professores têm dormitórios próprios, sim. Mas não se engane: a Academia tem seu próprio ritmo. — inclinou-se um pouco para frente. — Lá dentro, todo mundo observa todo mundo. Os alunos adoram testar limites, e os magos veteranos são ainda piores.
Fez uma pausa curta, avaliando a expressão dela antes de concluir, num tom mais leve:
— Mas hey… considerando seus poderes, acho que vai se dar bem. — piscou, o tom provocador voltando. — Só não deixe ninguém descobrir que você pode literalmente dobrar o tempo. Isso assusta os mortais e deixa os estudantes curiosos demais.
Deu um gole final no café e voltou a encará-la com aquele sorriso desafiador de sempre.







