P.O.V VICTORIA
Me sento no banquinho da ilha da cozinha, no lado oposto dele, e me sirvo de dois shots de tequila com limão. — Nada de vinho hoje, preciso de algo mais forte. — O que foi? Não vem com problema não, que de problema eu já tô cheio. Nos últimos quinze minutos apareceram quatro de uma vez. — Olha para o relógio, exausto. — Bebe... — empurro o copo pequeno para ele. — Vai precisar de limão e sal pra digerir isso... não a bebida, mas a informação. — Gente... — faz uma cara tensa e se senta rápido demais. — Foi aquele traste do seu ex de novo, não foi? — Não... não tem nada a ver com ele. — Bebo o terceiro shot seguido. — Inclusive, meu celular está no modo avião por causa desse infeliz. — Bato na tela apagada do telefone. Desde que se passaram quatro meses do nosso término, e Augusto finalmente entendeu que não voltaríamos, que eu não faria o papel de idiota de sempre perdoando-o, ele ficou cada vez mais insistente. Não para de inventar formas de me perseguir: novas contas de e-mail, números de telefone que eu bloqueio na hora, até cartas. — É sobre o projeto do casamento dos Avelar. — Pelo amor de Deus, não me diga que deu algo errado... — os olhos dele tomam uma preocupação nunca vista, como se isso fosse tirar sua própria vida. — Com essa comissão eu compro minha casa em Milão... É só nisso que ele pensa desde então. — Fui demitida. — Virou outra dose. — Como é?! — Pelo próprio Heitor Avelar... pai dos meus clientes diretos e também responsável pelo financeiro da festa. — Sorrio ironicamente, e o álcool rasga minha garganta, fazendo meu corpo arrepiar, suor frio escorrer. — Perdemos tudo. Tá feliz?! — Eu vou matar você! O que você fez pra esse homem? — Eu existo, e isso ele não aceita. — Me desvio dele, que já vem pronto pra me sufocar. Apoio o rosto na bancada, já tomada pelo efeito da bebida. — Que droga! — Grito contra o mármore. — Pois eu apoio ele. Como assim você perde a conta mais importante da nossa vida? Me arrasto para fora do banquinho, caminho até o sofá e me jogo, agarrando uma almofada. — Estava tudo indo tão bem... a Safira, noiva do filho mais novo... a menina é um doce, linda, educada. — Me lembro. — Queria uma cerimônia intimista, elegante... romântica, e o lugar perfeito seria a casa dos Avelar. Mas dizia-se que Heitor Avelar jamais aprovaria, por motivos que ninguém quis revelar. Lá fui eu, lutando para realizar o sonho da minha noiva. Não foi a primeira nem a última vez que bati boca com alguém para defender os desejos de uma noiva. Já fiz isso com mães, pais, avós, primos, o próprio noivo... por todos os motivos possíveis que cercam a organização de um casamento. — Já falei pra você largar essa história de sonho, de brigar tanto pelos sonhos da noiva e colocar em risco nossa contratação. Nem sempre sonho paga as contas, Victória. — Ele me repreende, mas sabe que discordo. Não teria chegado até aqui se não tivesse realizado cerimônias além do que as noivas sonharam. — O homem surtou? — A princípio, não... quer dizer, vamos começar pelo fato... — Faço sinal de pausa com a mão. — De que ele é muito... muito lindo, meu Deus, esse homem... — Deixo a frase morrer e suspiro. — Você perdeu a noção. Heitor Avelar não é lindo, ele é gostoso... um pedaço de homem, chaga babo. — Ele diz, limpando a baba. — É... mas o que ele tem de lindo tem de machista. — Resmungo, jogando a cabeça para trás no sofá. — Voltando... — Retomo. — Entrei na sala dele, me apresentei gentilmente, pedi um minuto, e ele, até então educado, me recebeu. Expliquei a situação da Safira, pedi que ele considerasse deixar a cerimônia acontecer na casa... ele negou, mas eu insisti, tentei apelar pro lado emocional de pai. Até aí tudo bem, ele começou a fazer algumas perguntas e tudo desandou. — Que perguntas? — Primeiro, ele me chamou de intrometida por querer saber o motivo da proibição. — Antes de me chamar por me meter nos vícios dele, os mesmos que eu e meu pai, diga-se de passagem — não vou contar isso a ele. — Depois disse algo sobre “o proibido ser mais gostoso”. — Lembro e meu corpo esquenta. — O jeito que ele me olhava... parecia que ia atravessar minha pele. — Aqueles olhos azuis me vêm à mente. — Respondi que tem coisas que não devem ser proibidas, e sim vividas. Radicalmente ele mudou de assunto e quis saber se eu era casada... — E você que não, né? Tem essa mania horrível de dizer que é casada pra afastar os homens. — Para todos que eu quero afastar, sim... Mas não senti essa vontade com Heitor Avelar. Se fosse menos orgulhosa e mais desesperada, teria dito que era solteira, quase intocada, e me jogado nos braços dele. Só que não sou mais uma garotinha... — Perguntou por quê? — Perguntei o porquê disso importar... ele ficou irritado, e disse em tom de ordem para eu responder. A voz dele é muito sexy... — Sorrio fraco. — Ai fiz a piada dos sete maridos... — Bato a almofada na cara. — Trinta e cinco anos, virgem... passou de Madre Teresa para Maria Madalena assim, do nada. — Ele estala os dedos. — Mas você não sabe o que ele respondeu. — Digo com tom de mistério e indignação, protestando com o dedo. — O que? — Fiz a piada, comecei a rir, óbvio, afinal era uma piada. — Digo entre dentes. — Ele perguntou qual era a graça de ser uma vadia e passar pelas mãos de vários homens. Ele arregala os olhos, surpreso. Falando alto parece ainda pior e mais desrespeitoso, a ponto de deixar Marcos sem palavras. — Ai eu desmenti, disse que nunca me casei, e ele ficou bravo, acho que não acreditou. Até decidir ser babaca e dizer que, já que eu nunca me casei, não sabia do que estava falando... — Reviro os olhos. — Esse papo eu ouço direto nos meus trabalhos. — Me indigno. — Disse isso a ele, e ele falou que a prática é diferente da teoria. E que eu não devia ter tanta experiência, já que não aparentava ter muitos anos de vida. Admito que fiquei honrada por ele achar que eu tinha menos de trinta. — Também... com tanto creme e coisa que você passa nessa cara, se tivesse cinquenta ninguém desconfiaria. Rio alto. Tenho uma rotina violenta de skincare... e também o bônus da genética. — Isso se chama genética! — Me gabo. — Agora a parte da conversa que desandou e virou baixaria... — Passo a mão no rosto e suspiro forte. — Não acredito que você desceu o barraco com o dono de metade do país. — Eu?! — Aponto para mim mesma. — Ele me desrespeitou! Pedi que não me desacreditasse só porque não sou casada, que existem mil formas de se relacionar além do casamento e que sou uma mulher vivida. Que ele se casou, teve filhos e acabou tão sozinho quanto eu! — Você só pode ter pedido pra ele perder a noção do ridículo. — Por quê? — Questiono, sem saber a qual fala ele se refere. — Victória, você nunca ficou com ninguém. Vivida onde? Ah... — Não importa! Ele não precisa saber disso... — Abano o ar. — Ai ele surtou, disse que eu devia ter usado todas essas formas de relacionamento, deu a entender que estava decepcionado achando que eu era uma mulher séria e digna. — Deslizo a palma da mão na testa. — Depois disso só me chamou de vadia, disse que não me casei porque ninguém quer uma mulher usada e me demitiu, porque não queria minha influência sobre as noras dele. Me chamou de desonrada, tudo por eu supostamente ter feito sexo antes do casamento. — Esse homem só podia estar possuído... — Comenta, abismado. — Ele é louco... mas o que importa é que perdemos um grande trabalho. Diga adeus à casa nova à beira-mar. — Custava dizer pra ele que você era virgem?! Pela primeira vez na vida seu celibato ia ajudar. — Por que eu diria isso? Ele acreditaria? — Gesticulo. — É o cúmulo ter que declarar isso a ele como se importasse, ou mudasse a qualidade do meu trabalho. — Amor, quando se tem um casamento de quinze milhões de euros, você tem que dizer o que esse homem quer ouvir. — Eu poderia dizer o que ele quisesse sobre casamento... mas quando a quem ou quantos eu abri as pernas? Ele tá comprando um serviço, não uma prostituta. — Você tinha que ser a Jezabel! — Exclama, batendo o pé. — Tarde demais... o que quer que eu faça agora? Temos que superar. — Superar nada! Vamos ter que dar um jeito de recuperar essa conta... Nem que você tenha que dançar pelada pra esse homem. — O quê?! — Você estava aí até agora babando no homem, não seria sacrifício. — Isso não significa nada... ele é bonito, eu admirei. Só isso... existem vários homens lindos no mundo. — Encolho os ombros, expressão neutra enquanto penso nele. E nenhum deles é tanto quanto ele... — Chega desse assunto! — Faço sinal com a mão. — Vou tentar dar um jeito... — Tentar não, você vai fazer. Tentar dá a possibilidade de não conseguir. Bufo, jogando a cabeça para trás. — Tudo bem... vou conseguir, vou recuperar o nosso trabalho. Feliz? — Feliz eu vou estar quando estiver em casa em Milão. — Não prometo nada.