Eu me afasto dele, o coração batendo descontrolado e a mente um turbilhão. Ele me beijou. James, o idiota, me beijou, e agora eu não sei o que fazer com isso. Sinto um calor nas bochechas e uma pontada de frustração. O que ele estava pensando? O que eu estava pensando?— Você... — A voz sai fraca, como se eu estivesse tentando encontrar palavras, mas nada parece fazer sentido. Eu dou um passo para trás, ainda tentando afastar o calor do meu corpo. — Como você pôde fazer isso?James não se move, apenas me observa com aquele olhar impassível. Eu não consigo entender o que ele quer de mim, o que ele espera que eu faça agora.— Ellie, eu... — Ele começa, mas a sua voz seca me irrita ainda mais.— Eu avisei, James... — Falo baixinho, sem coragem para gritar, mas as palavras saem duras, com um peso que eu não esperava. — Eu achei que tivesse deixado bem claro! Que não queria que você fizesse isso. Não sei o que você estava esperando, mas não sou uma dessas meninas com quem você pode brincar
O frio já estava impregnado no ar, misturado ao cheiro da lenha queimando e ao aroma familiar de peru assado. Desde criança, sempre senti que o Natal tinha um cheiro próprio—uma mistura de especiarias, doces de baunilha e gengibre sobre a mesa, e o calor das luzes piscando na árvore.Eu já havia escolhido minha roupa, arrumado o cabelo e separado a maquiagem que tentaria passar para parecer mais "feminina", como minha avó adorava sugerir. Mas, naquele momento, minha atenção estava na árvore de Natal, ajustando os enfeites quando vi minha mãe andar de um lado para o outro, agitada como um peru prestes a ir para o forno.— Mãe, está procurando alguma coisa? — perguntei, observando-a com curiosidade.— Meu casaco azul-escuro. Pode pegar para mim? Está no closet. Preciso sair para a cidade.Assenti, sem pensar muito, e segui para o quarto dela. Eu já sabia onde estava—pendurado no cabide mais alto, à esquerda. O tecido pesado e elegante sempre foi a escolha dela quando queria parecer mais
JamesEu estava perto da varanda, verificando uma das vacas que andava mancando há alguns dias, quando ouvi a conversa de Ellie e do pai dela lá dentro. Não dei muita atenção no começo, mas quando a vi saindo sozinha para a cabana, algo me incomodou.O vento estava mudando, e o cheiro no ar indicava neve.Murmurei um palavrão baixo e larguei o que estava fazendo. Não precisava de um mapa para saber que aquilo era perigoso. Se a tempestade pegasse Ellie desprevenida enquanto ela estivesse longe da casa, poderia ser complicado voltar.Sem pensar muito, montei no meu próprio cavalo e segui o mesmo caminho que ela havia tomado.O tempo mudou rápido demais. O vento ficou mais forte, cortando como lâminas contra minha pele, e os primeiros flocos de neve começaram a cair pesados. Não demoraria muito para tudo ficar branco e indistinguível.Pressionei os calcanhares no cavalo, acelerando o passo. Ellie podia ser teimosa, mas eu não ia deixá-la presa lá fora sozinha.O vento já estava forte o
O tempo foi passando lentamente, como se o relógio tivesse decidido tirar férias. A conversa se arrastou, as horas se esticaram e, enquanto o dia desbotava para o fim, o ambiente dentro da cabana ia ficando mais denso.A janela estava embaçada, e a tempestade lá fora só aumentava, o que fazia a sensação de estar isolado ainda mais forte.Já estava escuro quando eu decidi que, se fôssemos passar a noite ali, era melhor providenciar um colchão. O lugar não era exatamente confortável, e passar a noite sentado na cadeira não parecia uma opção viável. Então, levantei-me e fui até o quarto. Aquele colchão não estava muito bom. Úmido, com o cheiro de madeira ainda impregnado, e mais desconfortável do que qualquer outra coisa. Mas era o que tínhamos.Tirei-o da cama e levei até a sala, onde a lareira ainda estava acesa, mas o fogo já começava a perder força. Quando entrei de volta na sala, encontrei Ellie ainda perto da mesa, mexendo nas suas coisas. Ela não parecia nem um pouco incomodada co
O som das minhas botas ecoa pelo piso de madeira da varanda. Observo os vidros das janelas levemente embaçados; parece tudo normal. O inverno impiedoso e rigoroso já começa a se mostrar, e as nuvens pesadas e escuras cobrem praticamente toda a paisagem de Jackson.Observo a porta entreaberta, e um ar quente é emanado de dentro da casa.Voltar para casa depois de dois anos deveria ser reconfortante. Mas tudo estava igual – e eu, completamente diferente. Antes, achei que faria medicina pelo resto da vida. Agora, nem sei direito o que estou fazendo aqui.— Filha? — Escuto a voz rouca do meu pai vinda da cozinha. — Ellie! Que bom que voltou!Sorrio, vendo o velho barrigudo que meu pai se tornou durante minha ausência.— Jimmy Carter! — Exclamo seu nome, sabendo que ele não gosta que o chame assim. — Como você está, pai?Ele sorri, mostrando como o tempo foi cruel. Estava em Denver estudando por dois longos anos, mas sempre fui incentivada a estudar. O problema é que não o vejo há muito te
Era mais ou menos oito da noite quando minha mãe decidiu aparecer em casa, e, sinceramente, ela não parecia muito bem. Não sei o que aconteceu enquanto estive fora, mas talvez descobrir o que houve ajude a entender melhor a situação dela.— Então, James, por que Callahan? — Ela perguntou, mordendo a comida sem muita atenção. — Não é brasileiro?Ele assentiu com a cabeça, enquanto bebia um gole do uísque ao seu lado, os olhos sem foco.— Eu sou, mas meu pai não — murmurou, e eu senti meu olhar se fixar nele. — Nasci no sul do Brasil, mas a família do meu pai tem um rancho aqui, um lugar antigo.— Ah, que interessante, não sabia que já conhecia essa região — ela murmurou, embriagada pela mistura de cansaço e álcool.— Mais ou menos. Ainda sou muito novo para me considerar bem viajado — ele sorriu, antes de continuar. — Mas meu pai casou com uma brasileira. Temos fazendas aqui e no Brasil.Meu pai assentiu com um ar de aprovação.James deu mais um gole, e então seus olhos se encontraram
Enquanto cavalgo em Black Jack, observo a paisagem do rancho à distância. James e eu estamos indo até os Benett buscar as correntes para os pneus da caminhonete. Eles pegaram emprestado no ano passado e disseram que devolveriam, mas o tempo passou e nada foi feito.— Earl é um homem bem ignorante — murmuro, sem desviar o olhar.James me olha por baixo do chapéu e sorri de leve.— Assim como a maioria por aqui — responde, a voz carregada de um tom de quem já se acostumou com isso. — No começo, incomoda. Depois, você aprende a deixar passar.— E seu pai, James? — pergunto, ainda olhando para a paisagem, tentando não pensar no que estava prestes a acontecer.— Bom... ele foi casado com uma brasileira. Então, digamos que aprendeu a ser mais educado com ela. — James ri baixo. — Antes disso, era um sujeito insuportável.Assenti, compreendendo o peso das palavras.— O casamento dos meus pais foi arranjado pelos meus avós, então minha mãe... bem, ela não tem muita paciência por ele. — Um sorr
A noite demorou a passar. O celeiro rangia a cada assobio do vento, e parecia que, a qualquer momento, estaríamos no meio dos escombros daquele lugar.James, por sua vez, dormiu a noite toda. E eu agradeci pelo seu calor corporal, afinal, estava quase congelando. No fim, deu tudo certo, e o dia finalmente chegou. O amanhecer foi bem frio, e a tempestade durou a madrugada inteira, há quase um metro de neve acumulado na porta do celeiro.— O que vamos dizer ao meu pai? — pergunto, observando minha mão. Ela não inchou tanto por causa do frio do lado de fora.— A verdade. Não quero mentir para ele — murmura James, finalmente abrindo a porta.Uma quantidade pavorosa de neve cai dentro do celeiro, e eu respiro fundo, observando James se estressar com isso.— O aquecedor vai ter que esperar — ele murmura, saltando para o lado de fora.Faço o mesmo. O chão está coberto de neve, a grama congelada, e as árvores quase sem folhas. Está lindo como sempre.Havia me esquecido da beleza de um inverno