Parte 5 - Vergonha

Virei-me para ela, minha voz embargada pela dor e pela raiva, mas mantendo-a baixa, para não explodir de vez. "Vivian", eu disse, e a voz saiu mais quebrada do que eu queria. "Como você pôde? Como você pôde fazer algo tão cruel comigo? Com a gente? No que eu errei com você?"

Vivian levantou a cabeça um pouco, os olhos cheios de lágrimas. Ela gaguejou, as palavras saindo confusas. "Ella... eu... eu juro que não estava no meu plano. Não era para acontecer isso." As mãos nervosas, ela gesticulava um pouco. "Mas... o Demétrio... ele foi tão gentil. Tão atencioso. Ele me deu tanta atenção depois do que eu passei com o Marcos. Ele me ajudou a esquecer... e eu não... eu não pude evitar que as coisas acontecessem assim."

Não pôde evitar? A desculpa me fez querer rir de desespero.

Demétrio tentou se aproximar, talvez para explicar, para acalmar as coisas, para falar com Dante. "Filho...", ele começou.

Mas Dante não deixou. As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto pálido dele, lágrimas de raiva e de dor. Ele olhava para o pai, para a tia, a decepção e a fúria misturadas. Ele soluçou, a voz embargada. "Pai...", ele questionou, a voz cheia de incompreensão e mágoa profunda. "Como você pôde fazer isso comigo?"

Aquela frase... "Como você pôde fazer isso comigo?" Partiu meu coração em mais pedaços. A dor do meu filho era palpável. Era o limite. Eu não podia mais ficar ali. Não podia deixar ele ver mais nada.

Sem pensar duas vezes, peguei a mão de Dante, que ainda segurava o troféu. A pele dele estava fria. "Vamos", eu disse, minha voz firme agora, focada apenas em tirá-lo dali. "Vamos sair daqui."

Não olhei para trás. Puxei Dante comigo, o troféu balançando na outra mão dele, e saímos da sala de Demétrio, deixando para trás a porta escancarada, o cheiro da traição, os rostos culpados e as desculpas vazias. Precisava tirar meu filho daquele lugar sujo de mentiras e infidelidade. Precisava nos tirar dali, o mais rápido possível. O corredor parecendo ter o ar faltante, as portas dos consultórios silenciosas, cúmplices de um segredo podre. Entramos no carro sob a chuva fina que ainda caía lá fora. O silêncio dentro do carro era pesado, cheio do que tínhamos acabado de ver, da dor e do choque que pairavam no ar. Olhei para o Dante. O rosto dele ainda estava pálido, com os olhos fixos para a frente, segurando o troféu no colo como se fosse um escudo. Eu não sabia o que falar. Que palavras poderiam consertar aquilo? Que explicação seria suficiente?

Liguei o carro, coloquei o cinto. Dirigi sem rumo por alguns minutos, a chuva batendo no para-brisa em um ritmo constante, um som que parecia abafar o caos dentro da minha cabeça. A cidade passava pelas janelas, embaçada.

Vi um parque à frente. Não um parque de parquinho e gritos de criança, mas um com árvores grandes, caminhos para andar e bancos solitários. Um lugar para respirar. Estacionei o carro perto de uma área mais isolada, sob a sombra de uma árvore grande, mesmo com a chuva, que agora era apenas um chuvisco. Desliguei o motor. O silêncio voltou, apenas o som suave da chuva nas folhas e no carro.

Preciso conversar com ele. Agora.

Virei meu corpo no banco para olhar para ele de verdade. O troféu ainda estava firme no colo dele. "Dante", eu disse, minha voz suave, tentando encontrar a firmeza que eu precisava. "O que a gente viu... lá na clínica... foi... foi uma traição." Ele me olhou, assentindo devagar. Ele sabia a palavra. A dor que ela carregava. "E... por causa disso... e de outras coisas que vêm acontecendo há um tempo... eu não posso mais ficar com o seu pai." Respirei fundo, a frase saindo difícil. "Eu vou pedir o divórcio."

Ele não gritou. Não chorou mais alto. Apenas assentiu de novo, a expressão grave. "Eu sei, mãe", ele disse, a voz baixa e surpreendentemente madura. "Eu entendo. Você tem que fazer o que é melhor para você. Para a gente." Ele fez uma pausa, olhando para as mãos no troféu. "Eu não quero ver o pai por agora. Não consigo." A dor nos olhos dele era palpável, real.

De repente, uma outra preocupação pareceu atingir ele com força, desviando-o da dor imediata. Ele se virou para mim de novo, os olhos arregalados, cheios de pânico. "Mãe... eu não posso voltar para a escola."

Fiquei confusa por um segundo. "Como assim não pode, filho? Por quê?"

"Se alguém souber!", a voz dele era urgente agora, cheia de medo da humilhação. "Se alguém descobrir o que aconteceu... sobre o pai e a tia Vivian... Que o pai traiu você com a sua irmã... Vai ser a maior vergonha da minha vida, mãe. Eles vão rir, vão comentar. Não posso ir para a escola. Não posso encarar ninguém." Ele balançou a cabeça, desesperado.

A menção à vergonha, à família partida e ao que "alguém" pensaria me fez pensar na minha mãe. Lá no Arizona. Doente. Com o coração frágil. Como eu vou contar para ela sobre a Vivian? Sobre o que a filha dela fez? A Vivian que ela sempre protegeu, que sempre achou que era a mais delicada, a que precisava de mais cuidado. Isso vai destruir a minha mãe. O pensamento me trouxe um peso novo.

Lembrei do mercado dela no Arizona. Um mercado pequeno que ela sempre teve, desde que eu era criança. Às vezes, quando eu morava lá, antes de vir para cá com Demétrio, eu a ajudava com a contabilidade, com os papéis. Ela confiava em mim para isso. Era um trabalho simples, mas era dela, era real. Arizona. Uma cidade pequena. Longe daqui. Longe de Demétrio, de Vivian, dessa clínica, dessa casa grande e cheia de segredos. Um lugar onde recomeçar seria voltar para o que eu conhecia, para as minhas raízes, mas de um jeito diferente, com o Dante. Talvez... talvez voltar a morar no Arizona não seja uma opção ruim para a gente agora. Minha mãe precisa de ajuda, e a gente precisa de um lugar para lamber as feridas e tentar respirar de novo.

Mas não disse nada para o Dante ainda sobre o Arizona. A ideia era muito nova, muito grande. Precisava ter certeza, pensar em tudo. Precisava resolver uma coisa de cada vez.

Ele continuava ali no banco do carro, olhando para a frente, a chuva no para-brisa, o troféu no colo. Sua voz era baixa, amargurada, repetindo o medo e a dor. "Eu não vou voltar para a escola, mãe. Não posso." Ele balançou a cabeça. "Meu pai destruiu a nossa família."

Depois que cheguei em casa com Dante, ele subiu direto para o quarto. Eu o ouvi fechar a porta, e o silêncio que se seguiu foi ainda mais pesado do que o caminho até ali. As horas se passaram. Nem Demétrio, nem Vivian voltaram. Quando a noite chegou, a fome era a menor das minhas preocupações. Nem eu, nem Dante queríamos comer.

Sentei no sofá, o peso do dia esmagando meus ombros. Agora, a chuva já tinha ido embora, deixando apenas o ar fresco e o cheiro de terra molhada. Eu precisava de conselhos. Precisava conversar com alguém.

Foi então que meu celular vibrou. Uma mensagem de Demétrio. Ele queria me encontrar na manhã seguinte, em um café onde já havíamos ido muitas vezes, para conversar. Respondi que iria. Eu sabia que precisava enfrentá-lo, formalizar o que tínhamos visto e o que seria inevitável.

Com o encontro marcado, peguei meu celular e liguei para minha mãe, Marta. Ela tossiu um pouco, a voz fraca, a saúde sempre tão delicada. Eu queria poupá-la daquela dor, daquela sujeira, mas simplesmente não era mais possível. Ela precisava saber. Precisava entender que uma de suas filhas era um ser sem coração.

Respirei fundo, as palavras estavam atropeladas. Contei tudo, desde a chegada de Vivian, a mudança dela na clínica, o distanciamento do Demétrio... até a cena que Dante e eu presenciamos na sala dele. Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto enquanto falava, a vergonha e a raiva misturadas.

Houve um silêncio do outro lado da linha, e meu coração apertou com medo da reação dela. Minha mãe sempre foi mais frágil.

"Mãe... eu estou pensando em voltar para o Arizona", eu disse, a voz quase um sussurro. "Levar o Dante. Recomeçar ai. Longe de tudo isso."

Para minha surpresa, ela não me julgou. A voz dela veio mais firme do que eu esperava, apesar da tosse leve. "Minha filha, você tem uma casa aqui."

Fiquei confusa por um segundo. "Uma casa?"

"Sim, Ella. Aquela casa que Demétrio comprou há muitos anos, como investimento", ela me lembrou. "A que está vazia no nosso bairro. Aquela casa é sua também, foi comprada no nome dos dois."

Eu tinha quase esquecido daquele investimento distante, feito antes da nossa vida aqui se solidificar, antes da clínica tomar todo o nosso tempo. Uma casa vazia, esperando. A ideia começou a tomar forma, de forma mais concreta.

"Só tem um problema", minha mãe continuou, e eu sabia o que ela diria antes mesmo que ela falasse. "Você vai ser vizinha da família do Demétrio. A mãe dele, a irmã dele, a Lina, e o Sebastian. Todos moram aqui perto."

O estômago embrulhou um pouco. Demétrio, sua mãe que me desprezava, Lina e seu filho Jack que era da idade de Dante, o Sebastian que falava com Dante... Mas minha mãe não me deu tempo para hesitar.

"Não importa, filha", ela disse, com uma convicção que eu não esperava. "É melhor para você. E para o Dante. É o lar dele também, você cresceu aqui. Tem a mim. Eu te ajudo, com o que precisar. Você não está sozinha."

Naquele momento, as lágrimas que segurei durante o dia todo jorraram. Minha mãe, ao contrário do que eu pensava que seria, não me culpou, não questionei minhas decisões. Ela estava do meu lado.

"Eu sinto tanta vergonha da Vivian, Ella", ela disse, a voz cortada pela própria decepção. "Minha própria filha faz uma coisa dessas. Não acredito. Estou com tanta vergonha."

Suas palavras foram um bálsamo. Saber que ela me apoiava, e que compartilhava da vergonha pela Vivian, me deu uma força que eu não sabia que precisava. O Arizona. O recomeço. Era uma opção. E talvez, a única.

Depois da ligação com minha mãe, subi para o meu quarto. Mas antes, passei pelo quarto de Dante. Ele estava encolhido sob as cobertas, o sono da exaustão e da tristeza o dominando. Com um cuidado que me apertou o coração, ajeitei a coberta em volta dele e dei um beijo suave na cabeça. Meus olhos demoraram no troféu de ouro, solitário em uma estante no canto, aquela que eu mesma tinha comprado para ele colocar seus prêmios de outros torneios. Agora, ele parecia pesado, um lembrete agridoce de um dia que devia ser de pura alegria.

Saí do quarto dele e fui para o meu. Vesti um pijama qualquer, o corpo pesado de cansaço, mas a mente a mil. Deitei na cama, o teto escuro parecendo um véu sobre mim. Não havia mais dúvidas. A decisão estava tomada, firme, martelando na minha cabeça: eu iria embora o quanto antes com meu filho. Deixaria a casa para Demétrio e Vivian, se assim ele quisesse. Que ficassem com o que restou do meu casamento e da minha família.

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