Parte 6 - Uma nova Vida

Acordei com o sol da manhã batendo na janela, estranhamente revigorada depois de uma noite de sono agitado. A decisão de ir embora pesava, mas ao mesmo tempo trazia uma clareza que eu não sentia há muito tempo. A casa estava silenciosa. Nem Demétrio, nem Vivian tinham voltado para casa durante a noite.

Levantei, vesti um roupão e fui direto para o quarto de Dante. A porta estava entreaberta. Ele ainda dormia, o rosto tranquilo, o troféu no canto da estante. Sentei na beirada da cama, observando-o por um momento. Precisava falar com ele sobre o Arizona. Era o primeiro passo para o nosso recomeço.

"Dante?", sussurrei, acariciando o cabelo dele.

Ele resmungou e abriu os olhos devagar, piscando. "Mãe?"

"Bom dia, campeão", eu disse, forçando um sorriso. "Preciso conversar com você."

Ele se sentou na cama, o olhar ainda um pouco sonolento, mas já atento. "Sobre o quê?"

Respirei fundo. "Eu liguei para a vovó ontem à noite. Contei tudo a ela." A expressão dele se fechou um pouco, o medo da vergonha voltando. "E ela disse que temos uma casa lá no Arizona. Uma casa que o pai comprou há um tempo, que está vazia." Olhei para ele, buscando seus olhos. "Estou pensando que podemos ir morar lá, Dante. Recomeçar. Longe daqui, longe de tudo isso."

O silêncio preencheu o quarto por alguns segundos. Esperei a explosão, o pânico, a tristeza. Mas ele apenas pensou, os olhos percorrendo o quarto.

"Podemos ir mesmo?", ele perguntou, a voz baixa, mas com um lampejo de esperança. "Para o Arizona?"

Assenti. "Sim, filho. Podemos."

De repente, a expressão dele se iluminou. Não com a euforia de ontem, mas com uma paz que eu não via há dias. "E o tio Sebastian... ele trabalha em uma academia de boxe lá, não é?"

Assenti de novo, surpresa com a rapidez com que ele conectou os pontos. "Sim, ele trabalha. Conversa muito com você sobre isso, não é?"

"Sim!", ele disse, um sorriso genuíno finalmente brotando em seu rosto. "Eu poderia treinar lá. Seria bom. E ninguém lá saberia o que aconteceu aqui, mãe. Ninguém da escola."

O alívio me invadiu. Ele concordou. Ele estava pensando no futuro, em um recomeço. Isso era tudo o que eu precisava.

"É uma boa ideia, meu amor", eu disse, abraçando-o. "É uma ótima ideia. Vou começar a organizar tudo."

Ele se aninhou no meu abraço, e por um momento, senti que o peso nos meus ombros diminuiu um pouco.

"Agora", eu disse, soltando-o. "Preciso me arrumar. Tenho que sair para encontrar o Demétrio. Precisamos conversar."

Dante me olhou, a compreensão em seus olhos. "Está bem, mãe. Vamos ficar bem."

Caminhei até o meu quarto, vesti uma calça jeans escura e uma blusa qualquer. Não me importava em escolher algo especial. Apenas queria que fosse rápido. Peguei minha bolsa, as chaves do carro e saí. O café não era longe, algumas poucas ruas de distância. O trajeto foi rápido, e a cada metro eu sentia o nó no meu estômago apertar.

Quando cheguei, vi Demétrio através do espelho que refletia a porta de entrada. Ele estava sentado em uma mesa no canto, com um copo de café fumegante. Graças a Deus estava sozinho; não teria estômago para olhar para Vivian novamente.

Caminhei até a mesa dele. Ele estava calmo, aproveitando seu café como se fosse uma manhã qualquer. Levantou os olhos azuis para mim, uma fachada de normalidade em seu rosto.

"Bom dia, Ella", ele disse, a voz monótona.

"Acho que devemos começar para encerrar logo tudo isso", respondi, soltando um suspiro irritado. Não havia espaço para formalidades.

"Eu gostaria de falar que sinto muito que as coisas tenham acontecido assim", ele começou, mas eu já não aguentava mais as desculpas vazias.

"O que deveria ter acontecido, Demétrio?", perguntei, minha voz subindo um pouco. "O que deveria ter acontecido? Eu abriguei minha irmã na minha casa enquanto vocês dois me traíam pelas minhas costas? É isso que você queria que tivesse acontecido?"

Ele abriu a boca para falar, mas eu o cortei, a raiva me impulsiona. "Só vim até aqui para falar que vou entrar com o divórcio. E Dante e eu estamos de mudança. Vamos embora para o Arizona."

A calma de Demétrio se quebrou em um segundo. Ele deu um tapa forte na mesa, se levantando abruptamente, a xícara de café tremendo. Seus olhos se arregalaram, cheios de uma fúria que eu conhecia bem, mas que agora parecia ainda mais assustadora.

"Como diabos você vai?", ele gritou, a voz alta o suficiente para chamar a atenção de algumas pessoas no café. "Você não está levando meu filho para longe de mim, Ella! Você me escuta?"

Nessa hora, ele já estava descontrolado.

"Seu irmão trabalha em uma academia de boxe lá. Ele pode ajudar Dante com os treinos, dando a ele um novo foco."

Enquanto falava de Sebastian, uma memória veio à tona: Demétrio e o irmão mais novo nunca tiveram uma boa relação. Temperamentos diferentes, sempre em conflito. A frieza entre eles era palpável, mesmo quando eu morava lá. Mas isso não importava agora. A prioridade era Dante.

Não deixaria que ele ditasse nada. A decisão estava tomada. "Mas não pense que você vai decidir o que fazemos, Demétrio. Se você não queria que isso acontecesse, deveria ter pensado antes de nos trair. Porque você não traiu só a mim. Você também traiu o seu filho."

Minhas palavras pareceram atingi-lo em cheio. Ele parou, a fúria congelada em seu rosto por um instante, substituída por algo que se assemelhava ao choque. Mas durou pouco. Seus olhos se endureceram novamente.

"Se você pensa que isso vai me afastar do meu filho, Ella, você está muito enganada", ele rosnou, o tom perigoso. "Eu não vou deixar você levar o Dante para longe de mim!"

A discussão se intensificou, e Demétrio continuava irredutível. Preferi me calar por um tempo e, em seguida, sair dali — aquilo não estava levando a lugar nenhum.

***

Levei alguns dias para arrumar nossas coisas. Era um processo doloroso, mas necessário. Dante estava firme em sua decisão de que era o melhor, embora eu percebesse a tristeza em seus olhos. Ele havia tentado ligar para o tio Sebastian, mas soube que ele havia viajado para participar de uma competição de luta. O mundo do boxe não parava por nossos dramas pessoais.

Eu estava bem. A dor da traição ainda era uma ferida aberta, mas a raiva inicial havia se transformado em uma conformidade fria. Havia dedicado minha vida a Demétrio e a Dante, e agora só restava o filho. Consegui que o divórcio fosse assinado em pouco tempo. Demétrio, aparentemente, não queria prolongar o sofrimento público. Ou talvez estivesse ansioso para seguir em frente com Vivian.

Numa tarde, depois que tudo foi finalizado entre eu e Demétrio, tive que ter a conversa mais difícil de todas com Dante. Sentei ao lado dele no sofá, respirei fundo e revelei que Vivian estava grávida de seu pai. Ele ficou abalado emocionalmente, as lágrimas escorrendo pelo rosto já tão marcado pela dor. Disse que nunca reconheceria esse bebê como seu irmão, e que tudo isso era vergonhoso e confuso demais. Dante precisava de tempo, e eu ia dar isso a ele, custasse o que custasse.

Agora, enquanto entramos na rua onde será nosso novo lar, um medo me corrói por dentro: e se ele não conseguir se acostumar com a nossa nova situação? Mesmo ele tendo me garantido antes que tudo ficaria bem. Estaciono na frente da nossa nova casa, uma construção de tijolinhos claros, sofisticada, e acolhedora. E mais uma vez, o celular de Dante toca no bolso da calça. Demétrio tem ligado para ele sem parar nos últimos dias, mas Dante não atende nenhuma de suas ligações.

Olho para meu filho no banco de trás, que permanece quieto, com os olhos fixos na casa.

"Você está animado para rever seu primo, Dante?", pergunto, tentando quebrar o silêncio e trazer um pouco de leveza. "Ele sabe que estamos nos mudando para cá. Eu o avisei quando você tomou essa decisão."

Descemos do carro e caminhamos até a entrada da casa. Olhei para o lado e percebi a casa da família de Demétrio. Esperava não ter que vê-los tão cedo; mesmo sabendo que não era minha culpa, eu sentia vergonha por estar naquela situação. Começamos a descarregar nossas coisas. Então Dante e eu olhamos a casa: três quartos, uma sala, cozinha e um grande quintal. Era simples, mas era nossa.

Eu estava terminando de arrumar o quarto quando Dante veio do corredor. "Mãe?"

"O que foi, filho?"

"O tio Sebastian já chegou. Ele está dando aulas na academia." Seus olhos brilharam com uma esperança quase infantil. "Você poderia falar com ele sobre eu treinar com ele?"

"Claro, filho", eu disse, sentindo um nó de emoção na garganta. Aquele era o primeiro sinal de que ele realmente estava se adaptando, encontrando um ponto de luz. "Você fica aqui enquanto eu vou até lá."

"Mas você sabe onde fica?"

"Só me passa a localização do lugar", respondi, já pegando as chaves do carro novamente. Ele assentiu com a cabeça, os olhos já voltando para o celular para pegar o endereço.

Deixei ele em casa e voltei para o meu carro. Eu estava indo para a academia para garantir que aquilo que meu filho mais gosta na vida não estava perdido. Lutar. Era mais do que um esporte para ele; era uma paixão, uma forma de lidar com o mundo. E agora, mais do que nunca, ele precisava disso.

Dirigi as poucas ruas que Dante havia me indicado, a ansiedade crescendo no peito. Quando estacionei na frente da academia, meus olhos se arregalaram. Aquilo era surpreendente, luxuoso e grande. A fachada moderna, com grandes janelas, já denunciava que não era uma academia qualquer.

Caminhei para dentro depois de sair do carro. Eu entrei na academia e imediatamente senti o cheiro característico de suor e esforço, misturado ao som dos socos firmes contra os sacos de areia e o burburinho de vozes. Era um lugar vibrante. Lembrei-me do Sebastian garotinho, sempre com um sorriso fácil quando nos víamos. Pensei nisso enquanto olhava para tudo à minha volta, buscando por ele entre os atletas e instrutores.

Então eu o vi. E sim, ele tinha mudado absurdamente. Se eu já não soubesse que ele tinha apenas 19 anos, nunca acreditaria. Ele era forte, com uma mandíbula bem construída que lhe dava um ar maduro, cabelos pretos cortados em estilo militar. E aqueles músculos? Braços torneados, ombros largos. Ele não parecia em nada com seu irmão mais velho Demétrio; ele parecia com o pai, já falecido, em seus anos mais jovens. Seus olhos eram de um azul profundo. Notei que ele estava ensinando alguns golpes para uma mulher, muito linda por sinal, com cabelos castanhos claros e um sorriso fácil.

"Sebastian?", sussurrei, mais para mim mesma do que para ele, mas a voz saiu.

Ele parou o que estava fazendo e seus olhos se chocaram com os meus. Foi como se fogos de artifício fossem soltos ali mesmo, uma atração inesperada e intensa nos conectou, me prendendo naquele instante. Eu não conseguia falar, e nem ele. O tempo pareceu parar, e só existia o olhar entre nós.

Mas logo voltei à realidade quando a mulher ao lado dele limpou a garganta discretamente. Sebastian piscou, a conexão se quebrando, e ele deixou a mulher para trás, aproximando-se de mim com um passo rápido.

"Ella?", ele disse, a voz cheia de surpresa e algo mais que eu não soube identificar. "Mas como? Deus, você está tão diferente." Seus olhos azuis, antes tão intensos nos meus, desviaram-se rapidamente, e suas bochechas ficaram vermelhas, um rubor que contrastava com sua imagem forte.

"Podemos conversar em particular?", eu consegui falar, minha voz ainda um pouco trêmula.

Ele assentiu com a cabeça, os lábios se apertando em uma linha fina. "Claro. Me siga."

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