Você acredita que possa intuir sobre algo que estaria prestes a acontecer? Amanda não acreditava, entretanto, após um rompimento aprendeu a confiar em seu sexto sentido. Ela se livrou de um relacionamento tóxico e seguiu adiante, encontrando em Raul o amor que para ela era desconhecido, no entanto, André deixou de ser seu namorado problemático para se tornar o algoz que passaria a persegui-la. E completamente insano, passou a arquitetar uma forma de aniquilá-la, não só a ela, mas pessoas próximas, transformando o cotidiano da mulher em algo aterrorizador.
Leer másO persistente sol teimava em passar por entre as nuvens naquela manhã. Amanda acordara esgotada principalmente após a longa e fatídica conversa da noite anterior com seu então ex-namorado.
André era um homem bonito, charmoso, bem-sucedido e extremamente controlador. Os três anos que passaram juntos foram bons, mas também tóxicos e, se a balança dos relacionamentos de fato existisse, penderia para os momentos mais enfadonhos do que os prazerosos. Amanda cansou-se de relevar, de passar panos quentes; na verdade ela se cansou de tudo nele, até mesmo no que a atraía com o passar dos anos tornou-se indesejável e dispensável. O rompimento não fora doloroso pelo menos para ela, a médica ortopedista de 31 anos sabia o que desejava numa relação e passar o resto da vida em negação e pisando em ovos não fazia parte dos seus planos.
André não era agressivo, embora fosse muitíssimo ciumento, porém gostava de controlar tudo e todos a sua volta, e o que mais a irritava era a maneira absurda que tinha de responder em seu lugar, escolher o tipo de massa que iriam degustar na cantina predileta dele e até mesmo definir os roteiros das viagens que eventualmente viessem a fazer. Tudo tinha que ser conforme o senhor André desejasse. O homem fazia planos para o futuro, planejou nos mínimos detalhes a cerimônia do casamento, a festa, o número de convidados até mesmo a quantidade de filhos que teriam, assim como negar veementemente até a morte a adoção de um pet, algo que ele detestava, os animais de modo em geral.
Indiscutivelmente André Costa Milanese era um ser que regia a sua vida e a de todos a sua volta com mãos firmes de um ditador, que em nada condizia com o que Amanda acreditava e almejava.
A mulher esguia seguiu até a cozinha e preparou uma xícara de café e, no instante em que se deu conta que a cafeteira moderna que ficava sobre o balcão fora um item trazido sem consulta para o seu apartamento pelo seu ex, ela verteu a bebida quente na pia, desligou o aparelho e, após enxugá-lo, o guardou numa sacola de plástico.
Não preciso de você.
Ela acomodou a sacola no sofá.
Prefiro beber água o resto da minha vida a ter que beber o café feito por você.
Amanda riu sarcástica.
A sensação de se ver livre era o melhor dos prazeres. Há anos não se sentia tão bem, apesar do cansaço que a consumia naquela manhã, mesmo tendo noção das inúmeras tentativas de reconciliação que viriam, como; presentes exagerados e caros, convites para jantar, visitas inesperadas e tantas outras artimanhas que seriam utilizadas pelo André que a deixariam ainda mais farta. Tudo era possível tratando-se dele, o homem cujo ego dilatado era um de seus defeitos.
Amanda abriu a geladeira e com o apetite de um leão, separou alguns ovos e duas laranjas pera que estavam murchas.
É o que tem para hoje.
Ela lançou as laranjas para o alto e as pegou, rindo.
Antes de preparar seu desjejum, ligou o notebook e dedilhou pelo YouTube em busca de uma música que lhe tirasse do chão.
Hum, gostei. Que música é essa?
Curiosa, leu a descrição.
— Way Down We Go cantada por Kaleo.
A médica descompromissada colocou no volume máximo e deu algumas reboladinhas enquanto quebrava os ovos num pirex.
O suco de laranja e a omelete pareceram manjar dos deuses.
Como era agradável se contentar com refeições simples e fazer o que se gostava, Amanda pensou e caminhou até a sacada, jogando o chinelo surrado para longe e se esparramando na rede. A sensação deleitante foi interrompida pelo som do seu smartphone.
— Alô.
— Hello, amigaaa. Como você está?
Patrícia, uma amiga da época da universidade com quem Amanda mantinha a amizade e com quem se sentia bem para confidenciar, nos mínimos detalhes, todo o conteúdo do seu antigo namoro, ligou para tirar a colega do apartamento e levá-la para aproveitar a noite.
— Bem, Pati, e você?
— Ótima, amiga. É o seguinte, liguei para te fazer um convite irrecusável e não aceito um não como resposta. Me conhece, Mand. Nada melhor nessa vida do que cair na farra com a amiga, estou mega a fim de conhecer uma casa de espetáculos somente para mulheres, que comentaram comigo hoje na academia, e por tabela saber como foi a DR de ontem. Só em saber que vamos sair sem aquele cara de poucos amigos ao nosso lado, fico com dor de barriga de tanto gargalhar. — Patrícia riu e Amanda acabou rindo também.
— Foi tenso e libertador. Para ser clara e objetiva, não estava com vontade de bater pernas, afinal é minha primeira noite só, mas, pensando bem, eu topo. Onde fica e que horas passo aí?
— Uhul, é assim que se fala, mulher. As amarras não foram feitas para nós, Mand. O que acha de irmos de Uber? Depois eu durmo aí e colocamos todas as nossas fofocas em dia.
— Tirando o assunto de ontem, meu estoque está zerado com você. — Amanda riu novamente. — Uber é perfeito. Passo na sua casa às dez, pode ser?
— Combinadíssimo. Nos vemos mais tarde, beijos, amiga.
— Beijos. Ah, a noite é por sua conta.
Amanda desligou o telefone, deixando claro que não se esqueceu da promessa da amiga, referindo-se a custear uma noite de farra para comemorar o término do relacionamento com o André.
O dia passou ligeiro e como combinado, Amanda chamou um Uber e passou na casa da amiga, seguindo posteriormente para o local escolhido com afinco por Pati.
O trajeto fora rápido e logo as duas adentravam na suntuosa casa de espetáculos.
— Duas taças de vinho tinto suave, por favor — Patrícia pediu ao barman e o rapaz fez um meneio de cabeça, mostrando os dentes brancos alinhados num sorriso galanteador.
— Você não tem jeito.
Amanda deu um discreto sorriso para a amiga, que continuava flertando com o gostosão que as atendia.
O homem voltou equilibrando as taças numa bandeja cromada e piscou para ambas.
— Saúde, garotas. Se precisarem de algo, fico por aqui até as oito da manhã. — Exibindo todo seu charme, o barman voltou a atenção para um grupo de pessoas que solicitavam drinks.
— Que fofo! — Pati praticamente gritou no ouvido da amiga.
— Bonito, fofo é um pouco demais.
Amanda levou a taça à boca, saboreou seu Cabernet Sauvignon e seguiu para um dos mezaninos que se encontrava desocupado.
— Então, como foi a coisa toda? Porque aceitar pacificamente não faz muito o tipo do André. — Patrícia girou a taça nos dedos e olhou para a amiga, que continuava a beber calmamente sua bebida.
— Terminar com alguém, por mais evidente que tudo pareça, é difícil. O André é uma boa pessoa, mas temos que convir, ele precisa mudar essa maneira de querer controlar tudo que se move, é cansativo. Fui arrastando, empurrando com a barriga, supus que ele uma hora ou outra percebesse o quanto era intransigente, no entanto, nesses três anos, nunca demonstrou mudança alguma ou sequer vontade de querer evoluir.
— Você é uma heroína, Mand. Ele é, sem dúvida, o homem mais chato que eu tive o desprazer de conhecer. O que tem de bonito, tem de desagradável. Pessoas assim, deveriam se casar com o espelho. Dormir e acordar abraçados consigo mesmo. Nunca achei que era saudável esse seu relacionamento. Perdão, amiga, sempre fui sincera e não nego o quanto estou feliz por você. A ares novos. — Patrícia ergueu a taça.
— A ares novos. — Amanda repetiu o gesto da amiga e tilintou tomando um generoso gole de vinho em seguida.
— Você deveria tirar alguns dias de folga. Quando foi a última vez que viajou sozinha?
Patrícia inquiriu, embora soubesse que Amanda jamais tivesse feito algo do tipo. Bem ao contrário dela que, pelo menos uma vez por ano, viajava sozinha.
— Nunca. — A médica riu e pensou que talvez a ideia não soasse tão ruim assim. Não era ser solitária e sim se encontrar consigo mesma, fazer algo que nunca havia cogitado, fora de seus planos, mas que desta vez fazia todo o sentido.
Amanda encarou a amiga, deu um meneio de ombros e voltou ao assunto.
— O que me sugere?
— Bom. — Pati colocou a taça sobre a pequena mesa preta de granito cinza chumbo, ajeitou-se no confortável banco de couro preto e soltou a língua. — Uma pousada em Ubatuba, Praia das Toninhas, um lugar calmo, acolhedor, cercado de muito verde, café da manhã maravilhoso e... — Ela fechou os olhos recordando-se de todas as viagens que fizera para esse local. Patrícia era uma aventureira incorrigível, o oposto da Amanda, e quando se tratava de conhecer lugares paradisíacos ela os conhecia como ninguém. — Das últimas vezes que fiquei hospedada lá, foram nessa mesma pousada. Foram dias incríveis, a natureza, eu e ninguém mais. É perfeito, amiga. Recarreguei as baterias, organizei as ideias e voltei cheia de planos.
— Eu me lembro do seu entusiasmo. Era contagiante. — Amanda demonstrou total interesse. — Depois me passa o endereço, vou ver se consigo me organizar e tirar alguns dias, quem sabe um final de semana.
— Não, não. — Patrícia negou com a cabeça. — Final de semana não recomendo, é longinho, amiga. O ideal mesmo é uma semana, no mínimo. Que ser nessa Terra consegue relaxar num único final de semana? Os paraísos devem ser aproveitados ao máximo. Ajeita as coisas, há quanto tempo não saí de férias?
— Férias mesmo, de vinte dias, há dois anos.
— Então, converse no hospital, reorganize a agenda do consultório e caia na estrada, você precisa, precisamos às vezes, Mand. Tenho certeza de que voltará revigorada. Você merece, amiga. — Patrícia sorriu com ternura.
— Talvez tenha razão. — A ortopedista abriu um sorriso, começando a se familiarizar com uma possível folga.
— Eu sempre tenho. — Pati torceu os lábios num tom de gozação e pegou o smartphone na bolsa para passar a Amanda o quanto antes o contato da pousada, fez uma pequena pausa ao olhar para a frente e vislumbrar-se com um homem. — Uau! Olha aquele pedaço de mal caminho que começou a dançar no palco. — Rapidamente compartilhou o contato com a amiga e voltou a se interessar pelo parrudo que se exibia.
O céu estava límpido, o sol começando a despontar e pássaros volteando num balé cadenciado lhe chamou a atenção. O homem de cabelos extremamente negros, olhos escuros como ébano e de poucas palavras, fixou seu olhar para cima e sorriu quando pensou que adoraria derrubar boa parte daquelas aves com uma potente espingarda. Vê-las caindo uma a uma como folhas secas despencando das árvores no outono. Seria um feito magnífico se assim pudesse fazer. Infelizmente naquele instante não seria possível, afinal de contas, o insano atualmente usava sua branca e macia pele de cordeiro. Ele havia se escondido, fugido, mudado de nome, cor de cabelos, vestimentas, traços faciais, país, no entanto, continuava com a mesma sede de sangue.O nefasto em nada havia mudado. Pelo contrário só havia aprimorado ainda mais seu requinte de crueldade. Ele gargalhava toda vez que se lembrava do rosto apavorado de Amanda olhando para ele exalando um grito abafado de suplica. O pavor, o medo de suas presas ou vítim
O cientista político passou quase duas semanas internado. Após seis dias na UTI, ele foi transferido para o quarto e naquela tarde removido para o Hospital Santo Agnelo, o mesmo em que Amanda trabalhava. Ela optou em transferi-lo para que Raul tivesse todo apoio e assistência do corpo clínico que conhecia como a palma de sua mão, embora o hospital público para onde foram levados tivesse atendido e cuidado dele com excelência.A médica como prometido, não saiu de ambos os hospitais, permaneceu todos os dias ao lado de seu amado, que, apesar da perda de peso, um quadro febril nos primeiros dois dias após a cirurgia, recuperou-se muito bem.Quanto ao André, a polícia ainda continuava à procura dele, dois meses haviam se passado, coisas horrendas foram descobertas, como o quarto improvisado com as paredes repletas de fotos de Amanda e Raul anexadas por toda parte, tal qual sua coleção de armas de fogo, vídeos terrificantes de mulheres sendo agredidas e abusadas, perucas, bigodes, lentes d
— Você é Amanda? — Um homem alto, com cara de poucos amigos, acompanhado de uma mulher aproximou-se deles.— Eu mesma, por quê?— Somos os investigadores, poderíamos conversar?— Com certeza. — Amanda foi categórica. — Poderiam apenas me dar um minuto, por favor? — ela pediu e os policiais se afastaram.— Eu não contei esse detalhe a eles, filha — Glauco informou e tanto a esposa quanto José e Léia o confrontaram através do olhar.— Tudo bem, pai. Não existe uma forma moderada de dizer. — Amanda fechou os olhos por um instante e, ao abri-los, foi relatando: — Não sofremos um assalto, não foi isso que aconteceu, na verdade, o André, meu ex-namorado, foi o culpado. — Eles a olharam boquiabertos. — Aquele desgraçado é um assassino, ele confessou ter sabotado o carro do papai, ter atropelado o Chico e... — O rosto dele veio em sua mente causando nela uma enorme repulsa. — Chegou a regozijar-se relatando que matou prostitutas. Ele estava nos seguindo, colocou rastreadores no meu e no carro
O doutor Nilton colocou Amanda a par de todo quadro clínico de Raul e sentada ela estava e sentada continuou ouvindo tudo calada, mas extremamente feliz e esperançosa, seu amado iria se recuperar e ela ficaria ao lado dele. Trocar de lugar com ele seria impossível, mas se pudesse o faria sem pestanejar. Porque o fato era, a médica se sentia culpada.O fardo de tudo que aconteceu estava pesando e muito em suas costas. Chegou a passar pela cabeça dela que, se talvez não tivesse se envolvido com o homem que tanto amava, ele não estaria lutando pela vida nesse momento.Romper com André, foi apenas a ponta do iceberg, o psicopata nunca foi o ser mais agradável do mundo, mas virar um assassino frio, isso foi muito para a cabeça dela.A culpa era um doce amargo e estava difícil de ser digerido. Entretanto, pensaria no assunto mais tarde, nada mais importava, nem mesmo o sentimento de responsabilidade corroendo suas entranhas, o primordial em sua vida era ver Raul, tocá-lo, senti-lo vivo, res
O medo a paralisou, Amanda segurou as lágrimas e sentiu o gélido sangue escorrer por seu braço. Ela estava inerte, os paramédicos falavam com ela, mas nenhum movimento, palavra ou uma pequena ação que fosse vinha dela.A única coisa que passava por sua mente, era o André descontrolado cuspindo ódio e, em seguida, golpeando Raul que como um herói partiu em defesa da amada. Ela nem sequer lembrou-se de seu próprio ferimento, a ortopedista fora atingida, mas isso pouco lhe importava, só desejava que o homem que tanto amava saísse dessa sem sequelas.Com o peito explodindo de dor e medo, Amanda sentou-se no chão do corredor do hospital e abraçada às pernas, abaixou a cabeça e permitiu-se chorar. As lágrimas vieram acompanhadas de soluços e questionamentos, que só nesse instante invadiram seus pensamentos.O algoz os abordou, confessou suas maldades e ela intuiu que algo de ruim estava por acontecer, lembrou-se de apertar a mão de Raul e balbuciar:— Estou com um mau pressentimento.Raul s
O estacionamento estava quase vazio, Amanda parou após o show apenas para usar o banheiro, mas isso foi o suficiente.— Que cena digna de cinema. — André surgiu na frente deles vestido com seus trajes obscuros.— O que é isso, André? Você anda nos seguindo? — Amanda perguntou, olhando ao redor em busca de mais alguém, e com o coração batendo forte em seu peito, apertou a mão do namorado.— Seguindo? O que você acha? Você já foi mais sagaz, querida. — Sorriu com sarcasmo. — É nítido, não? Ouviu dizer que existem rastreadores? Pois é, foi assim que cheguei até vocês hoje e em todas as vezes que supostamente nós nos encontramos.Assustada com o que acabara de ouvir, Amanda pensou em gritar, fazer algo que pudesse chamar atenção de alguma pessoa, ela intuiu que aquele encontro não acabaria bem.— Isso é doentio — a ortopedista disse por fim.— Vamos, amor. — Raul deu um passo em direção ao seu carro, porém recuou.— Não se atrevam, pombinhos. — Nesse instante, André tirou uma das mãos de d
Último capítulo