Quanto pode suportar uma criança em uma situação completamente adversa e humilhante, para se manter fiel aos seus princípios e se manter viva? Edilene é uma garotinha de 12 anos que, na promessa de partir para a cidade grande na esperança de uma vida melhor, cai numa armadilha preparada pela própria tia e por um perigoso traficante e vive situações que ultrapassam o limite da resistência, da coragem e da fé. Com uma narrativa simples e ágil, porém intensa e plena, a autora Edyangel Marques conta a própria história, deixando um exemplo de força e sabedoria. Uma história real e cativante.
Leer másINFÂNCIA PERDIDA
No interior de Minas Gerais, na zona rural, bem distante da cidade, morava uma família muito simples e humilde. Seu Joaquim e dona França lutavam com bravura na lavoura para criar seus doze filhos.
Apesar de ser um bom homem, seu Joaquim era muito severo com seus filhos. Eram três mulheres, Lourença, Conceição e Efigênia, a caçula, e nove homens. Assim como dona França, seu Joaquim sonhava em ver as três filhas casadas. Ele não aceitava que elas namorassem ninguém, não deixava elas saírem pra nenhum lugar, deixando-as presas. Loura, sua filha do meio, não aceitava a ideia do pai tratá-las como animais presos na gaiola e sempre apelava para sua mãe. Que sempre dizia. — Eu não posso fazer nada, Loura.— Olha mãe, eu estou gostando de uma pessoa. Vou sair com ele hoje, custe o que custar.— Mas você conhece seu pai, minha filha. Se ele te pegar, vai te machucar muito. Mas loura sempre teve um temperamento difícil.— Me ajuda mãe, por favor.—Tudo bem. Não concordo com que o Joaquim faz com vocês, afinal os filhos não foram feitos para gente, foram feitos para o mundo mesmo. Te ajudando ou não, você vai encontrar com esse rapaz de qualquer jeito. Então eu prefiro te ajudar a deixar você fazer besteira. Vai se arrumar e sai escondida. Vou colocar uns travesseiros aqui na sua cama para ele não perceber. Não chega tarde, porque se seu pai descobre que dou cobertura pra você encontrar esse homem, ele nos mata. Você sabe muito bem que seu pai não gosta desse povo.— Quem é esse primo?— Ele chama Junior.— Junior? É o Juninho da Maria?— É sim.— Caramba, você é parente do Juninho?— Solta ela, cara – um disse para o outro – o Juninho é sangue bom, ele é dos nossos.— Eu vou te soltar, mas se você abrir essa boca te mando para o lado dos pés juntos. Cai fora.Eu saí correndo para casa. A Maria já estava preocupada comigo, eu não disse nada pra ela. Falei que estava na casa de uma colega para não preocupá-la. Mais tarde o Junior me chamou pra conversar e disse.— Você não tem nada pra me dizer, Edilene? Esses caras são da pesada, ficar longe daqueles homens. Eu prometi pra eles que você iria ficar de boca calada.Era domingo, a Maria me alertou que o Velho já deveria estar chegando para me buscar
— Eu não tenho medo dele. Deixa a menina aí, Francis. Deixa o Velho vir. Um dia a gente tem que acertar as contas mesmo. Que seja agora, então. Ele foi até o quarto, pegou um revólver e colocou na calça.— Não, Alemão. Se for pra vocês se matarem, não vai se por minha causa. Vou embora.— Você não vai sair daqui. Deixa que ele venha. Estou preparado para ele.Tia Francis me chamou.— Vem, minha filha. Sente-se aqui. Vou pegar alguma coisa para você comer.Por um minuto eu me senti no céu, porque eu vivia no inferno todo dia.De repente o Velho chegou com seus capangas e chamou a tia Francis.— Entrega a menina, Francis, senão eu atiro.O Alemão revoltado gritou:— Você não é dono dela, seu canalha. Ela não é nada sua, é sobrinha da Francis. E não vai sair daqui.Ele então ordenou que os capangas atirassem. Foi uma troca de tiros terrível. A tia não parava de chorar, dizendo que todos nós iríamos morrer. O alemão tomou um ti
— Manda ela calar a boca, Francis, senão eu arrebento com ela.Minha tia veio até mim.— Calma, Edilene, calma. Ele pode machucar você. Por favor, minha filha. Não vai enfrentando ele assim, porque dessa forma você não vai conseguir nada, a não ser ganhar o ódio dele. Vai ser muito pior tê-lo como inimigo, ele é muito perigoso. Fica calma, Deixa-me passar uma pomada no seu rosto. Aquele maldito! Bater daquele jeito em uma criança? Covarde.Eu não vou ficar aqui chorando feito um bebezinho, não vou mostrar fraqueza pra ele. Vou mostrar que não tenho medo dele e que sou capaz de me defender.Só que não era assim tão simples como eu imaginava. Meu pesadelo estava apenas começando. Ouvi uma conversa dele com um dos viciados, com quem ele andava dizendo que ia judiar de mim, queria ver se eu ia aguentar manter aquele topete por muito tempo, nem que para isso teria que me bater todos os dias. Então prometi para mim mesma que, por mais que doessem os socos que ele m
— Eu não sei, Cidinha. Ultimamente eu ando sentido nojo de tudo e ando tendo umas tonteiras estranhas.Cidinha arregala os olhos e diz.— Você está grávida, mulher!— Lógico que não, Cidinha. Como posso estar grávida se eu não fiquei com ninguém?— Tem certeza, Loura. Nem por uma noite?Loura se lembrou da noite que acordou no matagal do lado Carlão e começou a chorar.— O que aconteceu, Loura? Fala pra mim.Loura contou sua história para Cidinha, que ficou revoltada.— Bando de miseráveis. Como eles puderam fazer isso com você? Olha, amiga, se eu fosse você falava a verdade para Rosana, porque de qualquer jeito ela vai saber. A sua barriga vai aparecer.— O que eu vou fazer, Cidinha? Ela vai me despedir. Preciso desse trabalho para ajudar minha família. Mas eu não
lugar onde não sei se vou dar certo. Vou deixá-la aí com vocês, porque eu sei que aqui ela vai ter todo o amor que eu não vou poder dar, pois tenho que trabalhar. Mas antes vou ter que dar um nome a ela. Não sei nem como vou chamá-la. Já pensei em vários nomes, mas ainda não decidi. Bom, depois eu penso nisso. Vou levar a menina na casa da dona Maria para ela conhecer a neta.— Toma cuidado, minha filha, com aquele homem.— Não se preocupe, mãe. Não quero saber mais dele. A dona Maria me ajudou muito e ela não pode pagar pelos erros do filho. É mais do que justo ela conhecer a neta.E assim Loura fez. Levou a menina até a casa de dona Maria, que a partir daí não parou de mimar a neta com roupinhas e pagãzinhas que ela mesma fazia. E então perguntou:— Loura, a menina já tem nome?— Ainda est
tomou e das pancadas que dava contra a parede.Ao completar nove meses, Loura deu luz a uma menina. Preocupada perguntou para o médico como estava a menina. O médico olhou para ela, sorrindo, e disse.— Sei que está preocupada com os remédios que tomou, pois fui eu mesmo quem te atendeu. Mas não se preocupe, é uma menina linda enorme. Pesou quase cinco quilos e por sinal ela é perfeita. Vou trazê-la para que você possa ver.Quando o médico trouxe aquela menina e colocou nos braços de Loura, ela começou a chorar e pedir perdão à filha e a apertava em seu peito.Depois de deixar o hospital, ela foi para casa. Seu Joaquim se aproximou da neta e se emocionou ao vê-la. Pegou a menina no colo e pediu perdão por tê-la expulsado de casa junto com a mãe. E prometeu criá-la com amor de um pai que ela não teria.As coisas foram ficando mais difíceis. Seu Joaquim teve que trabalhar dobrado, apesar de não ter uma saúde boa, para não deixar faltar nada para sua neta.Um dia Lour
Último capítulo