Capítulo 12

— Eu não sei, Cidinha. Ultimamente eu ando sentido nojo de tudo e ando tendo umas tonteiras estranhas.

Cidinha arregala os olhos e diz.

— Você está grávida, mulher!

— Lógico que não, Cidinha. Como posso estar grávida se eu não fiquei com ninguém?

— Tem certeza, Loura. Nem por uma noite?

Loura se lembrou da noite que acordou no matagal do lado Carlão e começou a chorar.

— O que aconteceu, Loura? Fala pra mim.

Loura contou sua história para Cidinha, que ficou revoltada.

— Bando de miseráveis. Como eles puderam fazer isso com você? Olha, amiga, se eu fosse você falava a verdade para Rosana, porque de qualquer jeito ela vai saber. A sua barriga vai aparecer.

— O que eu vou fazer, Cidinha? Ela vai me despedir. Preciso desse trabalho para ajudar minha família. Mas eu não tenho outra saída, vou ter que contar pra ela. Mas antes vou ter que fazer o exame para confirmar. Obrigada, amiga – finalizou Loura emocionada.

— Que é isso, Loura? Você sabe que pode contar comigo, vai dar tudo certo viu.

— Eu vou fazer o exame amanhã, mas não tenho dinheiro para pagar e quando fazemos pelos SUS demora muito.

—Pode deixar, Loura. Eu te empresto o dinheiro e você pega o resultado na hora.

Loura voltou pra casa da patroa e diz para ela que ia ter que sair bem cedo, mais não ia demorar. Rosana, desconfiada, falou para o marido mandá-la embora. João pediu pra ela ter calma e não tomar nenhuma atitude no momento.

Loura fez o exame e pegou o resultado no mesmo dia. Ansiosa para abrir o exame, começou a passar mal no hospital e foi socorrida pelos médicos, que fizeram uma bateria de exame e depois a levaram para o quarto. Loura pediu para as enfermeiras ligar para sua patroa para avisar o ocorrido.

Mais tarde Rosana chegou, entrou no quarto e perguntou para Loura o que estava acontecendo. O médico entrou no quarto e disse.

— Eu vou dizer o que está acontecendo, senhora. Essa mocinha vai ser mamãe.

Dona Rosana abaixou a cabeça e disse.

— Já desconfiava que ela estivesse grávida mesmo.

Loura entrou em desespero. Ela gritava dizendo que não poderia ter esse filho, que seu pai iria matá-la. Os médicos e enfermeiros tentaram acalmá-la, aplicando uma injeção na sua veia. O médico pediu para dona Rosana deixá-la dormir naquela noite no hospital.

No dia seguinte Loura deixou o hospital e chegou toda sem graça na casa da patroa. Dona Rosana e seu João estavam na sala esperando para conversar. Ela entrou, foi direto para cozinha e dona Rosana a chamou.

— Loura, vamos conversar. É inútil adiar essa conversa. Eu e o João queremos falar com você. Sei que você tem uma vida muito difícil na sua cidade, e que seu pai é um homem muito rígido. Sei também que eles já cuidam de uma menina sua. M****r-te embora agora não vai resolver seu problema e o meu, por que eu preciso de você. Empregada como você não é fácil encontrar hoje em dia, mas eu e o João temos uma condição para você continuar aqui trabalhando pra nós.

— Condição? Que tipo de condição, dona Rosana?

— Você sabe que eu e João não temos filho homem. Nosso sonho é ter um filho homem aqui, correndo dentro dessa casa. Se seu filho for homem, ele será nosso. Quando você der a luz, deixa-o conosco e volta pra sua terra. Se for mulher, você pode voltar com ela. Pensa direitinho. Ele vai ter uma vida de rei, vai ter de tudo, vai ser nosso herdeiro, mas nunca vai saber que você é mãe dele. Eu vou ser a única família que ele vai conhecer. Ele vai ser muito amado, você sabe disso.

Loura disse que iria pensar na proposta da dona Rosana e pediu ajuda para sua amiga Cidinha.

— Olha, Loura, eu sei que é difícil deixar um filho pra trás, mas pensa na vida que ele vai ter, tudo que você não pode dar. E imagina a decepção dos seus pais, depois de te ajudar com a menina, ver você chegar com outra criança no colo na casa deles.

— É, você tem razão, Cidinha. Vou deixá-lo aqui, assim minha família não precisa saber disso. Evito dar mais um desgosto para meu pai.

Loura chamou dona Rosana e seu João, disse que aceitava sua proposta e que ia fazer a ultra sonografia no terceiro mês. Sendo menino, dava a criança e iria embora pra sempre da vida deles. Dona Rosana, muito contente, abraçou sua barriga e disse que já ama a criança, mesmo sem saber se é homem. Tratava Loura como se fosse da família. Não deixava faltar nada pra ela, mas também não pagava direito o seu salário por medo dela fugir. Assim a mantinha por perto.

Rosana passou a acompanhar Loura durante as ultrassonografias no terceiro mês de gestação. O médico perguntou se ela queria saber o sexo. Imediatamente a dona Rosana gritou.

—Fala logo, doutor. Pelo amor de Deus, o que é o bebê?

— É homem.

Dona Rosana se ajoelhou no chão, chorando de alegria, e abraçou Loura, que ficou emocionada de ver a criança em seu ventre. Mas dona Rosana fez questão de lembrá-la que ela era apenas uma barriga de aluguel, que aquela criança era dela e que esperava que cumprisse com a sua palavra.

Loura sempre ligava para sua família, mas nunca disse que estava grávida. Dona Rosana dava cada vez menos dinheiro para ela. Loura sempre dizia que era injusto, afinal ela trabalhava e merecia receber, mas dona Rosana alegava que ela já não estava mais dando conta do trabalho.

O pouco que recebia, Loura mandava para sua família. Eles precisavam muito daquele dinheiro. Os meses foram passando e sua barriga parecia imensa. Dona Rosana já tinha escolhido o nome da criança. Ele iria se chamar Roberto Carlos, pois ela era muito fã do cantor. Loura já estava com oito meses e já não tinha tanto certeza se queria deixar o filho pra trás. Cada vez que o nenê a chutava, se emocionava muito.

Chegou o dia. Ela deu à luz a um menino lindo. Loura viu seu filho e o médico o coloca em seus braços. Ela, toda emocionada, decidiu não entregar seu filho para a patroa e diz que não vai se afastar do filho. Dona Rosana foi até o quarto dela e disse que assim que ela tivesse alta, ela pegaria o ônibus de volta para casa. Loura concordou, mas tinha outros planos em mente.

O médico foi até o quarto e disse que a criança precisava do leite da mãe por pelo menos uns seis meses de vida, porque o bebê nasceu com baixo peso. Dona Rosana não deixava Loura ter contato com a criança, exceto no horário de amamentar. Ela sofria muito, pois seu filho era cuidado pela babá ao invés dela que era a mãe. Dona Rosana dizia que ela não podia cuidar da criança para não se apegar a ele.

Os seis meses se aproximavam do fim. Ele já estava um bebê lindo e espertinho. Loura só podia vê-lo de longe e sofria muito por estar tão perto do filho e ao mesmo tempo tão distante. Não podia tocá-lo nem beijá-lo.

Loura procurou sua amiga Cidinha e contou que não aguentava mais aquela situação. Pediu sua ajuda para fugir daquela casa com o filho. Cidinha disse que podia contar com ela e a deu um dinheiro, que agradeceu e disse que ainda a pagaria por tudo. Cidinha diz que não precisa, só de vê-la feliz já era o bastante.

Cidinha comprou a passagem de Loura de volta pra sua terra e bolou um plano para pegar a criança, pois ele não ficava sozinho. Quando dona Rosana não estava por perto, a babá estava. Elas acharam mais fácil pegá-lo quando estivesse só com a babá. Então cumpriram o plano:

Loura pediu para a babá mexer o arroz na panela, enquanto ela ia ao banheiro. A babá disse que não podia deixar a criança sozinha. Loura então disse que ele estava dormindo e era rapidinho. Enquanto a babá estava na cozinha, Cidinha subiu até o quarto e pegou a criança. Loura que já estava pronta. Foi até a cozinha e pediu para a babá entregar uma carta para dona Rosana. Sem desconfiar, a babá pegou a carta e prometeu entregar para dona Rosana. Loura e Cidinha pegaram o táxi e foram para a rodoviária. A babá, quando percebeu que Loura estava demorando, foi procurá-la, e percebeu que o menino não estava mais lá. Ela se desesperou e ligou para dona Rosana. Imediatamente dona Rosana chegou aos prantos e perguntou desesperada para onde foi Loura. A babá não sabia explicar e disse que ela deixou uma carta.

Na carta loura dizia:

“Apesar de ter dado meu sangue para a senhora e nunca ter recebido o que mereço, eu te agradeço por ter me amparado na sua casa. Mas a senhora me obrigou deixar meu filho longe de mim. Eu sei que a senhora pode dar uma vida melhor para ele, mas tenho certeza que o melhor para o meu filho é ter a verdadeira mãe do seu lado, porque amor de mãe, dona Rosana, nenhum dinheiro compra. Sei que não posso fazer muito por ele, mas te garanto que de fome ele não vai morrer. Vou trabalhar muito para criar meus filhos com dignidade e muito amor. Adeus. ”

Loura estava sem saber o que dizer quando chegasse à casa dos seus pais com a criança no colo, mas ela não tinha opção a não ser enfrentá-los. Quando ela chegou à porteira da casa, foi recebida pelos seus pais. Eles ficam surpresos ao vê-la com a criança no colo e perguntaram de quem era o bebê. Ela, triste, começou a chorar, dizendo que era seu filho. Seu pai pediu para ela explicar melhor. Ela os chamou para dentro de casa e disse que ia contar tudo.

Loura contou o que aconteceu desde quando descobriu que estava grávida e quando foi embora pra São Paulo. Seus pais choraram de tristeza ao saber que sua filha sofreu tanto. Loura ficou surpresa ao saber que seu pai a apoiou sem a criticar. Ele olhou para a filha e disse.

—Uma vez eu errei te expulsando de casa grávida. Aconteça o que acontecer, vou sempre estar do seu lado, porque nós somos uma família e família é isso, tanto nas horas boas e nas horas ruins. Sei que tudo vai passar.

Loura emocionada abraçou seus pais, disse que iria trabalhar muito para ajudá-los e pediu perdão.

Com a criança pequena, Loura não podia sair para trabalhar fora, mas lavava roupas para o pessoal das fazendas vizinhas.

Quando Roberto já estava com cincos anos de idade e Edilene com doze, Loura resolveu trabalhar em Brasília, onde uma amiga arrumou um trabalho para ela de doméstica. Mas não poderia levar as crianças. Seu Joaquim disse.

— Vai sim, filha. Eu sozinho não posso criá-los, mas com sua ajuda vamos cuidar deles. A Edilene já está grandinha e até me ajuda na roça. Ela é uma menina esforçada e muito inteligente.

Loura se despediu dos filhos e tentou não chorar para não impressionar a família, mas viajou com o coração partido. Ela sabia que o que ela iria ganhar era muito pouco, mas mesmo assim ajudava o pai.

Eu, Edilene, era uma menina cheia de sonhos. Queria estudar e ser atriz, mas a cidadezinha que morava não me proporcionava boas oportunidades. Mesmo assim, com toda dificuldade, eu ainda ia à escola. Eu era uma menina muito inteligente, mas aos doze anos ainda estava na terceira série, pois quase não ia à escola, devido à humilhação que sofria pelas outras crianças, porque ia quase sempre com a mesma roupa. Por esses e outros motivos, parei de estudar.

Sr. Joaquim, meu avô, trabalhava na roça. O que ganhava mal dava para comer, e mesmo assim nunca desistiu de lutar para dar o melhor para meu irmão e eu. Ele nunca perdeu a esperança de que eu realizasse meus sonhos. Eu, que desde os seis anos de idade trabalhava para ajudar meus avós, o pouco dinheiro que recebia não hesitava em comprar frutas e verduras para minha avó, que tinha um problema de saúde e necessitava desses alimentos.

Dona França, minha avó, sempre dizia:

— O sonho da minha neta é ter uma calça jeans. — ela não achava certo eu gastar meu dinheiro com ela, mas eu era uma menina. Sabia o quanto eles precisavam de ajuda. O pouco que fazia não era muito, mas pensava nos meus avós primeiro.

— Ah, minha filha. Pega seu dinheirinho, compra a calça que tanto você quer. Não acho justo você gastar esse dinheiro comigo.

— Não, vó. A calça pode esperar. Um dia eu vou sair desse lugar, vou trabalhar e ajudar vocês. Ainda vou ter muitas calças e roupas bonitas, porque vou estudar muito e vou ser atriz de cinema. Uma coisa eu sei. Vou ser sempre uma pessoa honesta e digna e tudo que a senhora e vovô me ensinaram, vou guardar comigo.

Era domingo. Peguei um balde e fui para a lagoa buscar água como sempre fazia pela manhã. Quando voltei, fui me aproximando da porteira e vi que tinham três carros parados. Fiquei pasma ao olhar. Um dos carros me chamava atenção. Era um carro cheio de luzes, que parecia uma árvore de Natal. Fui me aproximando devagar. Meu avô me chamou e disse para as visitas.

— Essa é minha filha Dilma (ele me chamava assim, um apelido carinhoso que me colocou). – eu entrei desconfiada e cumprimentei todos.

Uma mulher olhou pra mim e disse.

— Sou sua tia, Dilma. Esse é seu nome?

— Não – respondi. – Eu me chamo Edilene.

— Que nome mais lindo, assim como você. Quantos anos você tem, Edilene?

— Eu tenho onze anos, vou fazer doze no mês que vem.

— Nossa! Você é uma menina bem esforçada. Tão nova e já tem a responsabilidade de um adulto. Parabéns, Joaquim. Vocês a criaram muito bem.

Eu saí da sala e fiquei observando meus avós, a minha recém-chegada tia Francis e mais três pessoas. Um era seu marido Antônio, que tinha o apelido de Velho. Era um homem estranho, usava um aparelho na garganta que o ajudava a respirar. O outro homem era magro e alto. Eles o chamavam de mecânico, pois era o mecânico deles. E o outro era cabeludo e tinha o apelido de Cabilouro. Estava com a perna enfaixada e parecia sentir muita dor, pois tinha ódio no olhar.

Eu não entendia o que aquelas pessoas queriam. Fiquei ouvindo atrás da porta, coisa que eu não costumava fazer, mas a curiosidade era maior. Ouvi minha tia Francis dizer que queria uma menina para levar pra São Paulo, para cuidar das crianças pra ela.

Momentos depois chegaram minha outra tia Conceição com sua filha Vandinha, que moravam ali perto da minha casa. Ela abraçou a tia Francis e a encheu de elogios.

— Nossa, Francis, quem diria, hein? Você foi embora tem uns dez anos e volta toda poderosa, cheia da grana. Parabéns! Você não mudou nada, continua bonitona.

— Obrigada, Conceição. Hoje posso dizer que estou ótima, moro em uns dos bairros mais chiques de São Paulo. Tenho uma mansão que é de se fazer inveja. Qualquer dia desses vocês vão me fazer uma visita. Vai ser um prazer recebê-los.

— De quem é essa menina? – perguntou a tia Francis.

— É a Vandinha, minha filha.

— Eu vim buscar uma menina para levar comigo para São Paulo. Lá ela vai estudar, fazer cursos e ser uma pessoa melhor.

Minha tia Conceição respondeu no ato.

— Se você quiser deixo você levar a Vanda.

A tia Francis olhou pra ela e respondeu.

— Desculpe-me, Conceição. Prefiro a menina da Loura. Ela parece ser mais esperta. Só resta ver se o Joaquim deixa. Não que a sua menina não seja esperta, mas ela parece ser muito tímida. Prefiro uma menina brava e principalmente corajosa.

— Você está doida, Francis. Você não conhece Edilene. Ela é teimosa e quando mete uma coisa na cabeça não tem quem tira. É respondona e valente. Essa é carne de pescoço.

— É sério? É ela mesmo que eu quero. – disse toda contente.

Meu avô logo me defendeu.

— A Dilma não é assim, não, Conceição. Ela só se defende das pessoas que a maltratam e isso não é defeito. Ela foi educada para respeitar o próximo, mas também não deixar que as pessoas a humilhem.

— Joaquim, deixe-a ir comigo para São Paulo. Lá ela vai estudar. Vou fazer dela uma mulher de carreira, vocês não vão se arrepender.

Eu estava no quarto ouvi tudo e pensei “Nossa, se meu avô deixar, essa é minha chance de poder ajudá-los. ”.

E então meu avô me chamou. Eu saí toda feliz.

— O senhor me chamou?

— Sim, filha. A sua tia quer levar você com ela. Não sei se devo deixar você ir. Aqui você é nosso braço direito.

Minha avó logo contestou.

— Nós não podemos ser egoístas, Joaquim. A Dilma tem sonhos. Ela é uma menina muito inteligente e não pode deixar essa oportunidade passar. Quero o melhor para minha neta. E se for preciso ficar longe dela para que ela seja alguém na vida, ficaremos, porque sei que um dia ela volta e não vai se esquecer de nós.

Eles estavam com olhos cheios de lágrimas, mas não queriam demonstrar que estavam tristes para não me deixar triste também. Mas eu percebi, não era boba. Então eu falei.

— Vó, vô, não se preocupem. Eu fico aqui mesmo com vocês. Quando eu fizer meus dezoito anos, eu saio pra estudar fora e vou em busca dos meus sonhos.

— Sua avó está certa, minha filha. Não temos o direito de interferir nos seus sonhos. Queremos o melhor para você. Você vai com a Francis. Morando com ela você pode ter um futuro melhor, você tem chance de crescer na vida. Eu não quero que você fique aqui trabalhando, enchendo as suas mãos de calos. Vá com sua tia. Afinal você não está indo com estranhos, mas com minha irmã.

— Então vamos, meu anjo. Vai arrumar suas coisas.

Eu não tinha muito que arrumar. Peguei umas quatro peças de roupa e coloquei em uma sacola. Ela disse.

— Procure uma melhorzinha para vestir e deixe esse resto aí. Você não vai precisar desses trapos. Lá você vai ter tudo novo, do bom e do melhor.

Arrumei-me com o coração partido. Despedi-me do meu avô, da minha avó e dos meus tios. Minha vontade era de chorar, mas não queria deixá-los mais tristes do que já estavam. Olhei para os dois e agradeci.

— Obrigada, vô. Obrigada, vó, por tudo que vocês me ensinaram. Se eu sou uma pessoa digna e de respeito é graças a vocês que me criaram com todo amor e dedicação. Vou trabalhar muito para retribuir a confiança. Ainda vou comprar pra vocês aquela casinha que vocês tanto querem.

Fui me afastando da porta da nossa humilde casa. Quando de repente meu avô me chamou e disse.

— Eu não sei por que, mas tenho necessidade de te dizer isso, o meu coração pede pra eu falar: seja forte, nunca desista. Lute sempre, minha filha. Mesmo que faça a maior tempestade, se agarre em uma árvore e não solte dela. E lembre-se, não mostre a Deus seus problemas, mostre aos seus problemas o tamanho do seu Deus. Assim você terá forças e não vai soltar da árvore quando fizer tempestade. Promete pra mim que, aconteça o que acontecer, você não vai desistir. Promete?

— Sim, vô, prometo. Se o senhor quiser, eu não vou.

Ele me deu um abraço tão forte que parecia que estava querendo dizer alguma coisa.

— Vai sim, filha. Só estou dizendo isso porque você vai estar longe. Essas palavras são as únicas coisas que você vai levar de mim. Guarde na sua cabeça e no seu coração. Meu avô parecia estar adivinhando algo. Era como se ele soubesse que não iríamos nos ver tão cedo. Logo me deu um aperto no meu coração e já não tinha certeza se deveria ir com aquela senhora que pra mim era totalmente estranha.

Entramos no carro e saímos dando tchau, até não vê-los mais. Saímos da roça e fomos para a cidade, na casa da mãe da tia Francis. De lá iríamos para São Paulo. Passamos a tarde com eles e às sete horas da noite pegamos a estrada. Em um dos carros fomos eu, a tia Francis e o Cabilouro dirigindo, no outro foi o mecânico, e, no terceiro, o velho. O Cabilouro, devido à perna enfaixada, mancava e reclamava do inchaço. Ele gritava e gemia de dor pela força que fazia para dirigir. Começou a falar.

—Velho maldito, miserável. Se não fosse ele ter feito isso comigo, eu não estaria desse jeito.

Eu, como sempre, curiosa, perguntei.

— Quem fez isso na sua perna?

Tia Francis logo cortou a conversa. Ele nervoso, gritou.

— Não adianta esconder, Francis. Ela vai saber de tudo mesmo. Até quando você acha que vai esconder dela? Vocês queriam era tirar a menina de lá, isso vocês já fizeram, não tem como voltar. De qualquer forma ela vai saber, ela não é boba. Aliás, eu acho uma covardia o que vocês estão fazendo.

Tia Francis logo se defendeu.

— Você sabe perfeitamente as condições pra isso, eu não tenho outra escolha.

— Do que ele está falando tia Francis? – indaguei.

Ela quis me explicar como se não fosse nada. O Cabilouro entrou no meio da conversa e disse.

— Acontece, menina, que você não está indo para o céu, mas para o inferno. Coitada de você!

— Para com isso, Cabilouro – gritou minha tia, nervosa. – Você está assustando a menina.

Naquele momento vi que o Cabilouro tinha razão. Talvez tenha sido por isso que meu avô me disse tudo aquilo. Pensei nas palavras dele e decidi que seria forte até o fim. De qualquer jeito não tinha como voltar. Que fosse o que Deus quisesse.

De repente o Cabilouro, nervoso, parou o carro e os outros pararam atrás. O Velho veio logo perguntando.

— Por que você parou? Temos que continuar ou vamos chegar tarde demais.

O Cabilouro, gemendo de dor, gritou.

— Então você leva o carro. Por sua culpa isso está acontecendo. Eu preciso descansar, a minha perna está queimando de dor.

Os dois começaram a discutir. Quando vi, o velho estava com a arma na mão, apontada para a cabeça do Cabilouro, que chorava pedindo desculpas. Minha tia implorava para que o Velho não o matasse. Ele gritou.

— Entra nessa porra desse carro agora. Vamos embora.

Entramos no carro e o Cabilouro dirigia gemendo de dor. A tia Francis sabia dirigir, mas não tinha carta e por isso não tinha como ajudá-lo. Enquanto dirigia, ele resmungava:

— Eu vou me vingar, vou matar o Velho. Ele me paga, não sabe com quem ele está mexendo. Essa humilhação que ele me fez passar vai custar caro.

E a tia Francis dizia para ele deixar pra lá.

— Cabilouro, pare o carro aí – disse minha tia. – Vou falar pra ele para descansarmos em um hotel.

Ela desceu e foi até o carro onde estava o Velho. Conversou e logo voltou.

— Vamos, paramos no primeiro hotel que a gente encontrar e esperamos amanhecer.

Logo em frente tinha um hotel, paramos e fomos ver se tinha vaga. Só tinham duas. Eu fiquei em um quarto com tia Francis. O Mecânico e Cabilouro ficaram no outro e o Velho disse que ia ficar no carro mesmo. Era quase madrugada. Eu não conseguia dormir. Saí do quarto e desci as escadas. Então ouvi o Cabilouro dizendo para o Mecânico que iria matar o Velho dormindo no carro. O mecânico respondeu dizendo para deixar ele fora dessa, que ele não tinha nada a ver com isso.

Eu fiquei sem saber o que fazer, mas não podia deixar isso acontecer, tinha que fazer alguma coisa. Desci as escadas, fui até o carro onde o Velho estava e o avisei, mas pedi pra que ele não falasse que tinha sido eu quem tinha alertado. Ele desceu do carro, pegou sua arma e ficou o resto da noite em pé fora do carro. O Cabilouro ficava nervoso sempre que ia ver o velho, pois ele estava em pé fora do carro. E sempre dizia.

— Filho de uma vaca, parece que ele está sabendo. O infeliz não dorme, o maldito tem o santo forte! O dia dele ainda vai chegar, ele me paga.

Logo o dia amanheceu. Fomos tomar café e pegamos estrada de novo. Chegando a São Paulo parecia um sonho. Eu estava maravilhada com a beleza da capital, mas logo aquela beleza foi se acabando. Fomos entrando em ruas com umas casas feias, cheias de buracos, até chegar a uma casa de três cômodos, com um portão de arame e com um quintal grande com vários carros dentro. Parecia um desmanche.

Entramos e descemos. Tia Francis, morrendo de vergonha, nem olhava pra minha cara. E toda sem graça disse que aquela era sua casa. Lembrei-me dela dizendo para minha família que morava em uma mansão, em um dos bairros mais ricos de são Paulo, mas na verdade ela morava em uma favela Eu já imaginava que tudo que ela tinha dito para minha família era mentira, só que não imaginava que por trás dessa mentira tinha coisa muito pior.

Logo que chegamos, duas crianças saíram correndo para abraçá-la. Eram seus filhos, Cíntia e Juninho. Ela disse.

— Olhem, meus filhos. Ela veio para cuidar de vocês, é prima de vocês, ok? O nome dela é Edilene. Sejam bonzinhos com ela.

Eu os chamei.

— Vamos brincar?

E fui para o fundo do quintal brincar com as crianças, enquanto os adultos tiravam as coisas dos carros.

Era eu quem tomava conta da casa e das crianças todos os dias. Fazia de tudo, arrumava a casa e fazia comida. Sentia falta de estuda, ir à escola. Mas quando eu tocava no assunto. Eles sempre davam um jeito de fugir do assunto. Eu ficava sozinha às tardes em casa. Após duas semanas, em uma dessas tardes, bateram na porta e eu atendi. Era um rapaz magro, alto e estranho. Tirou uma nota de dez reais do bolso, me deu e disse:

— Me dê uma pedrinha aí, menina!

Eu fiquei sem saber o que fazer. Peguei uma pedrinha de cascalho e coloquei em suas mãos. Ele jogou a pedra fora e levantou a mão como se fosse me bater.

— Você está zoando com minha cara, sua menina cretina? Eu bem que podia quebrar sua cara.

Eu não tive medo, o encarei dizendo.

— Olha aqui, moço. Eu não sou daqui. A única pedrinha que conheço é essa daqui, eu não sei de outra que você está falando.

Ele me olhou com aqueles olhos vermelhos e disse.

—Você é de onde? De que planeta você veio?

E começou a sorrir ironicamente.

Eu contei para ele de onde eu era e o tempo que eu estava lá. Ele me disse.

— Então você é a menina que o Velho dizia que iria buscar de longe para ser a mulher dele?

Eu olhei assustada para o moço.

— O quê? Você está doido, moço! Ele já tem mulher, é minha tia.

— A sua tia é só umas das mulheres dele, ele gosta é de brotinho novo. Fica esperta, ele quer criar você para ele, pra ser dele. O Velho não presta, menina. Ele é um assassino, criminoso perigoso. Vou te contar quem é o Velho e o ninho de cobras aonde veio parar, menina. Vou falar para te ajudar, mas nunca conte que fui eu quem te falou porque ele me mata, entendeu?

— Tudo bem, moço. Prometo não falar nada que foi você.

Ele me contou tudo e foi embora. Eu fiquei desesperada, chorando, sem saber o que eu iria fazer da minha vida. Eu estava perdida. Estava no meio de uma quadrilha perigosa. Comecei a rezar pedindo a Nossa Senhora para me dar força. Logo tia Francis chegou e me viu enxugando as lágrimas do rosto.

— O que você tem, Edilene. Por que está chorando?

— Olha, tia Francis. Eu até entendi que a senhora mentiu para minha família com vergonha de falar que a morava em uma casa simples, mas nunca imaginei que vocês eram uma quadrilha perigosa. A senhora foi me buscar pra ser mulher daquele velho? Eu prefiro morrer, mas em mim ele não põe a mão.

— Deixa eu te explicar, Edilene.

— Explicar o quê? Eu já sei de tudo. Posso ser criada na roça, mas não sou boba. Meu avô confiou na senhora e agora estou aqui nas mãos desse homem louco.

Ela começou a chorar e disse.

— Eu fui obrigada a mentir para você e para minha família. O Velho me jurou de morte. Disse que se eu falasse pra alguém, mataria toda minha família. Foi por isso que eu te escolhi, porque eu sabia que com você ele não podia brincar. E você poderia me ajudar a me livrar dele. Não se preocupe, você é forte e inteligente, ele não pode com você.

— Não pode mesmo. Prometi para o meu avô que eu iria ser forte e que, por mais que o vento fosse intenso, eu jamais me soltaria, agarraria bem forte no galho da árvore. E se ele pensa que vai abusar de mim vai se dar mal.

— Assim que se fala! Eu não vou o deixar judiar de você, eu prometo.

Ouvimos um som de porta batendo. Era ele que havia chegado.

— Quem vai se dar mal? Estavam falando de mim?

Eu estava com tanta raiva que acabei jogando na cara dele.

— Estava, sim. Se você pensa que você vai colocar as mãos em mim, está enganado! Eu prefiro morrer a ser sua, velho nojento!

Ele, num ataque de fúria, partiu pra cima de mim com a mão aberta e bateu no meu rosto, que ficou inchado. Se tia Francis não o tirasse de cima de mim, ele teria me machucado muito.

— Você está louco, vai matar a menina.

Eu fui para o quarto gritando.

— Seu velho nojento! Eu te odeio, seu velho babão!

Então escutei.

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