Nova York
Fiorella - 17 anos Desde que ouvi a minha própria mãe planejar a minha morte, qualquer passeio com ela se tornou uma tortura ainda pior. Na época, Dominic interviu e criou uma armadilha para o segurança que estava ajudando a mamãe, ele acabou sendo executado por traição e minha mãe ficou bastante assustada. Dominic havia deixado claro que estava de olho nela. Apesar de meu irmão ter me tranquilizado quando contei sobre o que ouvi da varanda, em nenhum momento ele duvidou de mim, muito pelo contrário, ele fez o que precisava ser feito. E também me ajudou com as minhas crises de agorafobia, ele conseguiu pílulas fortes que faziam com que eu me sentisse anestesiada. Então, quando pousamos em Nova York e fomos conduzidos para um setor privado, eu ainda estava sob o efeito da pílula, sempre que sentia que o efeito estava indo embora, eu tomava outra. Havia uma equipe de segurança pronta para nos escoltar até a casa da minha tia Elena, esse era o peso de carregar o sobrenome Salvatore, sempre havia um ritual rigoroso de segurança, dentro e fora de casa. Saímos em carros separados, e quando as luzes da cidade se tornaram sufocantes, engoli outra pílula sem sequer pensar. Eu me recostei no banco de couro, tentando me convencer de que estava tudo sob controle. Minha cabeça latejava levemente, efeito colateral da pílula que engoli minutos antes, mas eu preferia a tontura à sensação de pânico que sempre ameaçava me engolir viva. A agorafobia era como uma sombra pegajosa que me seguia onde eu fosse. Começava com um desconforto sutil, a impressão de que o espaço era grande demais, de que não havia onde me esconder. Depois, vinham os tremores, o suor frio descendo pela espinha, a sensação horrível de que a qualquer segundo meu coração desistiria de bater. Respirar era difícil, como se o ar tivesse se tornado mais espesso e meus pulmões estivessem encolhendo. O carro deslizou pelas avenidas movimentadas de Nova York, mas em vez de me distrair com a cidade, suas luzes, seus prédios altíssimos, seus sons misturados, tudo parecia agressivo aos meus sentidos. As buzinas, os gritos nas calçadas, o brilho intermitente das propagandas de neon… tudo contribuía para aumentar minha inquietação. Me forcei a focar no que Dominic sempre dizia: “Concentre-se no que está sob seu controle, pequena.” Então fechei os olhos, respirando fundo, tentando sincronizar a respiração com o ritmo do motor do carro. Quando abri os olhos novamente, algo não parecia certo. O carro que levava minha mãe não estava mais à nossa frente. Tentei não entrar em pânico, mas o desconforto cresceu instantaneamente. Olhei pelo vidro traseiro e vi apenas a longa linha de carros desconhecidos nos seguindo. Nenhum dos veículos da escolta estava visível. Um frio cortante percorreu minha espinha. — Está tudo bem — disse o motorista, percebendo minha tensão. — Sua mãe teve que fazer uma parada rápida antes. Vamos nos encontrar na casa da sua tia. Sem problemas. Tentei acreditar nele. De verdade, tentei. Mas havia algo em sua voz, algo imperceptível para qualquer pessoa normal, mas para mim, que vivia sob ameaça constante, era como uma sirene berrando em alerta. Era o excesso de tranquilidade, o sorriso rápido demais pelo espelho retrovisor. E mais, por que eu estava sozinha com ele? Todos os seguranças haviam ido com minha mãe? Me sentei mais reta no banco, tentando ocultar meu nervosismo. Lembrei dos treinos que Dominic fazia comigo, postura firme, olhar atento, nunca revelar medo antes de ter certeza. — Onde exatamente minha mãe foi? — perguntei, mantendo a voz controlada, quase entediada. O motorista hesitou por uma fração de segundo antes de responder. Foi o suficiente. Minha pele se arrepiou inteira. — Ah… só um desvio rápido, senhorita Salvatore. Coisas de última hora. Não se preocupe — disse ele, virando para uma rua mais deserta, longe do fluxo principal da cidade. Meu coração bateu forte no peito, pesado e descompassado. O efeito da pílula começava a desvanecer, e a realidade crua se impunha sobre mim como uma maré violenta. Minhas mãos suavam tanto que escorregavam no couro do assento. O motorista continuava falando, tentando preencher o silêncio com palavras vazias, mas eu mal ouvia. Cada célula do meu corpo estava focada na realidade óbvia, eu estava sendo levada para longe. E não havia ninguém para impedir. O carro desacelerou de repente, como se o motorista estivesse esperando alguma coisa. Meu corpo enrijeceu inteiro. Minhas mãos buscaram o bolso interno da bolsa, mas antes que pudesse puxar o canivete, o mundo explodiu em tiros. Os vidros do carro estilhaçaram com um estrondo ensurdecedor. Fragmentos voaram por todos os lados, luzes piscavam do lado de fora, sombras armadas surgiam na rua, e o motorista gritou algo que não consegui entender. O pânico tomou conta de mim como uma corrente elétrica. Instintivamente, me joguei no chão do carro, encolhida, protegendo a cabeça com os braços. Tonta, cega de medo, tateei pela bolsa, achando o pequeno frasco branco. Sem hesitar, derrubei três pílulas na palma da mão trêmula e as engoli todas de uma vez, sem água, sem raciocínio. Se fosse para morrer, que ao menos eu não sentisse nada. Que fosse rápido, indolor. O tempo se distorceu ao meu redor, como se eu estivesse submersa em um pesadelo viscoso. O som dos tiros ficou abafado, os gritos se tornaram ecos distantes. Eu sentia o couro frio do assento contra o meu rosto, a vibração do chão, o gosto amargo das pílulas na boca. Meus olhos ardiam, mas eu não conseguia fechá-los. O medo ainda latejava, mas já começava a ser engolido pela dormência entorpecente da medicação. Os disparos cessaram, e o motorista me olhou incrédulo. Como se fosse um absurdo eu continuar viva. Me sentei ereta no banco, com as mãos cobri os ouvidos, temendo novos disparos. Foi então que a porta do carro se abriu com violência, fechei os olhos com força esperando pelo pior, até que ouvi uma voz grave, firme, chamando por mim: — Ragazza, sei ferita? Um italiano em Nova York, será um dos homens do meu pai? Definitivamente, não. O homem diante de mim era uma visão impossível. Forte, imponente, com traços tão perfeitos, que era constrangedor olhar para ele. — Desce do carro! Minha respiração travou por um segundo. Eu deveria temer a voz dele, o tom imperativo, mas em vez disso, me senti atraída. Pela janela, vi o motorista hesitar, quase protestar, mas logo outros homens, armados e sérios, surgiram. Vi o motorista ser levado, mas tudo era borrado, como um quadro mal pintado. Meu foco estava nele. No homem que me estendia a mão. Ele me ajudou a sair. Minhas pernas ameaçaram falhar, mas a força dele me sustentou com facilidade, como se eu fosse feita de vento. Meus olhos buscaram o rosto dele, como se precisassem memorizar cada linha, cada detalhe, como se a minha sobrevivência dependesse disso. Era ainda mais bonito de perto. Os cabelos castanhos caíam levemente sobre a testa, os olhos castanhos profundos prendiam os meus, fortes, calmos, e estranhamente... gentis. Meu coração, dopado e tonto, ainda soube reconhecer algo essencial, segurança. E mais do que isso, calor. Havia um calor nos olhos dele que atravessava todas as camadas de medo e entorpecimento que me envolviam. Ele me encarou como se estivesse me estudando, tentando ver além da garota assustada e dopada que eu era naquele momento. — Pode confiar — disse ele, com uma firmeza tão doce que eu quase desabei. Eu não entendia direito o que eram aquelas emoções dentro de mim, mas dei o nome de amor à primeira vista.