Charlotte Winters odiava atrasos
Quando entrou na sala de reuniões, o silêncio era uma armadilha bem montada. Todos já estavam sentados. Inclusive ele. Alexander Reed levantou os olhos do tablet como quem observa uma peça entrando no tabuleiro. Um leve sorriso curvou seus lábios, mais provocação do que cortesia. — Sra. Winters — disse, com aquele tom que parecia sempre dois passos à frente. Charlotte pousou a pasta sobre a mesa de vidro, sem se sentar. Seu olhar percorreu a sala como uma lâmina afiada, mas foi nele que parou — firme, frio, e quase imperceptivelmente curioso. — Sr. Reed. Espero que essa fusão traga algo mais produtivo do que o seu charme duvidoso. Era o primeiro encontro formal entre os dois, representantes de famílias rivais, agora forçados a cooperar em um negócio bilionário. Mas não havia nada de cordial ali. Era guerra disfarçada de parceria. E nenhum dos dois estava disposto a perder. Alexander recostou-se na cadeira de couro, cruzando as mãos sobre o peito com uma expressão de quem já conhecia o desfecho do jogo. — Duvidoso é uma palavra forte. Eu prefiro... inegável — respondeu ele, calmamente. — Mas não se preocupe, Charlotte. Estou aqui apenas pelos números. Ela finalmente se sentou, com a elegância calculada de quem sabe que cada gesto comunica poder. O silêncio se manteve por um segundo a mais do que o confortável, até que Charlotte abriu sua pasta e começou a distribuir os documentos da fusão. — Ótimo. Porque os números são a única coisa que me interessam, Alexander. Emoções não constam na contabilidade. — Que pena. Elas tornam tudo muito mais... lucrativo. Ela não respondeu. Não precisava. O olhar que lançou bastava para calar qualquer outra tentativa de charme barato. Charlotte era filha de Richard Winters, o homem que transformou uma empresa familiar em um império global — e que agora, por ironia ou destino, exigia que sua filha dividisse o trono com um Reed. Do outro lado da mesa, Alexander escondia o desconforto por trás da pose relaxada. Por mais que quisesse jogar com a leveza que o tornava temido e admirado no mercado, sabia que com Charlotte o jogo era outro. Ela não reagia. Ela contra-atacava. E isso o intrigava mais do que gostaria de admitir. O diretor financeiro pigarreou, tentando puxar a atenção de volta ao contrato na tela. — Bem... se puderem focar nas cláusulas da fusão, temos uma longa manhã pela frente. Charlotte virou a página. Alexander também. Mas nenhum dos dois leu de fato. Naquela sala, entre cifras e cláusulas, uma nova guerra começava. E nenhum deles estava preparado para o que viria. *** Ponto de vista: Alexander Reed Charlotte Winters era tudo o que diziam — e pior. Precisa, impenetrável, afiada como uma lâmina recém-afiada. Ela entrava em uma sala como quem assume o controle de uma crise, como se até o oxigênio precisasse da permissão dela para circular. E aquilo não deveria incomodá-lo tanto. Mas incomodava. Alexander sempre tivera facilidade em ler pessoas. Executivos, políticos, acionistas — todos tinham um ponto fraco. Com charme e inteligência, ele os encontrava. Quebrava resistências, moldava alianças, conseguia o que queria. Mas Charlotte era um muro. Pior: um espelho. Refletia suas tentativas com frieza e devolvia cada palavra com uma precisão cirúrgica. Ele observava seus movimentos com atenção. A forma como ela distribuía os documentos, como não se apressava — não por descaso, mas por tática. Era uma estrategista. E não apenas nos negócios. Ela está jogando, pensou. E isso o deixava... curioso. Mas não podia demonstrar. Não ali. Não com metade da diretoria das duas empresas presente. A fusão era um casamento forçado. Uma jogada de poder entre famílias que, no fundo, se odiavam mais do que admitiam. O pai de Charlotte havia aceitado a proposta por conveniência, o dele, por sobrevivência. E agora, os dois filhos eram obrigados a trabalhar juntos — lado a lado, ou frente a frente. Alexander voltou a olhar para ela. Charlotte não desviou o olhar. Não piscou. Era um duelo silencioso, mas intenso. Como se tudo estivesse prestes a explodir, mesmo que nada tivesse sido dito em voz alta. Essa mulher vai me destruir ou me fazer rir disso tudo um dia, pensou. Talvez os dois. *** Ponto de vista: Charlotte Winters Alexander Reed tinha o dom irritante de transformar arrogância em charme — e pior ainda: de quase convencer que era natural. Charlotte o conhecia de nome, de fama, de estatísticas. Sabia o quanto ele era eficiente, o quanto sua presença desestabilizava executivos veteranos e o quanto o mercado o respeitava. Mas ela também sabia ler por trás da pose. E o que via não a impressionava. Havia nele algo... performático. Controlado demais, como se a cada frase estivesse vendendo uma versão de si mesmo. E Charlotte não comprava ilusões. Ela estudou os traços dele enquanto fingia revisar a cláusula de confidencialidade. Ele sabia que estava sendo observado — e gostava. Aquele sorriso contido, quase um desafio, não era casual. Era cálculo. Mas havia uma sombra nos olhos dele que poucos perceberiam. Charlotte percebia tudo. E era exatamente por isso que o odiava tanto quanto respeitava. Você j**a bem, Reed. Mas não melhor do que eu, pensou, mantendo o rosto neutro. Herdeira de um império construído à base de sacrifícios e frieza, Charlotte havia sido treinada para não se apegar, não hesitar, não confiar. Alexander representava tudo o que ela sempre evitou: instabilidade, risco... e aquele tipo de carisma perigoso que mexe com instintos que deveriam estar enterrados sob toneladas de autocontrole. Quando os olhares se cruzaram novamente, ela não desviou. Não podia. Porque naquele jogo, o primeiro a piscar... perde. Ela se recostou na cadeira, cruzando as pernas devagar. Sabia o que aquele gesto causava. Sabia que ele notaria. Era uma guerra silenciosa, mas com armas afiadas. E o mais irônico? Ela não sabia dizer se queria vencê-lo... ou apenas mantê-lo jogando.