Mundo de ficçãoIniciar sessãoA luz da manhã não entrou suavemente. Entrou como uma ordem.
Antes que Isla pudesse separar a rigidez dos ossos do peso da realidade – ainda no sofá, a garganta seca, o fantasma do vestido no chão – a porta da suíte se abriu. Não foi Ezra. Foi uma mulher de meia-idade em um tailleur cinza tão impecável que parecia uma armadura. Seu cabelo era um coque que não permitia um fio de desobediência. "Bom dia, senhora Atlas. Eu sou Clara. O senhor Ezra aguarda no carro. Você tem doze minutos." A voz era plana. O relógio, invisível, já corria. "Para onde?" Isla tentou se levantar, as pernas trêmulas. "Para onde o senhor determinar," respondeu Clara, abrindo um closet repleto de roupas novas, todas caras, impessoais e do tamanho exato de Isla. "Vista isto. É apropriado." Não era uma sugestão. Era a primeira regra do dia. Vinte minutos depois, Isla descia ao saguão do hotel. O conjunto de malha bege era macio e custava uma fortuna, mas a fazia sentir-se um manequim. Clara a transformara em uma versão aceitável de si mesma: cabelo preso, rosto lavado, nenhum vestígio da noite anterior, exceto a sombra nos olhos. O Rolls-Royce preto engolia a luz da manhã. Ezra estava no banco traseiro, concentrado na tela de um tablet. Ele vestia um terno azul-marinho que parecia talhado em pedra. Não a cumprimentou. Não a olhou. Apenas fez um gesto breve ao motorista quando ela entrou. O carro se fundiu ao trânsito. "Para onde estamos indo?" Ela perguntou, olhando a cidade familiar passar como um filme alheio. "Para estabelecer a realidade," ele respondeu, sem erguer os olhos. "Ontem você foi minha prisioneira. Hoje, você se torna parte do sistema que a mantém." A frase caiu entre eles, fria e lógica. Um conflito externo claro: Isla contra as circunstâncias e o poder absoluto de Ezra. O destino foi a Torre Atlas. Um arranha-céu de vidro espelhado que cuspia as nuvens. Ao entrar, o mundo se contraiu em um silêncio caro. Funcionários – todos perfeitos, todos silenciosos – paravam e inclinavam a cabeça. "Bom dia, senhor Atlas." O olhar deles então pousava nela, rápidos e avaliadores. "Sra. Atlas." O nome era uma etiqueta colada em sua pele. No elevador privativo, apenas os dois. O espelho os devolvia: ele, uma coluna de poder calmo; ela, uma mancha de cansaço e resistência. "Em público," ele disse, observando seu reflexo, "você sorri quando eu sorrio. Concorda quando eu falar. Sua lealdade é visual e inquestionável." Isla sentiu um calor de revolta subir. "Então eu sou só um acessório? Um ativo para ser exibido no balanço patrimonial?" Ezra lentamente virou a cabeça para ela. Seus olhos cinzas percorreram seu rosto como um scanner, lendo não a raiva, mas o custo dela. "Ativos," ele disse, a palavra sainda precisa e afiada, "são protegidos. Preservados. Têm valor. Pessoas, Isla..." Ele fez uma pausa minúscula, e nela, ela viu o eco de algo antigo e amargo. "Pessoas são sentimentais. Frágeis. Descartáveis. Seu pai aprendeu isso. Eu fui forçado a aprender. Agora é a sua vez." As portas do elevador se abriram para um escritório que era um monumento ao controle. Vista panorâmica, tudo em linhas retas, nada fora do lugar. E vazio. Por um momento, ficaram sozinhos naquele espaço imenso. A proximidade era súbita e opressiva. Ela podia sentir o calor do corpo dele, cheirar o aroma limpo e caro de sua pele. Contra toda a sua vontade, um fio de atração física a perfurou, agudo e vergonhoso. Era o conflito interno mais sujo: o corpo traindo a mente. Ela odiou-se por um segundo. "Por que fazer isso?" A pergunta saiu em um sussurro áspero. "Você poderia ter qualquer uma. Por que comprar uma que te odeia?" Ele olhou para ela, e pela primeira vez, a máscara de calculista perfeição rachou, mostrando a sombra do que havia por trás. Não era dor. Era algo mais duro: a cicatriz de uma decepção absoluta. "Porque," ele disse, a voz tão baixa que era quase intra-elevador, "eu já fui o tolo que acreditou em promessas. Que confiou em 'para sempre'. E paguei o preço de quase perder tudo o que construí. Não cometo o mesmo erro duas vezes. Agora, eu só acredito em cláusulas." Ele se afastou, rompendo o feitiço perigoso. "Clara mostrará você ao seu novo escritório." "Isso é uma concessão?" Ela perguntou, desconfiada. "É uma medida de eficiência," ele corrigiu, já caminhando. "Trabalhar aqui é a forma mais eficaz de garantir que você entenda o valor do que está protegendo. E de que não há como fugir do que não entende." Era uma prisão de vidro e aço. Mas era uma prisão com uma vista espetacular. Mais tarde, sozinha em um escritório adjacente – menor, mas ainda assim opulento – Isla tentou respirar. A tensão era uma corda esticada dentro de seu peito. Ela estava imersa no mundo dele. Engolida por ele. Isso era pior do que um quarto trancado. Era uma cela que se passava por oportunidade. Foi então que seu telefone novo – outra provisão de Clara – vibrou com uma notificação de um aplicativo de notícias locais. A manchete estacou seu coração: "Padaria Artesanal 'Forno do Kai' Fecha as Portas Após Cobrança de Dívidas." Abaixo, uma foto. A fachada aconchegante que ela conhecia tão bem. A placa desligada. A porta, fechada com uma corrente grossa. Não foi apenas uma dor emocional. Foi uma reação física. Uma onda de náusea subiu de seu estômago. Suas mãos começaram a tremer de forma incontrolável. O telefone quase escorregou de seus dedos. O ar pareceu sair do ambiente. Kai. Ele não estava apenas ferido. Estava sendo apagado. A porta do escritório se abriu antes que ela pudesse recuperar o fôlego. Ezra entrou. Ele não carregava mais o tablet. Suas mãos estavam nos bolsos do paletó. Seu rosto era uma página em branco, o que era sempre mais assustador. "Parece," ele começou, sua voz um modelo de calma quase casual, "que o empreendimento do seu padeiro enfrentou... uma revisão de crédito inesperada. Os credores exigiram a liquidação." Isla levantou-se, as pernas fracas. "Você fez isso. Você ordenou." "Eu avaliei um risco," ele corrigiu. "E tomei medidas para neutralizá-lo. É o que se faz com ameaças a um ativo valioso." Ele deu um passo à frente. "Ele tentou levantar capital esta manhã. Um gesto nobre, se não fosse completamente fútil. Como tentar apagar um incêndio com um copo d'água." Ele se inclinou sobre a mesa, suas mãos apoiadas na borda de madeira polida, encurralando-a sem tocá-la. O suspense não era sobre se ele a tocaria, mas sobre o que essa contenção significava. "Eu fui claro, Isla," ele sussurrou, sua voz um fio de aço envolto em veludo. "Proteger o que é meu não é uma preferência. É um princípio. E você, a partir do momento em que seu pai assinou e você disse 'sim', tornou-se a posse mais importante que já gerenciei." Então, ele fez algo que a paralisou mais do que qualquer grito. Ergueu a mão direita. Moveu-se com uma lentidão hipnótica. Seus dedos, longos e precisos, tocaram suavemente um fio de cabelo que havia caído sobre sua testa e o recolocou para trás, atrás de sua orelha. O toque foi íntimo. Foi posse disfarçada de cuidado. Foi a violência mais silenciosa que ela já experimentara. Seus olhos, de um cinza glacial, prenderam os dela. "E eu nunca," ele continuou, cada palavra uma estaca cravada, "divido o que é meu. Nunca. Entenda isso, e talvez você sobreviva a este arranjo sem mais... perdas." Ele se endireitou, o contato se rompendo. Deu meia-volta e saiu do escritório, deixando para trás o silêncio e o cheiro de seu perfume. Isla ficou de pé, trêmula. O toque no cabelo ainda ardendo em sua pele como uma marca. A imagem da padaria fechada queimando em sua mente. A guerra não tinha acabado. Ezra acabava de demonstrar que ele não lutava com emoção. Lutava com a lógica impiedosa do poder. E Kai, o homem que tentou salvá-la com amor, estava agora pagando o preço mais concreto possível: a ruína de tudo que ele era. Ela olhou pela janela, para a cidade imensa abaixo. Em algum lugar lá embaixo, Kai estava sozinho. E aqui no topo, ela também estava. Separados por mais do que distância. Separados pelo custo de um amor que Ezra Atlas considerava uma fraqueza a ser erradicada.






