Isabella segurava o telefone com mãos trêmulas. Respirou fundo antes de discar o número do avô. Ele atendeu no segundo toque, como se já esperasse por ela.
— Isabella? Está tudo bem, bambina?
Ela fechou os olhos, sentindo o calor das lágrimas ameaçando subir. Não era hora para fraquezas.
— Nonno... eu só liguei para avisar que tomei uma decisão. Vou me divorciar de Romeu.
O silêncio do outro lado foi absoluto. Um silêncio que pesava como chumbo.
— Pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou o velho, em voz neutra, quase cortante.
Isabella apertou o telefone com mais força.
— Não deu certo, nonno. Nós... nunca nos aproximamos de verdade. Eu quero refazer minha vida, mereço ser feliz.
Um som baixo, quase um grunhido, escapou do avô. Mas ele não discutiu. Não gritou.
— Entendo — disse por fim, frio como o mármore. — Se é isso que deseja, Isabella, terá meu apoio.
Ela soltou um suspiro tremido, agradecida. Mas a ligação não terminou aí.
— Agora, me faça um favor — continuou ele, com uma doçura falsa que fez Isabella estremecer. — Peça ao Romeu que venha me ver, ainda hoje.
Isabella hesitou, mas concordou.
Desligou, sem saber que, naquele momento, o avô já começava a mover suas peças. Romeu chegou à velha mansão do mafioso no final da tarde, convocado como um soldado diante de seu general. Estava tenso, mas era orgulhoso demais para demonstrar.Foi conduzido à biblioteca, onde o Don o esperava sentado atrás de uma enorme mesa de carvalho, cercado por prateleiras repletas de livros antigos e armas de família.
— Sente-se — ordenou o velho, sem sequer levantar o olhar.
Romeu obedeceu.
O velho acendeu um charuto com calma irritante, como se estivesse degustando o momento.
— Então... — começou, soprando a fumaça no ar — ...minha pequena Isabella me ligou hoje.
Romeu manteve o rosto impassível.
— Sei.
Don Enrico ergueu finalmente os olhos, frios e calculistas.
— Vai me contar o que diabos está acontecendo ou terei que adivinhar?
Romeu se recostou na cadeira, cruzando os braços.
— Nós não conseguimos fazer o casamento funcionar. É simples assim. Isabella quer seguir com a vida dela. — Sua voz era seca, sem emoção.
O velho deu uma risada seca, sem humor.
— Simples? — repetiu, debochado. — Nada na nossa vida é simples, garoto.
Silêncio.
Então, com um estalo de dedos, o velho mudou de tom. Sua voz se tornou cortante, ameaçadora:
— Escute bem, Romeu Castellani. Se você não der um jeito de converter essa situação a seu favor... se não fizer Isabella mudar de ideia... — Ele fez uma pausa, sorrindo como um predador. — Você perderá meu apoio. Todo ele. Será persona non grata em todas as famílias. Sem negócios, sem proteção, sem futuro.
Romeu sentiu o sangue gelar nas veias, mas manteve a expressão firme.
— Ela não quer mais isso — rebateu, tenso. — Isabella está decidida. Irredutível, sabe que agora pode ter acesso ao dinheiro do pai e quer seguir sozinha.
O velho sorriu de novo, como quem saboreia a fraqueza de um inimigo.
— Então é bom que você seja encantador. Impecável. Irresistível. — O tom sarcástico dele era mais cortante que uma lâmina. — Não existe opção para você, rapaz. Ou conquista minha menina de volta... ou assina sua própria sentença de ruína.
Romeu fechou os punhos sobre os braços da cadeira. A raiva fervia sob sua pele.
Ele odiava ser manipulado. Mas odiava ainda mais a ideia de perder tudo o que havia construído.— O que exatamente o senhor quer que eu faça? — perguntou entre dentes.
O Don sorriu, satisfeito.
— Faça-a se apaixonar, idiota. E rápido. — Deu uma tragada no charuto e concluiu: — Ela merece ser feliz. Se você não for capaz de fazer isso... então nunca mereceu estar ao lado dela.
Romeu levantou-se abruptamente, com o peito em chamas.
— E se ela não me quiser?
O velho deu de ombros, impiedoso.
— Então você a fará querer.
Aquelas palavras ecoaram na cabeça de Romeu enquanto ele saía da mansão, o coração apertado numa mistura de medo, ódio e algo que ele ainda não queria nomear.
Ele sabia que Isabella o desprezava agora. Sabia que ela carregava cicatrizes que o mundo inteiro podia ignorar, mas ela jamais conseguia esquecer. Que se sentia feia, quebrada, indigna. E, até agora, Romeu a havia deixado acreditar nisso.
Algo dentro dele se contorceu, se quisesse reconquistá-la, teria que derrubar cada muro que ele próprio ajudara a construir. Teria que fazer Isabella enxergar o que nem ele tinha conseguido ver durante tanto tempo. Ele seria obrigado a lutar por ela ou perderia tudo.
O leve bater na porta fez Isabella se sobressaltar. Era Romeu que a chamava. Desde que se mudara para o quarto de hóspedes logo após o casamento, ele raramente a chamava. Ela franziu o cenho, largando o livro que mal lia. Era estranho ele procurar por ela agora. Só podia ser algo referente ao divorcio. — Pode entrar — disse, cautelosa.Romeu abriu a porta com cuidado. Estava de jeans escuro, camisa dobrada nos antebraços e aquele olhar que ela conhecia bem, mas que, estranhamente, parecia diferente naquela noite.— O que você quer? — ela perguntou de imediato, desconfiada.Ele hesitou por um segundo antes de avançar dois passos para dentro do quarto. Manteve uma distância respeitosa.— Vim conversar. Precisamos ponderar sobre algumas coisas, talvez tenhamos nos precipitado. — A voz dele soou estranhamente calma.Isabella ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.— Está bêbado?Romeu soltou uma risada curta, como se tivesse esperado aquela pergunta.— Não. Só... pensando melhor nas
No escritório, Romeu bebia uma dose de uísque em silêncio. A bebida descia queimando, mas não era suficiente para apagar o gosto amargo da encrenca em que estava metido. Levar aquilo adiante... realmente valia a pena?Suspirou, jogando-se pesadamente na poltrona. Passou as mãos pelo rosto, cansado.Allegra. Allegra era maravilhosa! Cheia de vida, descomplicada, sensual. Com ela, tudo era simples: prazer, risadas, calor. Pensar em abrir mão da amante o incomodava mais do que queria admitir. Não apenas pelo sexo, mas porque Allegra fazia ele se sentir vivo. E agora, tinha que olhar para Isabella...Romeu esfregou a nuca, irritado consigo mesmo. Não era cego, sabia que Isabella era uma mulher bonita. Tinha aquela beleza natural, delicada, quase tímida. Mas faltava algo, faltava brilho.Estava acostumado com mulheres que sabiam o que queriam e sabiam como conseguir. Isabella parecia viver num mundo à parte. Jovem demais, ingênua demais e sem graça demais.Romeu virou mais um gole do uísq
Romeu nunca foi de hesitar, mas naquela tarde, ao fechar a porta do apartamento de solteiro no centro da cidade, sentiu-se vacilar. Como se estivesse prestes a fazer algo que deveria ter feito há muito tempo, mas ao mesmo tempo nunca se sentiu minimamente impelido a fazer. Não voltaria para ali tão cedo, pois para que o plano de conquistar Isabella desse certo, a mansão deveria ser novamente seu lar em tempo integral.Sem olhar para trás, Romeu atravessou a cidade até o prédio de Allegra. Aquela seria uma conversa difícil, ele não queria ter que terminar, mas se ia tentar para valer com Isabella, aquele era o único caminho possível. Ela o recebeu com um sorriso insinuante, trajando um vestido leve demais para o clima da estação. Bastou um olhar para saber que ela não entenderia suas palavras sem lutar.— O que houve, amore? — ela perguntou, jogando os braços ao redor do pescoço dele.Romeu afastou-a com delicadeza, mas com firmeza.— Allegra — disse, a voz fria como aço —, isso acabou.
— Isabella — chamou, a voz baixa e carregada de irritação mal contida. — Preciso falar com você. Agora.Ela se virou, surpresa pela abordagem brusca, sentindo o clima pesar de repente. Lorenzo, notando a mudança imediata no ar, sorriu de forma educada, mas desconfortável.— Foi um prazer conhecê-la, Isabella. Espero vê-la por aí — disse, lançando um olhar breve para Romeu antes de se afastar.Assim que ficaram a sós, Romeu cruzou os braços e a encarou com uma intensidade sufocante.— Quem é esse? — perguntou, sem rodeios, a voz cortante como navalha.Isabella piscou, atordoada com a agressividade.— Um vizinho — respondeu, tentando manter a calma. — Ele só estava se apresentando.— Se apresentando? — Romeu bufou, descrente. — E você já estava aí, rindo e trocando confidências?Ela estreitou os olhos.— Era só uma conversa. Nada além disso.— Conversa demais pro meu gosto — murmurou ele, olhando na direção onde Lorenzo desaparecera.— Desde quando você fiscaliza com quem eu falo? — retr
Ele não dormiu naquela noite, após rolar na cama, levantou-se e foi sentar na varanda da mansão, encarando o jardim vazio, onde a discussão com Isabella ainda parecia ecoar entre as flores. Cada palavra dela pesava como uma pedra em seu peito.Ela estava certa, ele nunca teve coragem de vê-la como uma opção aceitável, muito menos de amá-la do jeito que ela merecia. Primeiro porque ela era muito nova e depois porque se tornou um fardo, fardo esse que ele não queria. Mas agora... agora ele precisava fazer alguma coisa. Já tinha trinta e cinco anos, era hora de se estabelecer seriamente. No início da manhã, sem se permitir pensar demais, Romeu atravessou a casa e parou diante da porta do quarto dela. Bateu uma vez, o som seco ecoando no corredor silencioso.— Isabella, podemos conversar?Houve um momento de silêncio, um momento que pareceu durar uma eternidade antes da porta se abrir. Ela estava lá, com o rosto cansado e os olhos ainda inchados pelo sono e o choro da noite anterior. Isab
Os dias seguintes trouxeram uma mudança silenciosa à mansão. Isabella, cansada de esperar atitudes que nunca vinham, resolveu viver.Na manhã de sábado, ela estava no jardim, observando as flores que começavam a desabrochar, quando ouviu passos atrás de si.— Belo dia para admirar a primavera — disse uma voz masculina.Ela se virou, encontrando Lorenzo. O vizinho sorria de maneira calorosa, segurando uma pequena caixa de ferramentas.— Vim ver se precisava de ajuda com o jardim — explicou ele, apontando para as plantas. — Notei que algumas precisam ser podadas. Isabella sorriu, aquecida pela gentileza genuína.— Eu adoraria — respondeu.Eles passaram a manhã juntos, rindo, trocando histórias. Lorenzo era leve, atencioso e, o mais surpreendente, não parecia reparar na forma desajeitada e lenta como ele se movia. Se reparava, não deixava transparecer. Conversava com Isabella como se nada a separasse do resto do mundo. E Romeu, observando da varanda, sentia o sangue ferver nas veias. El
Isabella estava diante do espelho, terminando de ajustar um cachecol fino ao redor do pescoço, quando a campainha soou. Abriu a porta. Lá estava ele, Lorenzo, pontual como sempre. O sorriso que trazia nos lábios era fácil, quase displicente, mas havia algo atento no seu olhar. Como se estivesse sempre observando mais do que deixava transparecer.Nas mãos, um pequeno buquê de flores silvestres.— Para você — disse, estendendo o presente com naturalidade.Isabella piscou, surpresa pelo gesto. Era algo tão simples, tão inesperadamente gentil, que seu coração acelerou sem pedir permissão.— São lindas — agradeceu, sorrindo com sinceridade. Sentiu o rosto corar, uma cor suave nas bochechas. — Pronta para nossa caminhada?Ela assentiu, com um brilho nos olhos que não se via há tempos. Leveza. Era isso que sentia. Como se, enfim, houvesse espaço dentro dela para respirar.Mas ao virar-se para pegar a bolsa, ouviu passos pesados atrás de si. Passos que conhecia bem. Passos que não deveriam es
Romeu olhou para o arranjo de flores sobre a mesa e sentiu um desconforto estranho. Tudo estava organizado para a inauguração da nova ala da galeria da família, seria um evento elegante, cheio de rostos conhecidos e câmeras.E, pela primeira vez, ele queria que Isabella estivesse ao seu lado. Precisava que todos a vissem como a senhora Castellani. Aquilo seria uma mudança e tanto, pois sempre ia sozinho ou acompanhado de alguma amiga especial do momento. A senhora Castellani era apenas um nome e um rosto que aparecia em poucas fotos até então. Sempre achou que seria extremamente desconfortável para Isabella, tanto pelo esforço físico, quanto porque os holofotes estariam inevitavelmente apontados para a sua deficiência.Quando a encontrou no jardim, observando as primeiras flores da estação, aproximou-se com cuidado.— Isabella — chamou, a voz mais baixa que o habitual.Ela virou-se devagar, o rosto sereno, mas os olhos atentos.— Algum problema? — perguntou, sem esconder o ceticismo.R