Isabella deixou o escritório de forma intepestiva, tomada pela raiva, tropeçou na escada e caiu.
Romeu que ja saia do escritório atras dela correu e chegou a tempo de segurá-la.
Isabella recusou sua ajuda, e o afastou abruptamente. Chorou silenciosamente com amargura e subiu as escadas com dificuldade. Se arrastou de volta ao quarto, a bengala batendo no chão a cada passo irregular.
A dor física era um incômodo constante, mas nada se comparava ao vazio que corroía seu peito.
Ela não era tola, sabia como as pessoas a viam agora. Deformada, destruída, uma sombra da menina que fora um dia. Sua perna manca, a pele marcada... um lembrete vivo de que a vida lhe havia sido tirada de forma cruel e definitiva. E, de uma forma ainda mais dolorosa, sabia que Romeu jamais a desejara e jamais a desejaria. Ele a havia tolerado, sim, por obrigação, mas amor... aquele tipo de amor que ela sempre imaginara, não existia mais.
Mal entrou no quarto e ouviu as batidas fortes na porta. Antes que pudesse responder, Romeu entrou sem cerimônia. Seu olhar era frio, duro, como se estivesse lidando com algo que desejava exterminar. Como se ela fosse um incômodo a ser eliminado de sua vida.
— Você entra sem ser convidada e vai embora como uma criança birrenta? — A voz dele cortava o ar, carregada de sarcasmo, de desprezo. Ele a observava, seu olhar incisivo, como se a vê-la ali fosse um castigo.
Isabella se levantou com esforço, endireitando o corpo da melhor forma que podia. Não era mais uma menina frágil. Ela aprendera a lutar com suas próprias limitações, mas agora sabia que estava no limite. Seus olhos eram firmes, mas dentro de si, o medo e a dor estavam misturados de maneira inextricável.
— Eu já tomei minha decisão — disse, olhando-o nos olhos, mesmo que isso lhe custasse toda a força que ainda restava. — Quero o divórcio.
Romeu soltou uma risada seca, sem humor, uma risada de desprezo.
— Você acha que pode simplesmente romper um acordo feito há anos? — Ele se aproximou, seus passos pesados como o peso da decisão que ele acreditava que ela jamais tomaria. — O avô jamais aceitará isso. Você sabe o que ele representa.
— Eu sei — sussurrou ela, a garganta apertada, mas com uma força que Romeu não esperava. — Mas também sei que agora sou maior de idade. Tenho vinte e um anos, Romeu. Sou capaz de enfrentar qualquer um, até mesmo ele, para me livrar de você.
Romeu a encarou por um longo momento. Seus olhos negros faiscavam com algo próximo ao desprezo, mas havia algo mais ali. Um desconforto disfarçado de arrogância, um desconforto que ele se recusava a admitir. Ele não sabia como reagir. Sempre a tinha como uma figura submissa, alguém que ele poderia controlar, mas agora ela se mostrava diferente, mais forte. Por um breve momento, ele pareceu vacilar.
— Muito bem. — Ele cruzou os braços, a expressão carregada de desdém. — Se quer tanto se livrar de mim, farei os papéis. O mais rápido possível.
Isabella sentiu as pernas fraquejarem, mas se manteve firme. Seu corpo estava exausto, mas sua mente era inquebrável. Ela tinha finalmente tomado o controle de sua vida, e não importava mais o que ele pensasse ou sentisse.
— Obrigada — disse, quase sem voz, a dor se tornando um peso em suas palavras. Não eram palavras de gratidão, mas de alívio. Um alívio amargo, mas necessário.
Romeu deu um passo à frente, o olhar ainda mais frio, cruel. Ele queria pôr ela no seu devido lugar. Como ela ousava tomar uma atitude tão ousada? Ele queria esmagar qualquer resquício de orgulho que ela ainda pudesse ter.
— Não pense que é porque tem esse corpo mutilado que vai conseguir piedade de mim, Isabella. — Sua voz era cortante como uma navalha, cortando o silêncio com a brutalidade de suas palavras. — Eu te assumi por obrigação. Sempre foi por obrigação. Você não passa de um fardo.
As palavras dele a atravessaram como lâminas afiadas, rasgando qualquer esperança que ainda restava dentro dela. Não era a primeira vez que ele a fazia se sentir assim, mas agora, depois de tudo, as palavras dele ainda tinham o poder de feri-la profundamente.
Isabella piscou para conter as lágrimas, mas não conseguiu impedir que uma rolasse pela bochecha. Era uma lágrima de dor, de perda, de frustração. Ele nunca a amara, nunca sequer se importara. Era só um fardo para ele, uma responsabilidade que ele aceitara por causa do que representava. E ela já não suportava mais.
— Olhe para você — cuspiu ele, com rancor. — Quem, em sã consciência, se interessaria por algo tão... quebrado e desinteressante?
Ela sentiu a humilhação consumir suas forças. Cada palavra dele era um golpe que ela não estava mais disposta a aguentar. Mas, em vez de ceder à dor, ela se manteve firme, tentando controlar o tremor da voz.
— Eu já sei disso — murmurou, com um fio de voz. — Não precisa me lembrar.
Por um momento, algo relampejou no rosto de Romeu, uma faísca de desconforto, talvez arrependimento. Mas foi tão rápido que Isabella poderia ter imaginado. Ele se virou sem dizer mais nada, batendo a porta atrás de si com força, fazendo o som ecoar pela mansão vazia.
Sozinha novamente, Isabella permitiu-se desabar. Seu corpo deslizou contra a parede até se encolher no chão. Abraçou os joelhos magros, sentindo a perna mutilada latejar com a pressão. Um soluço escapou, dolorido e abafado. Ela era uma mulher quebrada, e, pela primeira vez, não tentou esconder essa verdade de si mesma. Ela não era mais a menina que esperava que Romeu a amasse, que ela fosse suficiente para ele. Ela era uma mulher, sozinha, e agora sabia que a verdadeira força viria de dentro, não de alguém que jamais a quis de verdade.
Ela ficaria bem. Mas, por enquanto, ela precisava chorar. E chorar era tudo o que restava a fazer.
Isabella segurava o telefone com mãos trêmulas. Respirou fundo antes de discar o número do avô. Ele atendeu no segundo toque, como se já esperasse por ela.— Isabella? Está tudo bem, bambina?Ela fechou os olhos, sentindo o calor das lágrimas ameaçando subir. Não era hora para fraquezas.— Nonno... eu só liguei para avisar que tomei uma decisão. Vou me divorciar de Romeu.O silêncio do outro lado foi absoluto. Um silêncio que pesava como chumbo.— Pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou o velho, em voz neutra, quase cortante.Isabella apertou o telefone com mais força.— Não deu certo, nonno. Nós... nunca nos aproximamos de verdade. Eu quero refazer minha vida, mereço ser feliz.Um som baixo, quase um grunhido, escapou do avô. Mas ele não discutiu. Não gritou.— Entendo — disse por fim, frio como o mármore. — Se é isso que deseja, Isabella, terá meu apoio.Ela soltou um suspiro tremido, agradecida. Mas a ligação não terminou aí.— Agora, me faça um favor — continuou ele,
O leve bater na porta fez Isabella se sobressaltar. Era Romeu que a chamava. Desde que se mudara para o quarto de hóspedes logo após o casamento, ele raramente a chamava. Ela franziu o cenho, largando o livro que mal lia. Era estranho ele procurar por ela agora. Só podia ser algo referente ao divorcio. — Pode entrar — disse, cautelosa.Romeu abriu a porta com cuidado. Estava de jeans escuro, camisa dobrada nos antebraços e aquele olhar que ela conhecia bem, mas que, estranhamente, parecia diferente naquela noite.— O que você quer? — ela perguntou de imediato, desconfiada.Ele hesitou por um segundo antes de avançar dois passos para dentro do quarto. Manteve uma distância respeitosa.— Vim conversar. Precisamos ponderar sobre algumas coisas, talvez tenhamos nos precipitado. — A voz dele soou estranhamente calma.Isabella ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.— Está bêbado?Romeu soltou uma risada curta, como se tivesse esperado aquela pergunta.— Não. Só... pensando melhor nas
No escritório, Romeu bebia uma dose de uísque em silêncio. A bebida descia queimando, mas não era suficiente para apagar o gosto amargo da encrenca em que estava metido. Levar aquilo adiante... realmente valia a pena?Suspirou, jogando-se pesadamente na poltrona. Passou as mãos pelo rosto, cansado.Allegra. Allegra era maravilhosa! Cheia de vida, descomplicada, sensual. Com ela, tudo era simples: prazer, risadas, calor. Pensar em abrir mão da amante o incomodava mais do que queria admitir. Não apenas pelo sexo, mas porque Allegra fazia ele se sentir vivo. E agora, tinha que olhar para Isabella...Romeu esfregou a nuca, irritado consigo mesmo. Não era cego, sabia que Isabella era uma mulher bonita. Tinha aquela beleza natural, delicada, quase tímida. Mas faltava algo, faltava brilho.Estava acostumado com mulheres que sabiam o que queriam e sabiam como conseguir. Isabella parecia viver num mundo à parte. Jovem demais, ingênua demais e sem graça demais.Romeu virou mais um gole do uísq
Romeu nunca foi de hesitar, mas naquela tarde, ao fechar a porta do apartamento de solteiro no centro da cidade, sentiu-se vacilar. Como se estivesse prestes a fazer algo que deveria ter feito há muito tempo, mas ao mesmo tempo nunca se sentiu minimamente impelido a fazer. Não voltaria para ali tão cedo, pois para que o plano de conquistar Isabella desse certo, a mansão deveria ser novamente seu lar em tempo integral.Sem olhar para trás, Romeu atravessou a cidade até o prédio de Allegra. Aquela seria uma conversa difícil, ele não queria ter que terminar, mas se ia tentar para valer com Isabella, aquele era o único caminho possível. Ela o recebeu com um sorriso insinuante, trajando um vestido leve demais para o clima da estação. Bastou um olhar para saber que ela não entenderia suas palavras sem lutar.— O que houve, amore? — ela perguntou, jogando os braços ao redor do pescoço dele.Romeu afastou-a com delicadeza, mas com firmeza.— Allegra — disse, a voz fria como aço —, isso acabou.
— Isabella — chamou, a voz baixa e carregada de irritação mal contida. — Preciso falar com você. Agora.Ela se virou, surpresa pela abordagem brusca, sentindo o clima pesar de repente. Lorenzo, notando a mudança imediata no ar, sorriu de forma educada, mas desconfortável.— Foi um prazer conhecê-la, Isabella. Espero vê-la por aí — disse, lançando um olhar breve para Romeu antes de se afastar.Assim que ficaram a sós, Romeu cruzou os braços e a encarou com uma intensidade sufocante.— Quem é esse? — perguntou, sem rodeios, a voz cortante como navalha.Isabella piscou, atordoada com a agressividade.— Um vizinho — respondeu, tentando manter a calma. — Ele só estava se apresentando.— Se apresentando? — Romeu bufou, descrente. — E você já estava aí, rindo e trocando confidências?Ela estreitou os olhos.— Era só uma conversa. Nada além disso.— Conversa demais pro meu gosto — murmurou ele, olhando na direção onde Lorenzo desaparecera.— Desde quando você fiscaliza com quem eu falo? — retr
Ele não dormiu naquela noite, após rolar na cama, levantou-se e foi sentar na varanda da mansão, encarando o jardim vazio, onde a discussão com Isabella ainda parecia ecoar entre as flores. Cada palavra dela pesava como uma pedra em seu peito.Ela estava certa, ele nunca teve coragem de vê-la como uma opção aceitável, muito menos de amá-la do jeito que ela merecia. Primeiro porque ela era muito nova e depois porque se tornou um fardo, fardo esse que ele não queria. Mas agora... agora ele precisava fazer alguma coisa. Já tinha trinta e cinco anos, era hora de se estabelecer seriamente. No início da manhã, sem se permitir pensar demais, Romeu atravessou a casa e parou diante da porta do quarto dela. Bateu uma vez, o som seco ecoando no corredor silencioso.— Isabella, podemos conversar?Houve um momento de silêncio, um momento que pareceu durar uma eternidade antes da porta se abrir. Ela estava lá, com o rosto cansado e os olhos ainda inchados pelo sono e o choro da noite anterior. Isab
Os dias seguintes trouxeram uma mudança silenciosa à mansão. Isabella, cansada de esperar atitudes que nunca vinham, resolveu viver.Na manhã de sábado, ela estava no jardim, observando as flores que começavam a desabrochar, quando ouviu passos atrás de si.— Belo dia para admirar a primavera — disse uma voz masculina.Ela se virou, encontrando Lorenzo. O vizinho sorria de maneira calorosa, segurando uma pequena caixa de ferramentas.— Vim ver se precisava de ajuda com o jardim — explicou ele, apontando para as plantas. — Notei que algumas precisam ser podadas. Isabella sorriu, aquecida pela gentileza genuína.— Eu adoraria — respondeu.Eles passaram a manhã juntos, rindo, trocando histórias. Lorenzo era leve, atencioso e, o mais surpreendente, não parecia reparar na forma desajeitada e lenta como ele se movia. Se reparava, não deixava transparecer. Conversava com Isabella como se nada a separasse do resto do mundo. E Romeu, observando da varanda, sentia o sangue ferver nas veias. El
Isabella estava diante do espelho, terminando de ajustar um cachecol fino ao redor do pescoço, quando a campainha soou. Abriu a porta. Lá estava ele, Lorenzo, pontual como sempre. O sorriso que trazia nos lábios era fácil, quase displicente, mas havia algo atento no seu olhar. Como se estivesse sempre observando mais do que deixava transparecer.Nas mãos, um pequeno buquê de flores silvestres.— Para você — disse, estendendo o presente com naturalidade.Isabella piscou, surpresa pelo gesto. Era algo tão simples, tão inesperadamente gentil, que seu coração acelerou sem pedir permissão.— São lindas — agradeceu, sorrindo com sinceridade. Sentiu o rosto corar, uma cor suave nas bochechas. — Pronta para nossa caminhada?Ela assentiu, com um brilho nos olhos que não se via há tempos. Leveza. Era isso que sentia. Como se, enfim, houvesse espaço dentro dela para respirar.Mas ao virar-se para pegar a bolsa, ouviu passos pesados atrás de si. Passos que conhecia bem. Passos que não deveriam es