Três anos depois...
Isabella observava a própria imagem no espelho com uma mistura de dor e determinação. Três anos haviam se passado desde o acidente que a deixara marcada, não apenas na pele, mas na alma. A mulher que refletia para ela não era a mesma que se olhava anos atrás, cheia de sonhos e esperanças. Não. Ela era uma versão mais dura, forjada pela dor, pelas perdas e pelo abandono.
As cicatrizes, embora mais curadas, ainda estavam lá. Aquelas marcas eram testemunhas do seu sofrimento, e a cada dia, ela as aceitava mais como parte de quem era. Não podia mais lutar contra elas. Mas, no fundo, o que mais doía não era a perda da sua perna ou as marcas visíveis. Era o fato de Romeu nunca tê-la olhado de verdade.
Ele, que devia ser seu marido, seu parceiro, sempre se manteve distante. Durante todo o tempo em que esteve com ela, ele nunca a amou. Nunca a quis.
Isabella respirou fundo, sentindo uma onda de coragem tomar conta dela. Hoje seria diferente. Ela não seria mais a mulher que se deixava levar pela passividade. A mansão parecia enorme ao redor dela, um reflexo de sua vida cheia de vazios. Ela sabia onde encontrá-lo. Sabia exatamente onde ele passava horas a fio, ignorando tudo o que acontecia ao seu redor. O escritório de Romeu.
Ela atravessou os corredores largos da mansão com passos firmes, sua bengala fazendo um som rítmico no chão. Cada passo era uma afirmação de que ela não voltaria atrás. Quando chegou à porta do escritório, ela hesitou por um momento. Algo a fez parar. Mas, depois de um suspiro, ela empurrou a porta sem bater.
O que encontrou lá dentro a fez congelar. Romeu estava sentado à mesa, e Allegra Vescovi, com seu sorriso encantador e postura provocante, estava sentada sobre a borda da mesa, a mulher se inclinou mais um pouco e os dois iniciaram um beijo quente e empolgado. Seus dedos deslizavam pela gravata de Romeu com uma intimidade que Isabella nunca vira, nunca imaginara. Após o beijo ele sorria para Allegra de um jeito que ela jamais experimentara.
Um sorriso genuíno, caloroso, completamente diferente da frieza com que ele sempre a tratara.
O estômago de Isabella se revirou, uma sensação de humilhação queimando seu peito, mas ela manteve a compostura. Seus olhos se encontraram com os de Romeu, e por um momento, ele pareceu surpreso. Mas rapidamente, aquela surpresa se transformou em frieza, como se o tempo tivesse parado, e tudo o que havia entre eles fosse um espelho quebrado.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou Romeu, sua voz cortante, sem nenhum sinal de emoção genuína.
Allegra, sem sequer se incomodar em esconder o olhar de superioridade, virou-se lentamente para encarar Isabella. A mulher diante dela era tudo o que ela não era: marcada, quebrada, envelhecida de alguma forma. E Allegra sabia exatamente o que representava para Romeu: a jovem sem cicatrizes, a mulher perfeita que ele escolhera para substituir Isabella.
Isabella sentiu o peso do olhar dela, e por um instante, quis desmoronar. Mas não o fez. Ela ergueu a cabeça, seus olhos ardendo de raiva e dor. Não era mais a menina ingênua que Romeu havia desprezado. Ela não seria mais passiva. Não importava o que ele pensava dela.
— Vim conversar — respondeu Isabella, a voz mais firme do que ela imaginara. — Mas já vi que não há mais nada a ser dito.
Romeu afastou Allegra com um gesto impaciente, mas não negou o que ela estava vendo. O silêncio entre eles falava mais do que qualquer palavra poderia. Ele a ignorava, como sempre fizera. Ele não se importava. Ele nunca se importara. Isabella se aproximou alguns passos, sentindo o peso de sua própria dor em cada movimento, mas não hesitou.
— Quero o divórcio, Romeu. — As palavras saíram de sua boca como lâminas afiadas, cortando o silêncio entre eles.
Romeu olhou para ela como se tivesse sido atingido por um golpe físico. O cenho franzido e a mandíbula rígida não disfarçavam a surpresa e a raiva que cresciam dentro dele.
— Você está brincando? — ele perguntou, a voz repleta de incredulidade. Ele se levantou da cadeira, afastando Allegra mais uma vez, como se ela fosse uma simples distração. — Você não pode simplesmente sair, Isabella. Você pertence a esta família! Você acha que pode apenas... sair?
Isabella deu um passo à frente, os olhos brilhando com uma determinação feroz que Romeu nunca imaginara ver nela. Ela já não se importava mais com os outros, com o que ele pensava ou com o que ele queria dela.
— Não sou um bem a ser possuído, Romeu. — A frase saiu com uma frieza que refletia o vazio que ela sentia dentro de si. Ela nunca havia sido tratada como um ser humano real por ele, apenas como uma peça de um tabuleiro, e agora isso acabava. — Eu não pertenço a você.
Aquelas palavras estavam carregadas de todo o sofrimento que ela suportara ao longo dos anos, da indiferença dele, do abandono, da dor que ela agora jogava de volta sobre ele. Romeu ficou imóvel por um momento, como se estivesse tentando processar o que ela dissera. Mas as palavras de Isabella estavam fazendo efeito. Ele avançou até ela, mas a expressão em seu rosto agora estava mais distante do que nunca.
— Você não pode fazer isso, Isabella. Não é assim que as coisas funcionam aqui. Tem muito em jogo, muito mais do que você entende. Isso... isso não é só sobre nós.
Ela olhou para ele com desdém, seu olhar gelado.
— Você tem razão. Não é só sobre nós. É sobre o que você quer preservar, não sobre o que você sente. É sobre seus negócios e sua maldita honra.
Romeu ficou sem palavras. Ele sabia que ela estava certa. Mas o orgulho e o peso das expectativas da família eram mais fortes do que qualquer sentimento que ele pudesse ter por ela.
— Você não pode simplesmente ir embora, Isabella. Eu... — ele começou, mas sua voz se perdeu. Ele não sabia como terminar aquela frase, como fazer com que ela ficasse.
Ela não olhou para ele, não mais. Virou-se, caminhando em direção à porta com passos firmes. A cada movimento, ela sentia o peso da perda e da derrota, mas ao mesmo tempo, uma sensação de liberdade começava a surgir dentro dela. Pela primeira vez, ela não estava mais presa. Não estava mais à mercê de ninguém.
Ela parou na porta e se virou lentamente.
— Eu vou viver minha vida agora, sem você.
Sem esperar resposta, ela deixou o escritório. Romeu ficou parado, em silêncio, com os olhos fixos na porta que se fechava lentamente, como se ele estivesse perdendo o último fio de controle que tinha.
Isabella deixou o escritório de forma intepestiva, tomada pela raiva, tropeçou na escada e caiu. Romeu que ja saia do escritório atras dela correu e chegou a tempo de segurá-la. Isabella recusou sua ajuda, e o afastou abruptamente. Chorou silenciosamente com amargura e subiu as escadas com dificuldade. Se arrastou de volta ao quarto, a bengala batendo no chão a cada passo irregular.A dor física era um incômodo constante, mas nada se comparava ao vazio que corroía seu peito.Ela não era tola, sabia como as pessoas a viam agora. Deformada, destruída, uma sombra da menina que fora um dia. Sua perna manca, a pele marcada... um lembrete vivo de que a vida lhe havia sido tirada de forma cruel e definitiva. E, de uma forma ainda mais dolorosa, sabia que Romeu jamais a desejara e jamais a desejaria. Ele a havia tolerado, sim, por obrigação, mas amor... aquele tipo de amor que ela sempre imaginara, não existia mais.Mal entrou no quarto e ouviu as batidas fortes na porta. Antes que pudesse
Isabella segurava o telefone com mãos trêmulas. Respirou fundo antes de discar o número do avô. Ele atendeu no segundo toque, como se já esperasse por ela.— Isabella? Está tudo bem, bambina?Ela fechou os olhos, sentindo o calor das lágrimas ameaçando subir. Não era hora para fraquezas.— Nonno... eu só liguei para avisar que tomei uma decisão. Vou me divorciar de Romeu.O silêncio do outro lado foi absoluto. Um silêncio que pesava como chumbo.— Pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou o velho, em voz neutra, quase cortante.Isabella apertou o telefone com mais força.— Não deu certo, nonno. Nós... nunca nos aproximamos de verdade. Eu quero refazer minha vida, mereço ser feliz.Um som baixo, quase um grunhido, escapou do avô. Mas ele não discutiu. Não gritou.— Entendo — disse por fim, frio como o mármore. — Se é isso que deseja, Isabella, terá meu apoio.Ela soltou um suspiro tremido, agradecida. Mas a ligação não terminou aí.— Agora, me faça um favor — continuou ele,
O leve bater na porta fez Isabella se sobressaltar. Era Romeu que a chamava. Desde que se mudara para o quarto de hóspedes logo após o casamento, ele raramente a chamava. Ela franziu o cenho, largando o livro que mal lia. Era estranho ele procurar por ela agora. Só podia ser algo referente ao divorcio. — Pode entrar — disse, cautelosa.Romeu abriu a porta com cuidado. Estava de jeans escuro, camisa dobrada nos antebraços e aquele olhar que ela conhecia bem, mas que, estranhamente, parecia diferente naquela noite.— O que você quer? — ela perguntou de imediato, desconfiada.Ele hesitou por um segundo antes de avançar dois passos para dentro do quarto. Manteve uma distância respeitosa.— Vim conversar. Precisamos ponderar sobre algumas coisas, talvez tenhamos nos precipitado. — A voz dele soou estranhamente calma.Isabella ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.— Está bêbado?Romeu soltou uma risada curta, como se tivesse esperado aquela pergunta.— Não. Só... pensando melhor nas
No escritório, Romeu bebia uma dose de uísque em silêncio. A bebida descia queimando, mas não era suficiente para apagar o gosto amargo da encrenca em que estava metido. Levar aquilo adiante... realmente valia a pena?Suspirou, jogando-se pesadamente na poltrona. Passou as mãos pelo rosto, cansado.Allegra. Allegra era maravilhosa! Cheia de vida, descomplicada, sensual. Com ela, tudo era simples: prazer, risadas, calor. Pensar em abrir mão da amante o incomodava mais do que queria admitir. Não apenas pelo sexo, mas porque Allegra fazia ele se sentir vivo. E agora, tinha que olhar para Isabella...Romeu esfregou a nuca, irritado consigo mesmo. Não era cego, sabia que Isabella era uma mulher bonita. Tinha aquela beleza natural, delicada, quase tímida. Mas faltava algo, faltava brilho.Estava acostumado com mulheres que sabiam o que queriam e sabiam como conseguir. Isabella parecia viver num mundo à parte. Jovem demais, ingênua demais e sem graça demais.Romeu virou mais um gole do uísq
Romeu nunca foi de hesitar, mas naquela tarde, ao fechar a porta do apartamento de solteiro no centro da cidade, sentiu-se vacilar. Como se estivesse prestes a fazer algo que deveria ter feito há muito tempo, mas ao mesmo tempo nunca se sentiu minimamente impelido a fazer. Não voltaria para ali tão cedo, pois para que o plano de conquistar Isabella desse certo, a mansão deveria ser novamente seu lar em tempo integral.Sem olhar para trás, Romeu atravessou a cidade até o prédio de Allegra. Aquela seria uma conversa difícil, ele não queria ter que terminar, mas se ia tentar para valer com Isabella, aquele era o único caminho possível. Ela o recebeu com um sorriso insinuante, trajando um vestido leve demais para o clima da estação. Bastou um olhar para saber que ela não entenderia suas palavras sem lutar.— O que houve, amore? — ela perguntou, jogando os braços ao redor do pescoço dele.Romeu afastou-a com delicadeza, mas com firmeza.— Allegra — disse, a voz fria como aço —, isso acabou.
— Isabella — chamou, a voz baixa e carregada de irritação mal contida. — Preciso falar com você. Agora.Ela se virou, surpresa pela abordagem brusca, sentindo o clima pesar de repente. Lorenzo, notando a mudança imediata no ar, sorriu de forma educada, mas desconfortável.— Foi um prazer conhecê-la, Isabella. Espero vê-la por aí — disse, lançando um olhar breve para Romeu antes de se afastar.Assim que ficaram a sós, Romeu cruzou os braços e a encarou com uma intensidade sufocante.— Quem é esse? — perguntou, sem rodeios, a voz cortante como navalha.Isabella piscou, atordoada com a agressividade.— Um vizinho — respondeu, tentando manter a calma. — Ele só estava se apresentando.— Se apresentando? — Romeu bufou, descrente. — E você já estava aí, rindo e trocando confidências?Ela estreitou os olhos.— Era só uma conversa. Nada além disso.— Conversa demais pro meu gosto — murmurou ele, olhando na direção onde Lorenzo desaparecera.— Desde quando você fiscaliza com quem eu falo? — retr
Ele não dormiu naquela noite, após rolar na cama, levantou-se e foi sentar na varanda da mansão, encarando o jardim vazio, onde a discussão com Isabella ainda parecia ecoar entre as flores. Cada palavra dela pesava como uma pedra em seu peito.Ela estava certa, ele nunca teve coragem de vê-la como uma opção aceitável, muito menos de amá-la do jeito que ela merecia. Primeiro porque ela era muito nova e depois porque se tornou um fardo, fardo esse que ele não queria. Mas agora... agora ele precisava fazer alguma coisa. Já tinha trinta e cinco anos, era hora de se estabelecer seriamente. No início da manhã, sem se permitir pensar demais, Romeu atravessou a casa e parou diante da porta do quarto dela. Bateu uma vez, o som seco ecoando no corredor silencioso.— Isabella, podemos conversar?Houve um momento de silêncio, um momento que pareceu durar uma eternidade antes da porta se abrir. Ela estava lá, com o rosto cansado e os olhos ainda inchados pelo sono e o choro da noite anterior. Isab
Os dias seguintes trouxeram uma mudança silenciosa à mansão. Isabella, cansada de esperar atitudes que nunca vinham, resolveu viver.Na manhã de sábado, ela estava no jardim, observando as flores que começavam a desabrochar, quando ouviu passos atrás de si.— Belo dia para admirar a primavera — disse uma voz masculina.Ela se virou, encontrando Lorenzo. O vizinho sorria de maneira calorosa, segurando uma pequena caixa de ferramentas.— Vim ver se precisava de ajuda com o jardim — explicou ele, apontando para as plantas. — Notei que algumas precisam ser podadas. Isabella sorriu, aquecida pela gentileza genuína.— Eu adoraria — respondeu.Eles passaram a manhã juntos, rindo, trocando histórias. Lorenzo era leve, atencioso e, o mais surpreendente, não parecia reparar na forma desajeitada e lenta como ele se movia. Se reparava, não deixava transparecer. Conversava com Isabella como se nada a separasse do resto do mundo. E Romeu, observando da varanda, sentia o sangue ferver nas veias. El