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Demir chegou à biblioteca, sorridente, aquela manhã. Havia conseguido acesso ao terreno que a perita havia suspendido a licença, estava empolgado. Precisava de alguns livros técnicos e outros de referências, na sessão de História.

No corredor, via as bonitas curvas de uma jovenzinha, sentada no chão, com as costas apoiadas na estante de livros. A cada passo que subia das escadas, a imagem se tornava mais atraente. Usava um suéter solto, que escorregou pelo ombro. No braço, um bracelete de pedra que parecia uma opala, em uma peça única, cravejado de símbolos alquímicos pouco acima do que parecia um hematoma, grande. Não podia ser uma pancada, teria despedaçado o bracelete.

— Com licença! Por acaso você está... - Ele se interrompeu, notando Elara pela primeira vez. Ela o olhava, em pé, diante dela, debaixo para cima, sobre as lentes grandes. Seu entusiasmo inicial dava lugar a uma expressão de reconhecimento, tingida de desagrado. - Ah, é você. - Ela ergueu uma das sobrancelhas, quase a risos. O homem tinha teorias extravagantes e uma tendência a misturar fatos históricos com especulações místicas.

— Professor Zeki. Que surpresa encontrá-lo longe de seus pergaminhos de profecias apocalípticas. - Ela zombou. - Para informar, aqui é uma biblioteca, para informações factuais, não para divagações sobre tesouros mágicos. - Demir apertou os lábios, via a marca no braço, que ela cobriu, delicadamente.

— Tesouros históricos, Doutora. Há uma diferença sutil que sua mente parece incapaz de discernir. E, para sua informação, estou aqui seguindo uma pista concreta, algo que talvez sua análise estreita não consiga desvendar. - O homem era ácido. Respondeu, arrogante.

— Ah, sim, suas "pistas" baseadas em lendas de velhotes surpersticiosos bêbados. Enquanto isso, eu lidava com evidências reais, com vítimas reais. - Ela tinha o tom beligerante que imprimia algum sarcasmo.

— Sua supostas evidências que apenas arranham a superfície? Você busca a causa imediata, enquanto eu procuro as raízes profundas, as forças que moldam a história... e talvez até mesmo os crimes. — Ele desdenhava. Ela fechou o livro em um baque seco, Demir notava ser uma de suas obras. Sorria, desprezando-a.

— Parece que você tem uma certa tendência de fantasia que se afasta da minha necessidade de fatos concretos. Se você se perdeu em algum conto de fadas, sugiro procurar na seção de ficção do outro lado da biblioteca da universidade, bem longe daqui. - Ela provocou, levantando-se. Demir cerrou os punhos, segurando alguns os livros. Seus olhos verdes faiscavam com irritação.

— Sua arrogância é tão densa quanto este acervo, Doutora. - Ele disse, enfatizando o título com desdém. - Talvez, se você abrisse um pouco a mente para além do seu seu jogo de detetive, pudesse perceber que o mundo é mais complexo do que sua visão limitada permite.

— E talvez, professor, se você passasse menos tempo sonhando com o passado e mais tempo no presente, poderia contribuir para a sociedade de uma forma mais... tangível. Agora, se me der licença, tenho mais o que fazer. - Elara o contornou com um olhar frio, indo em direção à escada. Demir ficou parado, observando-a se afastar, a frustração estampada em seu rosto. Ele chegava a tremer de raiva. Percebia, no chão, a pasta de couro, elegante, da noite anterior sob seu livro, ali, desprezado.

Ele se abaixou, pegava aquelas anotações. Via os desenhos anatômicos, perfeitos, que contavam um crime no mesmo endereço de sua licença, com anotações como as de uma enciclopédia, horripilantes, mesmo que houvesse muito talento nas ilustrações e grande clareza nas notas. O desenho do coração de cerâmica, das histórias daquele livro, se mostrava, íntegro e não em fragmentos perdidos como os que ele documentou. "O que esse demônio sabe?" Ele contemplava a letra ordeira, de pulso firme, daquela mulher que o irritava tanto.

Elara saiu dali, desagradada com aquele encontro odioso, logo no início do dia. Resolveu passar pelo necrotério, precisava ver a ficha daquela mulher. Tinha o número do prontuário anotado em algum lugar. Ela percebia a falha, havia deixado suas anotações na biblioteca. Ela se apressou em voltar, mas era tarde demais. Havia perdido a pasta de anotações. Pouco restava a fazer, era um lugar amplo, difícil e mal monitorado. Ela bufou, frustrada. Precisava encontrar Demir. Se desse sorte, a pasta estaria com aquele homem e, com muita sorte, ele não a teria aberto.

******************

Em Balat, Demir esperava os alunos descarregarem os equipamentos, apreciava os desenhos dela. Tinha mão boa. Desenhava cenas, pessoas, animais, aleatoriamente. Numa das folhas, o bonito desenho dele era uma obra de arte que ela mesmo vandalizou com rabiscos, lhe dando chifres, olhos esbugalhados e uma língua bifurcação que lembrava uma máscara oriental. "Sem condições uma pessoa assim." Ele lia as anotações, era precisa e de raciocínio rápido e organizado, muito observadora. Em outro desenho, via as mãos dele com ornamentos e joias de um rei persa. Com um círculo, destacava o anelar esquerdo dele, vazio ao lado da pergunta: "Bonitinho, mas com esse gênio? Quem pega?" Um smile desenhado ria. Ele se irritava novamente. Era geniosa também.

Ele começava os trabalhos em meio ao lamaçal. Uma fina chuva se iniciava. A figura da mulher, em uma parka jovial, de capuz e cachecol que lhe cobri o rosto até o nariz, surgia. Olhar intenso, caminhava, firme até ele. Era hipnotizante.

— Poderia me devolver minha pasta, por favor. - A voz da beldade o atingia como um soco. "De novo?" Ele se ultrajava.

— Desculpe? - Ele a encarou, fingindo uma pretensiosa ignorância.

— Olha. Já estive na biblioteca. Ninguém viu minha pasta. Tem anotações importantes dentro. - Ela se irritava. - Quero apenas as anotações. Tudo bem perder a pasta.

— Não sei do que está falando. - Demir ironizava. - Está me acusando de ser um ladrão?

— Quer testar a hipótese com a polícia? - Ela ameaçou, puxando o celular do bolso.

— Fique à vontade. - Ele desafiava. - Podemos esclarecer o motivo de estar me perseguindo e me constrangendo, deliberadamente.

— Você... - Ela estreitou o olhar fuzilante, ele se divertia implicando com ela.

— Se não sabe cuidar de suas coisas, deveria aprender. Já tem idade para ser mocinha, não, Doutora? - Ele a enfrentava, debochado.

— Está comprando briga, Doutor? - Ela o encarou, começava a perder a compostura, os alunos perceberam o enfrentamento.

— É uma ameça, Doutora? - Ele respondeu, venenoso.

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