Capítulo 07 

O jeito como ele pronunciou meu nome soou mais como uma ordem do que como um chamado. Minha garganta secou, e engoli em seco.

— Estávamos falando sobre a minha avó — tentei justificar, a voz vacilando mais do que eu gostaria. — Ele a conheceu na biblioteca, só isso.

Gael inclinou-se, aproximando-se de mim de maneira dura, como se invadisse o espaço que eu tentava proteger. Seu olhar era pesado, frio, incapaz de transmitir qualquer traço de gentileza.

— Você é minha esposa — disse, e cada sílaba soou como gelo rachando. — Por contrato ou não, é minha esposa. Me dê respeito e obediência.

As palavras bateram em mim com a força de um soco invisível. Minha primeira reação foi prender a respiração, tentando não deixar transparecer o impacto. O peito doía, como se a cada batida do coração uma corda fosse puxada mais apertada. Tive vontade de retrucar, de jogar no rosto dele que eu não era uma marionete. Mas me calei. Discutir naquele momento seria entregar a ele o que parecia querer evitar: cena, escândalo, fragilidade exposta.

— Entendido — murmurei, e me surpreendi com a firmeza da minha própria voz.

Ele me encarou demoradamente, como se buscasse no meu rosto algum sinal de desafio. Os olhos eram lâminas afiadas, prontos para cortar qualquer resquício de rebeldia. Depois de alguns segundos de silêncio, soltou minha mão com brusquidão, ajeitou a postura e fez um gesto seco em direção ao salão.

— Vamos. Eles estão esperando.

Segui ao lado dele. Cada passo ecoava no mármore, pesado demais para caber nos meus saltos. A cada movimento, sentia os olhares curiosos que nos acompanhavam. O ambiente estava impregnado de sussurros silenciosos, como se todos estivessem apenas aguardando o deslize que nos transformaria em assunto principal.

Voltamos ao salão, e a roda de conversas retomou seu ritmo como se nada tivesse acontecido. Para mim, porém, as vozes eram abafadas, distantes, como se eu estivesse presa atrás de um vidro. Gael, por outro lado, exibia sua máscara social impecável. Cordial, simpático na medida exata, equilibrando risos e palavras como quem domina um tabuleiro.

Ao lado dele eu parecia apenas um adereço. Sorria mecanicamente, concordava com acenos, sustentava a aparência de quem pertencia àquele círculo.

Levei a taça de água aos lábios, tentando disfarçar o nó na garganta. O líquido gelado desceu amargo, metálico, como se carregasse o gosto da tensão que me sufocava.

Enquanto ao redor o riso ecoava, minha mente viajou até minha avó. Se ela estivesse ali, teria percebido o peso que escondi por trás do sorriso. Ela sempre enxergava além. Eu podia ouvi-la perguntar: “Você está feliz, minha menina?”

Teria respondido que sim, claro. E ela teria me fitado com aqueles olhos que não admitiam mentiras, até que eu desabasse, confessando entre lágrimas o que sentia.

Mas ela não estava ali. Só havia copos tilintando, palavras vazias, e a sensação incômoda de estar aprisionada em uma gaiola dourada.

— Está tudo bem? — uma voz delicada sussurrou ao meu lado.

Era a esposa de um dos sócios. Vestia um azul-marinho impecável, os cabelos presos com cuidado. Seus olhos pousaram em mim com suavidade, mas havia curiosidade também, talvez até pena.

— Sim — respondi rápido demais, escondendo-me atrás de um sorriso ensaiado. — Só um pouco cansada.

Ela assentiu, educada, mas percebi que não se convenceu. Aquela troca breve me deixou desconfortável. Era como se minha fragilidade tivesse cheiro, fácil de identificar. E, naquele salão repleto de lobos, eu não queria ser o sangue fresco que despertaria o apetite deles.

Abaixei os olhos para o prato. A comida diante de mim parecia mais um enfeite. Empurrei-a com o garfo, fingindo interesse. Ao meu lado, Gael continuava como se nada tivesse acontecido: tranquilo, controlado, bebendo seu vinho, sorrindo, respondendo com elegância. Ele parecia pertencer a tudo aquilo. Eu, não.

A sensação de deslocamento aumentava a cada minuto. Era como se eu tivesse sido encaixada em um quebra-cabeça ao qual não pertencia, e todos ao redor percebessem a peça fora do lugar.

Um dos convidados contou uma piada, e o salão explodiu em risadas. Olhares recaíram sobre mim, esperando que eu acompanhasse. Então forcei um riso. O som saiu frágil, vazio, e até para mim soou falso.

Tomei outro gole de água, mais para preencher o silêncio dentro de mim do que por sede.

Foi quando senti, por baixo da mesa, a mão de Gael tocar a minha. Não era carinho. Não era violência. Era um aviso silencioso. Um lembrete cruel de que eu deveria me manter no papel que ele havia me dado.

Mantive minha mão parada, gélida. Não ofereci resposta.

As horas seguintes pareceram se arrastar como um castigo. O brilho dos lustres refletia nas taças, nos talheres prateados, em cada detalhe de ostentação, mas nada daquilo me encantava. Tudo parecia um teatro de luxo encenado para convencer ao mundo de que vivíamos em perfeita harmonia.

Por dentro, me sentia cada vez menor.

De novo, minha mente buscou refúgio na lembrança da minha avó. As tardes na biblioteca, os livros que líamos juntas, o silêncio confortável que compartilhávamos… tudo aquilo era tão diferente deste ruído social sufocante. A saudade bateu forte, queimando por trás dos olhos. Respirei fundo, ergui o queixo e, com esforço, segurei as lágrimas que queriam escapar.

Sorri. Sorri como se estivesse plena, como se tudo fizesse sentido. Um sorriso que doía mais do que qualquer palavra fria de Gael.

Ele, ao meu lado, erguia a taça. Brindava como se estivéssemos em perfeita sintonia. Como se fôssemos exatamente o casal que todos acreditavam ver.

A cada olhar que eu precisava sustentar, a cada frase que não dizia, eu sentia uma parte de mim se apagando.

E então, quando levei novamente a taça de água aos lábios, uma voz atravessou o salão, firme e clara, rasgando o burburinho como uma lâmina:

— Leandra!

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