Quando me virei, vi um rosto que me fez voltar anos no tempo. Alguém que tinha marcado minha juventude, alguém que já tinha feito parte dos meus dias como se fosse um irmão de alma. Roger. Ele me olhou com a mesma intensidade de antes e abriu um sorriso largo, genuíno.
— Nem acredito que é você mesmo! — exclamou, antes de me envolver em um abraço caloroso que me pegou de surpresa.
Ao meu lado, senti Gael pigarrear, seco e incômodo, e Roger logo me colocou no chão.
— Você deve ser Gael Lubianco, não é? Muito prazer, sou Roger Menezes, amigo de longa data da Lê. — Ele estendeu a mão, e Gael apertou com força, mas não disse uma palavra sequer. O silêncio dele era cortante. — E você… está ainda mais linda do que me lembrava. — Roger voltou-se para mim, cheio de naturalidade. — Soube que se casou, me conte, como está a vida de casada?
— Está… indo conforme o planejado. — respondi, sem convicção.
Ele franziu o cenho.
— Ah, para! Me dê detalhes. Você sempre me contava tudo. De repente, nos afastamos por uns anos e agora você aparece assim, casada… Você me deve essa, Lê.
O entusiasmo dele me arrancou um sorriso, mas o peso do olhar de Gael sobre mim me obrigou a mudar de assunto. Perguntei a Roger sobre sua vida em Nova Iorque. Ele contou, animado, sobre projetos, viagens e conquistas. Era bom vê-lo feliz, tão cheio de brilho. Enquanto conversávamos, quase pude esquecer onde estava… até que Gael pigarreou outra vez, cortando o momento.
— Precisamos ir, amor. Quero apresentá-la a algumas pessoas. — O tom dele era firme, quase possessivo. “Algumas pessoas” significava investidores. Engoli a vontade de revirar os olhos e forcei um sorriso antes de me virar para Roger.
— Roger, precisamos ir. Mas vamos marcar de conversar com calma.
— Pode deixar, Lê. — Ele assentiu, sorridente. — Gael, cuide bem dela. Essa menina é única. — Depois me lançou um olhar cúmplice. — Seu número ainda é o mesmo, certo?
Assenti discretamente.
— Vou ligar para você depois, prometo.
Nos despedimos e segui Gael até uma mesa cercada de homens de negócios e mulheres com expressões entediadas, que sorriam apenas para manter as aparências. Tudo parecia ensaiado, artificial, e eu me sentia cada vez mais deslocada naquele ambiente.
Quando, enfim, o jantar terminou, voltamos para casa. Mal entramos, o celular de Gael tocou. Ele se afastou para atender e, pelo tom de voz, percebi imediatamente que era Paulina. Não esperei para ouvir mais. Deixei-o à vontade com a ligação e subi para ver os gêmeos.
Abri a porta devagar e encontrei os meninos dormindo em paz, cada um no seu bercinho. Aproximei-me, acariciei suas mãozinhas frágeis e sorri. Fechei a porta com cuidado para não acordá-los, depois fui para meu quarto. Troquei de roupa, tomei um banho demorado e relaxante e finalmente me deitei.
Os dias seguintes passaram lentos, arrastados. Minha relação com Gael permanecia no mesmo ponto: distante, fria, feita de aparências. Eu tentava, sem sucesso, falar com meu pai. Liguei várias vezes, mas Lucio sempre deixava cair na caixa postal. A cada tentativa frustrada, minha paciência se esvaía um pouco mais.
Ele nunca tinha sido um pai de verdade, e ainda assim, havia me agarrado à promessa dele. Ele disse que, se eu aceitasse esse casamento, me ajudaria com o tratamento da minha avó. Contra o meu instinto, contra tudo o que eu sabia dele, acreditei. Acreditei porque queria, porque precisava. Mas agora percebia que tinha sido ingênua outra vez. A cada dia de atraso, era um dia a menos para a mulher que mais me amava nesse mundo.
A chuva tamborilava contra as janelas do quarto dos gêmeos. Breno acordou assustado com um trovão e o embalei nos braços, sussurrando uma canção de ninar que minha avó costumava cantar para mim quando estava com medo. Aos poucos, o choro se transformou em resmungo, e o resmungo em silêncio. Seus olhos se fecharam, e ele adormeceu outra vez.
Coloquei-o no berço e fiquei ali, observando os pequenos. Eles eram a minha âncora, meu refúgio. Os únicos que me faziam sentir viva dentro daquela casa. Gael, mesmo presente fisicamente, parecia sempre em outro universo, inalcançável.
Foi então que ouvi passos no corredor. Pesados. Arrastados. Um arrepio percorreu meu corpo. Logo depois, o cheiro de álcool invadiu o ambiente, antes mesmo que a porta se abrisse.
Ele surgiu ali, apoiado no batente. O terno estava amarrotado, a gravata frouxa, e o olhar… aquele olhar não era o mesmo de sempre. Não havia a frieza calculada de Gael sóbrio, mas também não havia ternura. Era algo turvo, enevoado, perigoso.
— Leandra… — murmurou, cambaleando alguns passos. — Você está tão… tão linda assim…
Meu corpo enrijeceu. O elogio não soava verdadeiro, mas carregado de whisky e descontrole.
Ele fechou a porta atrás de si, como se isolasse o mundo. Seus olhos passaram rapidamente pelos berços, mas logo voltaram para mim, como se os gêmeos não existissem.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, tentando manter firmeza na voz.
— Estou… na minha casa. Com a minha esposa. — Um riso seco escapou de sua boca. — E quero… quero ter meus direitos de esposo.