Leandra Félix
O toque agudo do telefone quebrou o silêncio da pequena sala, onde o aroma de café recém-passado ainda pairava no ar, misturado ao leve cheiro de álcool e remédio do quarto de hospital. Eu estava sentada na poltrona ao lado da cama da minha avó, segurando sua mão como se fosse meu porto seguro — ou talvez fosse o contrário.
A pele dela, fina e frágil como papel, parecia ainda mais pálida naquela manhã. O aperto suave que me deu, quase imperceptível, foi a forma silenciosa de dizer que estava tentando ser forte… por mim.
— Atende, minha filha… pode ser importante. — A voz saiu baixa, arranhada, cansada.
Olhei para a tela do celular: Pai.
Por um instante, meu impulso foi deixar tocar até cair na caixa postal. Mas minha vozinha pediu, e por ela, respirei fundo e atendi.— O que foi, pai? — perguntei, sem esconder o cansaço.
— Onde você está? — A pergunta seca me soou estranha. Meu pai nunca quis saber sobre a minha vida.
— No hospital… com a vó.
— E como está Almerinda? — indagou, como quem pergunta sobre o tempo.
— Os médicos disseram que ela precisa iniciar o tratamento imediatamente… mas você já sabe disso.
Do outro lado, silêncio. Depois, um suspiro impaciente.
Lucio Pacheco nunca foi um pai de verdade. Desde que minha mãe morreu, quando eu tinha apenas três anos, ele se afundou em festas, viagens e negócios. Deixou-me aos cuidados da minha avó, enquanto desfrutava do luxo que o dinheiro podia comprar.Cresci com cheiro de bolo assando e histórias antes de dormir, mas também com o peso da ausência dele. As poucas vezes que cruzamos olhares, vi o mesmo desprezo de quem carrega um peso indesejado.
— Posso ajudar no tratamento… mas com uma condição. — Sua voz mudou, assumindo aquele tom frio e calculado de quando fechava negócios.
— Que condição? — perguntei, embora meu estômago já se revirasse.
— Gael Lubianco precisa de uma esposa. Rafaelly não aceitou… então será você.
Pisquei, tentando ter certeza de que tinha ouvido direito.
— O quê?! Você quer que eu me case com um estranho? Pra quê?
Ele riu. Um riso sem humor, seco como papel velho.
— É negócio, Leandra. Ele precisa de alguém para cumprir um papel, e você precisa que sua avó viva. Não é difícil de entender.
— Você está querendo me vender, pai.
— Não seja dramática. É só um casamento de conveniência. Você vai morar bem, comer bem… não vai faltar nada. Sua avó terá o melhor tratamento que o dinheiro pode pagar. No fim, é um bom acordo para você.
Olhei para minha avó. Ela dormia, o peito subindo e descendo devagar, e senti um nó no peito. Eu não tinha dinheiro, não tinha tempo, e o relógio corria contra nós.
— Eu nem conheço ele… — Minha voz quase não saiu.
— Não precisa conhecer. Basta assinar os papéis e manter as aparências. — Ele fez uma pausa curta, mas afiada. — Então? Aceita ou não?
Fechei os olhos, tentando buscar na memória as poucas palavras que minha mãe me deixou. "Seja forte, minha menina. Mesmo quando o mundo for cruel."
— Eu aceito. — Sussurrei, sentindo cada letra como uma lâmina cortando por dentro.
Dois dias depois, estava vestida de noiva. Não como nos sonhos da infância, quando imaginava flores e promessas sussurradas. O vestido era caro, mas não era meu. O buquê pesava nas mãos. E o noivo… mal me olhou quando entrou na igreja.
Gael Lubianco.
Exatamente como descreviam os jornais: alto, imponente, traços tão perfeitos que pareciam esculpidos. Mas o olhar… frio. Congelado. Não havia calor, nem curiosidade, muito menos gentileza. Ele não sorriu, não tocou minha mão, não tentou me tranquilizar. Repetiu os votos como quem assina um contrato, e só.Quando o “aceito” dele escapou, foi quase inaudível. E, com isso, me tornei esposa de um homem que não me queria… e que eu não conhecia.
A mansão dele era um mundo distante do meu. Mármore polido refletindo a luz do lustre, escadarias largas, quadros tão caros que eu tinha medo de respirar perto. Quem me recebeu foi a governanta, senhora Francisca. Uma mulher de meia-idade, sorriso gentil, e olhos que talvez sem saber foram meu primeiro sinal de que havia algum tipo de bondade naquele lugar.
— Senhora Lubianco, seja bem-vinda. — Ela sorriu, respeitosa, mas sem frieza. — O senhor Gael pediu que eu a levasse ao quarto.
Subimos as escadas em silêncio. Ao entrar, percebi algo inesperado: dois berços lado a lado. Dentro deles, dois bebês dormiam, tão iguais que pareciam espelhos. Bochechas rosadas, respiração tranquila. Um deles mexeu as mãos no sono, e meu coração, que vinha endurecido nos últimos dias, bateu mais lento.
— São Bruno e Breno, filhos do senhor Gael. — A voz da senhora Francisca saiu baixa, como se fosse um segredo. — Eles têm um ano.
Virei para ela, surpresa.
— Ele… não me disse que tinha filhos.
Ela hesitou.
— A mãe deles… é a modelo Paulina Vieira. — Disse, como se medisse cada palavra.
Antes que eu pudesse fazer mais perguntas, Gael surgiu na porta, imponente, preenchendo o espaço.
— A partir de hoje, eles são responsabilidade sua. — Sua voz não trazia dúvida, nem espaço para negociação. Era uma ordem.
— O quê? — perguntei, sem esconder o espanto.