— Não sabia que teria que cuidar de crianças. — Minha voz saiu trêmula, quase um sussurro.
— Agora sabe. — Gael ajeitou o relógio no pulso, como se minha surpresa fosse irrelevante. — Tenho um compromisso.
E, sem mais explicações, ele saiu.
O silêncio durou apenas alguns segundos. Logo, um choro agudo rompeu o ar, vindo dos berços. Primeiro um, depois o outro. Era um som desesperado, que parecia pedir socorro, e meu coração acelerou. Eu nunca cuidei de bebês. O mais próximo que cheguei disso foi quando segurei a filha da minha vizinha por alguns minutos para que ela pudesse estender roupas no varal.
Aproximando-me, vi Bruno com o rostinho vermelho, a boquinha aberta em um choro sentido. Breno não ficava atrás, se contorcendo como se o próprio ar fosse incômodo.
— Calma… calma, meninos… — murmurei, pegando Bruno no colo, tentando lembrar de tudo o que já tinha visto em programas de TV ou ouvido de mães experientes. Balancei o corpo no ritmo que achei mais suave, como se o movimento pudesse acalmar nós três, porque, por dentro, eu também estava prestes a chorar.
Foi então que a porta se abriu e dona Francisca entrou, quase como uma aparição salvadora.
— Deixe que eu ajudo, senhora Lubianco. — A voz dela era calma, mas firme. Pegou Breno com habilidade e, em segundos, o choro dele diminuiu. — Eles sentem muito a ausência do pai. Estão acostumados com a minha presença.
A palavra ausência ficou martelando na minha cabeça. Sabia exatamente o que isso significava.
— A senhora sabe onde está a mãe deles? — perguntei, baixando o tom.
O olhar de dona Francisca carregava um pesar que não precisei decifrar.
— Provavelmente está com o senhor Lubianco neste momento.
Arqueei as sobrancelhas.
— E por que ela não cuida das crianças?
— Também já me perguntei isso. Mas como apenas uma empregada… não devo questionar.
Quando ela se virou para acalmar Breno, peguei meu celular. Digitei Paulina Vieira e deixei o algoritmo do mundo me mostrar quem era a mãe dos gêmeos. As fotos exibiam uma mulher estonteante: loira, alta, olhos verdes de um tom quase hipnótico, corpo perfeito como se tivesse sido esculpido para a capa de uma revista.
Olhei para meu reflexo na tela apagada. Cabelos castanhos cacheados, olhos castanhos claros, altura mediana. E, no momento, olheiras profundas de tantas noites mal dormidas e turnos exaustivos para pagar contas já que meu pai nunca se preocupou em me ajudar financeiramente. Comparar-me a ela era quase cruel, mas inevitável.
— Eles já comeram? — perguntei, mais para fugir dos pensamentos do que por curiosidade.
— Ainda não. Vou buscar as mamadeiras. — O sorriso dela foi gentil, quase encorajador. — A senhora vai aprender rápido.
Fiquei com Bruno no colo, observando seus olhos claros me fitarem como se tentassem me entender. E, pela primeira vez, ele parou de chorar, apenas me olhando com aquela curiosidade silenciosa.
Poucos minutos depois, Francisca voltou com duas mamadeiras quentinhas. Sentamos no sofá do quarto, cada uma com um bebê no colo, e começamos a alimentá-los.
Foi… estranho. Apesar do cansaço e do caos, havia algo ali que aquecia. Talvez fosse o peso leve deles no meu colo, a confiança silenciosa de que cuidaria deles mesmo que eu mesma não soubesse como.
Quando terminaram, Francisca os colocou de volta no berço. Fiquei ali, observando o jeito particular de cada um dormir. Breno, de lado, mãozinha fechada como se guardasse um segredo. Bruno, de barriga para cima, com uma respiração profunda e tranquila.
Foi então que ouvi, ao longe, o som de pneus no cascalho. A janela do quarto dava para a entrada da mansão. Entre as cortinas, vi as luzes de um carro importado iluminarem o jardim antes de apagar. A porta se abriu e Gael desceu… mas não estava sozinho.
Paulina Vieira, com um vestido justo que abraçava cada curva e um salto que a fazia parecer ainda mais alta, saiu ao lado dele. Riam de algo, cúmplices, como se o mundo fosse só deles.
Um aperto subiu pelo meu estômago. Não era ciúme, pois não amava Gael, mas era humilhação. Casar comigo e, na mesma noite, exibir-se com outra mulher… não, não “outra”: a mãe dos filhos dele. Isso tornava tudo muito mais cruel.
Fechei a cortina antes que percebessem minha presença. Não queria que Gael soubesse que eu estava ali, olhando como uma espectadora indesejada da própria vida.
A madrugada avançou devagar. Entre mamadeiras, choros e trocas de fralda, o tempo passou sem que eu notasse. Francisca havia se retirado, dizendo que estava à disposição se eu precisasse, mas eu quis tentar sozinha.
Por volta das três da manhã, os dois dormiram, finalmente em sincronia. Me afundei na poltrona, exausta, o vestido de noiva ainda amassado sobre minha pele. Não tinha forças nem para trocá-lo.
A porta se abriu sem aviso.
Gael entrou, trazendo consigo o perfume adocicado, seus olhos passaram rapidamente pelos berços e depois pararam em mim. Não havia preocupação, apenas a frieza de quem verifica se um objeto está no lugar.
— Eles choraram muito? — perguntou, baixo, para não acordá-los.
— Um pouco. — Respondi.
Ele apenas assentiu, tirou o paletó e o largou sobre a cadeira. Parecia cansado, mas não daquele cansaço que vem de cuidar de crianças.
— Vou dormir no meu quarto. Francisca te ajudará amanhã.
As palavras estavam quase se perdendo no ar quando, sem pensar, soltei:
— E Paulina?