Eu mal dormi. A noite foi uma confusão de alarmes de celular, checagens de passaporte e a paranoia de ter esquecido algo crucial. A mala nova, que antes era uma prova de luxo, agora parecia pesada com a responsabilidade de carregar meu futuro.

A manhã passou como um borrão. Acordei cedo e usei o tempo para revisar as dez páginas de e-mails e a agenda caótica enviada por Patrícia.

Compromissos, anotações, e-mails de confirmação— eu já estava imersa no trabalho deles, organizando e processando mentalmente a logística de Nova York. A organização da agenda dos Fontaine já havia começado.

Às 16h30, vesti a roupa mais elegante que havia comprado: uma calça de alfaiataria preta, uma camisa de seda branca e meu novo sobretudo de lã, que, apesar do calor de Recife, me dava um ar de executiva internacional. Prendi meu cabelo cacheado em um coque baixo e elegante. O objetivo era parecer que eu já fazia aquilo há anos.

Chamei o carro de aplicativo, desta vez com destino ao Aeroporto Internacional de Guararapes. O tráfego estava, surpreendentemente, a meu favor.

Segui as instruções precisas de Patrícia, que pareciam tiradas de um filme. Em vez de ir para os balcões de check-in lotados, o motorista me levou para uma área lateral e discreta, com um portão exclusivo cercado por segurança privada.

O contraste era chocante. Aquele portão levava a um terminal pequeno, mas suntuoso, onde a agitação do aeroporto comercial era inexistente.

Ali, a calma era a regra dos muito ricos.

Encontrei um funcionário impecável me esperando. Ele me guiou rapidamente por uma checagem de segurança quase pessoal. Fui conduzida diretamente para uma pista isolada. E lá estava ele.

O Jato Executivo. Não era apenas um avião; era uma declaração de poder, um brilho branco imponente sob o sol do final da tarde.

Ao me aproximar da escada, os vi.

Susan e Ethan Fontaine estavam parados no topo da escada, aguardando. Eles pareciam ter saído de uma sessão de fotos da Forbes, prontos para conquistar continentes. Susan usava um conjunto de malha de cashmere que parecia confortável e caro. Ethan estava com um terno ligeiramente mais casual que o de ontem, mas com a mesma barba impecável e o cabelo loiro perfeitamente cortado. Seus olhos verdes estavam fixos em mim.

Eu estava no horário: 16h58.

“Melanie, a pontualidade é um excelente indício. Isso é um bom começo," Ethan disse assim que eu cheguei ao pé da escada. Sua voz era fria e formal, sem um único sinal de calor ou reconhecimento da minha maratona de 24 horas.

Susan me deu um sorriso de aprovação, mas seus olhos foram rápidos em analisar meu sobretudo novo. "Gostei da escolha, Melanie. Funcional."

Subi a escada. O funcionário da pista me assegurou que minha mala seria tratada. A porta do jato se fechou suavemente atrás de mim.

O interior era um luxo silencioso. Assentos de couro cor de creme, detalhes em madeira escura e o cheiro sutil de algo muito novo e caro.

“Sente-se," Susan indicou um assento na parte traseira, em frente a uma pequena mesa. "Vamos revisar a agenda durante a subida."

Sentei-me e tentei parecer totalmente à vontade enquanto o jato começava a se mover. Susan e Ethan se sentaram nos assentos adjacentes, mas do outro lado da pequena mesa, mantendo uma distância profissional, mas forçando a proximidade.

Ethan abriu seu laptop e me olhou.

"Pegue a agenda que Patrícia lhe enviou. Seu teste começou. Temos um compromisso que mudou de horário em Nova York. Sua primeira tarefa é nos dar as três melhores soluções logísticas e de tempo, em Inglês fluente. Agora."

Eu assenti. Enquanto eu pegava meu celular antigo e lento e tentava abrir a caixa de e-mails para acessar os arquivos da agenda, não percebi quando Susan se moveu discretamente e colocou ao meu lado duas caixas lacradas.

Tentei fingir normalidade, mas meu choque foi perceptível. Eram um iPhone e um iPad, novos, os modelos mais atuais disponíveis.

Susan completou, com uma indiferença que só o extremo luxo pode proporcionar:

“São seus para o trabalho, Melanie. Precisamos que seja eficiente, e ter as ferramentas de trabalho necessárias é o mínimo que podemos fornecer para que isso aconteça. Conecte-os à rede do avião, e use-os imediatamente."

Ethan me deu um olhar que dizia, Sem desculpas, comece.

Eu engoli em seco, sentindo a nova tecnologia gelada em minhas mãos. O celular antigo era agora um peso morto de lembranças. Peguei o iPad e o liguei. O arquivo da agenda abriu instantaneamente. Não havia mais margem para atrasos ou falhas técnicas.

O jatinho acelerou pela pista, a pressão da força me empurrando contra o assento. Eu estava no ar, e o jogo de Susan e Ethan acabara de começar.